quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

O "pior dia do ano": lamentos pouco justificados

Hoje, utilizarei o espaço desse blog de uma forma um tanto distinta da habitual: descreverei o dia que considero, sem muitas dúvidas, o pior do ano para mim. A partir daí, pode ser até que desenvolva algumas reflexões mais amplas, sobre a vida na metrópole (explícitas ou implícitas); mas o principal objetivo é mesmo, admito, o puro desabafo.

O dia já começou mal, antes mesmo do sol raiar: tomado pelo calor, tive grandes dificuldades para dormir. E tinha que acordar cedo, para me deslocar até o centro e solicitar, em um prédio do SUS, um remédio de alto custo. Para mim, o local era desconhecido e quase inacessível: perto do Largo do Glicério. Pois bem, fui até a Praça da Sé e, de lá, andei uns 20min até o local; lá chegando, peguei uns 40min de fila para solicitar cadastro de solicitação de remédios, apenas para descobrir que tinha um documento faltando. Bem, pensei, ao menos já me informei de todos os detalhes burocráticos sobre o procedimento. Da próxima vez, não haverá falhas. Mas é claro que o dia estava apenas começando: percebi o quanto ele seria longo quando me vi um tanto perdido entre os viadutos do Largo do Glicério, procurando algum metrô nas proximidades. Senso de localização nunca foi meu forte, afinal.

 Atravessando um desses viadutos, então,o fato mais marcante do dia me atingiu: um sujeito, vindo em sentido contrário, tira algo como uma comprida chave de fenda de um saco preto, e ameaça "me furar todinho" caso eu não lhe entregue todo o dinheiro de minha carteira. Estava bem no meio do viaduto, isolado da "terra firme", com pouco espaço para realizar qualquer manobra evasiva. Notável é que estava, também, sem dinheiro (com apenas R$2,00 na carteira), e tive provar essa "pobreza" ao assaltante. A seguir, mandou-me entregar o que tinha nos bolsos: mais uma vez, disse que nada possuía. Enfim, mandou-me entregar o meu aparelho de celular.

Nesse momento, admito que tentei, no calor do momento, pensar em alternativas que escapassem das ações  mais óbvias que se esperariam dessa interação social entre "assaltante" e "vítima": mediante ameaça, o assaltado entrega o objeto requerido pelo assaltante, que, consumado o roubo, cessa a interação e deixa o local com velocidade. Ao invés, tentei me esquivar do rapaz... mas tive uma sorte, travestida, inicialmente, de azar: o assaltante reagiu aos meus pensamentos e avançou com a arma branca que portava. Segurei a mesma, mas, agindo racionalmente, verifiquei que corria muitos riscos com a reação que esboçava. Eu tinha chances de conseguir escapar do assalto, de fato; mas, caso ele tivesse a chance de me ferir, estaria no meio de um elevado, com uma mureta me separando dos veículos que passavam na pista, e não poderia contar com nenhuma ajuda por um tempo considerável. Não valia a pena todo esse risco por um simples celular (que nem era dos melhores ou mais atuais), mas a idéia estúpida de reação realmente passou pela minha cabeça na exata hora do assalto. Burrice minha, mesmo - e sorte por não ter sido furado, afinal.

A história poderia ter acabado assim: perdi o celular, mas minha vida foi poupada, assim como minha carteira e minha mochila. Rapidamente liguei para pessoas próximas, solicitando que bloqueassem meu celular. A única preocupação que teria seria a de comprar outro aparelho - me conformei rapidamente com o fato de que nunca iria recuperar o meu antigo. Mas outro fato - infelizmente, como ficará claro - realimentou provisoriamente minhas esperanças. No momento em que eu adentrava o Metrô Term. Pedro II, um motoboy buzinou, chamando minha atenção. Disse que havia testemunhado a ação, e embora não pôde fazer nada no exato momento, seguiu o assaltante em fuga, e, avistando um carro da polícia, o acionou. Os policiais chegaram a abordar o sujeito, o revistaram, mas o mesmo estava limpo: já havia se livrado dos objetos que o  incriminariam, o celular e o objeto pontiagudo. Mesmo assim, achei que se eu mesmo falasse com a polícia, teria chances de recuperar meu aparelho. No que estava pensando?

Chamei, então, os agentes policiais. Após 40min de espera, liguei novamente e descobri que a viatura não me localizou; passaram do outro lado do Terminal. Aguardei mais uns 45min para eles me encontrarem de fato. Nesse ponto, já havia novamente perdido qualquer esperança de reverter a situação; e a polícia também estava cansada de me procurar. A única coisa que fez, então, foi me levar até a delegacia mais próxima, a primeira de São Paulo (1ºDP), perto do Paraíso. Lá, mais um martírio: um flagrante atrapalhou o atendimento, e esperei mais de três horas para conseguir fazer o B.O. E, ansioso com toda a situação, ainda consegui grampear meu próprio dedo enquanto ditava as informações ao policial (tenho mania de mexer em tudo que se encontra ao redor quando estou nervoso). Um temperinho final para meu dia de aventuras.

Por fim, como não poderia faltar, mais de 2h de trânsito. Ao todo, mais de 5h para resolver um simples caso de roubo de celular... sem direito a refeições durante todo o período. Após esse alvoroço, bem descansado, alimentado e banhado, penso que não sou um grande desafortunado. No final, não passo de mais um jovem "pequeno-burguês" me achando o maior dos azarados apenas por um dia ruim, em comparação com minha rotina ordinária; mas quantos não passam por uma situação igual, similar ou mesmo bem pior, muitas e muitas vezes ao ano, quiçá na maioria dos dias? Em uma análise fria, fui mesmo muito sortudo, comparativamente falando: poderia ter perdido todos os documentos e despender muitas horas a mais cancelando cartões e solicitando segundas vias; poderia ter sido morto ou ferido; poderia morar a três ou mais horas de ônibus do local; ou poderia, até mesmo, ser um sujeito tão excluído que seria capaz de assaltar um transeunte apenas para conquistar mais alguns minutos de felicidade hiper-real, pelo consumo de alguma droga pesada - correndo todos os riscos de ser apanhado e destruído pelo sistema durante a tentativa. E eis que, de repente, minha desgraça pareceu minúscula e patética.

 Pedro Mancini


2 comentários:

Luiz "o Mediano" disse...

É meu caro, eu sempre digo que desgraça pouca é sorte, realmente foi um diazinho de cão. Sua análize final foi muito boa! Nesse período de chuvas, acrescento as pessoas que perdem tudo em enchentes. Mas como um cara que já teve a moto roubada, te digo o seguinte, antes de calcular a reação ao criminoso, calcule o que vc ainda tem a conquistar e veja se vale a pena. Ou vc faz mestrado e namora por não ter nada melhor pra fazer?

Unknown disse...

Boa dica, mas não sei se consigo pensar em muita coisa, na hora do roubo, além da própria dinâmica da interação face-a-face nele envolvida... e é esse o problema. Mas para mim essa é uma página virada: trata-se de uma desgraça microscópica, quando comparada à tantas outras que acometem aqueles que vivem nas grandes metrópoles.