Mudando um pouco da temática política, hoje pretendo discutir brevemente sobre a sociabilidade nas redes sociais - e as formas mais correntes de pensá-la. Tenho peculiar interesse nesse tema, uma vez que estudo as regras de interação próprias de uma realidade virtual, o Second Life.
Movido por esses interesses, assisti, no último sábado, a uma mesa de debate promovida pela Nextel, que contou com a presença de Contardo Caligaris (psicanalista), Xico Sá (escritor e jornalista) e Maria Isabel Botticcelli (executiva do site Metade Ideal). Realizado no auditório do Museu da Imagem e do Som, o debate tinha como título: "Mais do que Tecnologia, é o que Você Faz com Ela - Tecnologia e Relacionamento". Seu objetivo era tecer algumas reflexões sobre os modos como relacionamentos pessoais e amorosos se desenrolam, quando mediados por experiências tecnológicas. Ganharam destaque a sítios de relacionamento e ao uso de "sms", como formas de comunicação e estabelecimento de relações de intimidade.
Sem dúvida, o debate foi interessante, levantando considerações curiosas e importantes sobre os relacionamentos ditos virtuais. Caiu, todavia, em um pecado que vejo como corriqueiro, entre aqueles que ousam discutir a "questão tecnológica": pensando de modo maniqueísta, os debatedores concentravam-se muito mais em fazer uma defesa eufórica e acrítica da virtualidade, do que em subsidiar um debate de fato, pontuando seus prós e contras - ou, ao menos, problematizando um pouco as relações possibilitadas pelas novas tecnologias.
O debate virou, dessa forma, um espaço de divulgação das maravilhas promovidas pela tecnologia, sem grandes questionamentos a respeito de seu caráter ou da forma e conteúdo dos relacionamentos tecnologicamente mediados: cada crítica, usualmente elaborada por alguém da platéia, era imediatamente rechaçada ou compensada com um verdadeiro arsenal elogioso direcionado às interações virtuais.
Caligaris chegou a dizer que era "preferível" findar um relacionamento via torpedo sms do que prosseguir com um relacionamento "zumbi" - sustentado artificialmente, estando "morto" em essência. Ora, longe de mim discordar desse posicionamento, quando pensamos de modo maniqueísta, ou seja, se pensarmos que ou terminamos um relacionamento por mensagem instantânea, ou mantemos um relacionamento "zumbi". Mas, além de o mundo não ser assim, tão preto-no-branco, não basta nivelarmos por baixo para pensarmos a tecnologia: é preciso compreender o conteúdo e a forma de um relacionamento que acaba, simplesmente, com uma curta e fatal mensagem de texto. O que isso significa? O que diz sobre as relações interpessoais na contemporaneidade? No intento de repudiar os críticos desse modo de agir, deixa-se de lado respostas a tais perguntas.
O evento falhou, assim, por assumir um lado radicalizado da discussão, apegando-se a uma defesa ideológica da tecnologia em si mesma. Infelizmente, na maior parte das vezes os posicionamentos sobre o tema dividem-se entre essa espécie de "adepto entusiasmado" e aqueles "críticos apocalípticos". Os debatedores marcaram bem sua posição ao tecer críticas ao lado oposto do espectro - àqueles que "demonizam" a internet, vendo-a, tão somente, como fonte de alienação e de vários outros males sociais. Ao adotar a postura diametricamente oposta, contudo, associam-se a formas rasas e insuficientes de compreensão da tecnologia, que vemos, por exemplo, em sociólogos como Manuel Castells e em filósofos como Pierre Lévy.
