Em muitas ocasiões, a vida nos impõe a necessidade de tomar decisões que determinarão o curso de nossa felicidade de modo fundamental e permanente. São momentos em que temos que pesar nossas necessidades mais primordiais, por um lado, e nossos interesses e necessidades secundárias, por outro; em que se concretiza uma oposição clara entre o "querer" e o "precisar".
De um lado, temos uma "opção" mais fácil e imediatista, vinculada às nossas necessidades de sobrevivência. No caso profissional, o exemplo ideal seria a oportunidade de um trabalho que oferece uma renda necessária, embora, muitas vezes, vinculado a uma função não tão atrante quanto a que imaginamos mais compatível com nossa personalidade e habilidades.
De outro, temos os nossos sonhos, nossa necessidade menos imediata mas fundamental tanto para a mente quanto para o espírito, principalmente a longo prazo.
Esse é um problema enfrentado, em maior medida, por profissionais de áreas ainda pouco valorizadas e procuradas pelo mercado, como sociólogos - categoria a qual pertenço. Nesses casos, a dificuldade em encontrar uma colocação profissional que atenda plenamente nossas expectativas e sonhos e que, ao mesmo tempo, possibilita a sobrevivência econômica, faz com que nos rendamos, em situações de urgência "financeira", às primeiras oportunidades de remuneração razoável que surjam, mesmo quando relacionadas à funções mais afastadas de nossos desejos mais pessoais.
Tendemos ainda, uma vez estabelecidos em tal posição, a nos acomodarmos, criarmos "raízes" para garantir a tão sofridamente conquistada posição. Com o passar dos anos, corre-se assim um sério risco de afastamento progressivo e continuado de nossos sonhos e de todas as ações a eles relacionados; é o triunfo final da necessidade sobre a liberdade, quando preferimos a perfeição profissional cotidiana em detrimento às atividades que fundamentam nossos interesses mais específicos.
Esse oposição entre liberdade e necessidade, já presente na vida das pólis gregas da Antigüidade, foi analisada de forma muito competende pela filósofa Hannah Arendt. Para os gregos, a liberdade humana estava condicionada à superação das necessidades; apenas aqueles, por exemplo, que detinham a posse de escravos e, portanto, tinham suas necessidades sanadas pelos últimos, podiam de fato exercer sua liberdade em meio à esfera política de interação. Caso contrário, se tivesse que garantir seu próprio sustento, sanar suas próprias necessidades, o homem, descaracterizado enquanto cidadão, não passava de um "escravo de suas próprias necessidades" - impossibilitado, portanto, de realizar-se plenamente, na e pela interação com seus conterrâneos em meio ao mundo político.
Trazendo tal raciocínio para a contemporaneidade, podemos refletir sobre até que ponto somos capazes de exercer nossa liberdade da forma como compreendida pelos gregos antigos. No meu caso, mesmo o exercício tão agradável e humanizante da publicação de relatos nesse blog, e que não demanda tanto tempo diário, fica limitado por essa terrível necessidade de sobrevivência que domina meu cotidiano. Expressar minhas opiniões exige, assim, uma luta diária contra atividades que requerem atenção mais imediata, pois vinculadas à manutenção de minha própria existência...
Pedro Mancini
2 comentários:
Muito boa essa sua reflexão, disse a verdade nua e crua que todos conhecemos, mas não sabemos expressar!
Muito obrigado!
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