É inegável que os autores mencionados pensam sobre as relações virtuais de modo inteiramente distinto - o primeiro nega, veementemente, que as interações com o computador isolem socialmente os indivíduos tecnologicamente inseridos, enquanto o segundo, muito mais entusiasmado em suas interpretações, diagnostica o advento de uma verdadeira (e positiva) revolução na sociedade, a partir de um novo nível de virtualização por ela alcançado. Ambos recaem, contudo, no equívoco do "deslumbramento" com essas novas ferramentas tecnológicas: a vêem de modo absolutamente positivo, menosprezando quaisquer críticas sobre elas. Castells, por exemplo, chega a afirmar que o uso do anonimato, por meio de personagens virtuais, restringe-se a usuários infanto-juvenis, que ainda "estariam estabelecendo suas identidades" para a vida. Ora, pelo que outros estudos - inclusive o meu - apontam, muitos adultos também utilizam-se do anonimato para interagirem socialmente; aliás, diversos sociólogos, desde a década de 1970, já assumiram que nossos identidades (se é que podemos utilizar essa alcunha) estão em contínua formação, adaptando-se aos vários ambientes de interação em que nos envolvemos; assim, os adultos não teriam uma hipotética "identidade pessoal consolidada" de uma vez por todas. O que a negação da importância das relações virtuais anônimas parece esconder, em Castells, é a possibilidade de compreender esse fenômeno de modo mais crítico e aprofundado, sem cair em um otimismo ingênuo.
É claro que as análises catastróficas são igualmente falhas; ao ressaltar apenas os aspectos negativos da virtualidade (seu caráter "alienante", "padronizador", "banal", "narcisista" ou "hiper-real", por exemplo), desprezam a necessidade de interpretar sua própria lógica de funcionamento - e de entender a mente dos próprios adeptos da tecnologia, que não a vêem do mesmo modo. Condena-se, de antemão, os modos de ação da população virtualmente inserida, sem tecer análises sobre suas representações simbólicas e sobre o conteúdo de seus relacionamentos informacionais.
Em suma, vejo que temos um longo caminho a percorrer, quando se trata de analisar a fulminante propagação de relações virtualizadas. E o pior: o desenvolvimento frenético de novas tecnologias e formas de se comunicar, a cada ano, torna ainda mais difícil a missão de desenvolver interpretações atualizadas: o objeto de estudo avança de forma muito mais veloz do que o pobre cientista. Enquanto as análises puramente condenatórias ficam paradas no tempo, utilizando arsenais teóricos arcaicos, as formas mais apaixonadas de vislumbrar as tecnologias detém, em geral, a vantagem de pensar sobre as maiores novidades do ramo, desenvolvendo novas teorias e metodologias; o preço que pagam por essa atualização, contudo, é o abandono de interpretações melhor desenvolvidas sobre o fenômeno. Vislumbrando o horizonte, deixam de olhar com profundidade sobre o próprio entorno. Cabe aos pesquisadores futuros alcançar um ponto de equilíbrio, situado no espaço pouco explorado entre o "apocalíptico" e o "maravilhoso": um ponto de "realismo", menos imbuído de preconceitos (positivos ou negativos) sobre a sociedade dos relacionamentos virtuais.
Pedro Mancini
Caligaris chegou a dizer que era "preferível" findar um relacionamento via torpedo sms do que prosseguir com um relacionamento "zumbi" - sustentado artificialmente, estando "morto" em essência. Ora, longe de mim discordar desse posicionamento, quando pensamos de modo maniqueísta, ou seja, se pensarmos que ou terminamos um relacionamento por mensagem instantânea, ou mantemos um relacionamento "zumbi". Mas, além de o mundo não ser assim, tão preto-no-branco, não basta nivelarmos por baixo para pensarmos a tecnologia: é preciso compreender o conteúdo e a forma de um relacionamento que acaba, simplesmente, com uma curta e fatal mensagem de texto. O que isso significa? O que diz sobre as relações interpessoais na contemporaneidade? No intento de repudiar os críticos desse modo de agir, deixa-se de lado respostas a tais perguntas.
O evento falhou, assim, por assumir um lado radicalizado da discussão, apegando-se a uma defesa ideológica da tecnologia em si mesma. Infelizmente, na maior parte das vezes os posicionamentos sobre o tema dividem-se entre essa espécie de "adepto entusiasmado" e aqueles "críticos apocalípticos". Os debatedores marcaram bem sua posição ao tecer críticas ao lado oposto do espectro - àqueles que "demonizam" a internet, vendo-a, tão somente, como fonte de alienação e de vários outros males sociais. Ao adotar a postura diametricamente oposta, contudo, associam-se a formas rasas e insuficientes de compreensão da tecnologia, que vemos, por exemplo, em sociólogos como Manuel Castells e em filósofos como Pierre Lévy.
É inegável que os autores mencionados pensam sobre as relações virtuais de modo inteiramente distinto - o primeiro nega, veementemente, que as interações com o computador isolem socialmente os indivíduos tecnologicamente inseridos, enquanto o segundo, muito mais entusiasmado em suas interpretações, diagnostica o advento de uma verdadeira (e positiva) revolução na sociedade, a partir de um novo nível de virtualização por ela alcançado. Ambos recaem, contudo, no equívoco do "deslumbramento" com essas novas ferramentas tecnológicas: a vêem de modo absolutamente positivo, menosprezando quaisquer críticas sobre elas. Castells, por exemplo, chega a afirmar que o uso do anonimato, por meio de personagens virtuais, restringe-se a usuários infanto-juvenis, que ainda "estariam estabelecendo suas identidades" para a vida. Ora, pelo que outros estudos - inclusive o meu - apontam, muitos adultos também utilizam-se do anonimato para interagirem socialmente; aliás, diversos sociólogos, desde a década de 1970, já assumiram que nossos identidades (se é que podemos utilizar essa alcunha) estão em contínua formação, adaptando-se aos vários ambientes de interação em que nos envolvemos; assim, os adultos não teriam uma hipotética "identidade pessoal consolidada" de uma vez por todas. O que a negação da importância das relações virtuais anônimas parece esconder, em Castells, é a possibilidade de compreender esse fenômeno de modo mais crítico e aprofundado, sem cair em um otimismo ingênuo.
É claro que as análises catastróficas são igualmente falhas; ao ressaltar apenas os aspectos negativos da virtualidade (seu caráter "alienante", "padronizador", "banal", "narcisista" ou "hiper-real", por exemplo), desprezam a necessidade de interpretar sua própria lógica de funcionamento - e de entender a mente dos próprios adeptos da tecnologia, que não a vêem do mesmo modo. Condena-se, de antemão, os modos de ação da população virtualmente inserida, sem tecer análises sobre suas representações simbólicas e sobre o conteúdo de seus relacionamentos informacionais.
Em suma, vejo que temos um longo caminho a percorrer, quando se trata de analisar a fulminante propagação de relações virtualizadas. E o pior: o desenvolvimento frenético de novas tecnologias e formas de se comunicar, a cada ano, torna ainda mais difícil a missão de desenvolver interpretações atualizadas: o objeto de estudo avança de forma muito mais veloz do que o pobre cientista. Enquanto as análises puramente condenatórias ficam paradas no tempo, utilizando arsenais teóricos arcaicos, as formas mais apaixonadas de vislumbrar as tecnologias detém, em geral, a vantagem de pensar sobre as maiores novidades do ramo, desenvolvendo novas teorias e metodologias; o preço que pagam por essa atualização, contudo, é o abandono de interpretações melhor desenvolvidas sobre o fenômeno. Vislumbrando o horizonte, deixam de olhar com profundidade sobre o próprio entorno. Cabe aos pesquisadores futuros alcançar um ponto de equilíbrio, situado no espaço pouco explorado entre o "apocalíptico" e o "maravilhoso": um ponto de "realismo", menos imbuído de preconceitos (positivos ou negativos) sobre a sociedade dos relacionamentos virtuais.
Pedro Mancini
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