segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

O estresse contemporâneo e o declínio da tolerência ao sossego

Incrível como o ritmo frenético da sociedade contemporânea é capaz de disciplinar nossos corpos e mentes. Tive uma demonstração clara disso em minha pequena viagem de férias (algo que não fazia há tempos). 

Há anos sentia falta de uma viagem com a família, em um ambiente tranqüilo, para esquecer um pouco as agitações da vida cotidiana.  Mas não achava que seria tão difícil me adaptar a uma rotina diferente, depois de tanto tempo em um ambiente que tolhe profundamente minha produtividade com suas múltiplas demandas: durante dois ou três dias, depois que cheguei ao meu destino, meu próprio corpo mostrou dificuldades me se adaptar, estranhando os novos ares de tranqüilidade. No primeiro dia, problemas gástricos me afligiram; no segundo, acordei com a boca inexplicavelmente inchada. E ainda tive uma forte dor de cabeça entre o segundo e o terceiro dia de viagem.

Não pude deixar de pensar que meu corpo simplesmente rejeitava o novo ambiente, adaptando-se com grande lentidão às novas circunstâncias. Como ele poderia entender que, de uma hora para outra, havia abandonado um clima nocivo e com inúmeras distrações, e ingressado em uma área mais pacífica e amena, onde eu poderia encarar minha própria alma sem ser ter a visão obscurecida por toda espécie de obstáculos?

É claro que, eventualmente, acabei por me adaptar de forma plena. No quarto dia, minhas férias atingiram o seu ápice: minha noite de sono foi perfeita, acordei disposto como há tempos não ficava, e aproveitei o dia ao máximo: tomei sol, passeei, e até interagi com meus pequenos primos de segundo grau, com quem passei horas jogando baralho e jogos de tabuleiro. No fim, meu corpo aceitou todos os prazeres que aquelas férias lhe podiam proporcionar.

Mas o ritmo frenético da sociedade contemporânea não nos penetra de forma superficial; encrava-se nas entranhas de nossa alma. Assim, em pouco tempo já comecei a sentir a angústia típica de um afastamento desse mundo moderno, uma verdadeira crise de abstinência: preocupação com o tempo de produção perdido na praia, com as finanças, com questões profissionais menores, etc. Começara o declínio das férias: excesso de chuva, sobrecarga de jogos de tabuleiro, e sintomas  de estresse pela falta de estresse. Era hora de voltar à realidade.

E, realmente, parece que o ambiente conspirava a favor de todo esse meu desenvolvimento mental: agraciou-me com um excelente clima nos primeiros dias, atingindo seu ápice no momento em que meus sintomas de adequação à tranqüilidade se apaziguavam; decepcionou-me com suas variações climáticas quando fui acometido por ansiedades; e voltou a me animar com muito sol no dia de meu retorno à cidade grande. Voltei, enfim, com a impressão que descansei quase na exata medida que precisava e poderia - tendo, talvez, extrapolado um pouco a medida.

Mas meu corpo, eterno insatisfeito, iria novamente passar por um período de re-adequação. Sentindo o impacto de ser removido de um ambiente com o qual tinha acabado de se acostumar, para regressar a um local com um ritmo totalmente distinto, voltei a sentir alguns pequenos distúrbios - em especial, um princípio de gripe. No dia seguinte, é claro, já havia melhorado - o que apenas reforça a tese da adaptação.

Para resumir bem a questão, o estresse, em uma sociedade que nos conecta a inúmeras demandas concomitantes a todo tempo, envolve-nos de forma tal que coloniza até o que chamaríamos, outrora, de nosso "horário livre". Não existe mais como escapar: até mesmo em nosso descanso, somos impelidos a produzir - e a pressão materializa-se, nos poucos momentos em que somos bem-sucedidos nessa fuga da realidade, na forma de uma auto-pressão que pode se tornar insuportável. Eventualmente, após um choque de adaptação, nosso corpo pode até tolerar uns momentos de paz, é verdade; mas nossa tolerância ao sossego pode ter sido irreversivelmente reduzida ao mínimo.

Pedro Mancini

2 comentários:

Anônimo disse...

Já aconteceu comigo, aos 14 anos mais ou menos, estar de férias no clube em Itatiba e depois de 27 dias começar a ter febre e mal estar, tais sintomas foram inexplicavelmente sanados ao entral em São Paulo pela Marginal Tietê e sentir o doce cheiro do rio. São Paulo vicia, não é atoa que gente andando rápido na praia só pode ser paulistano.

Unknown disse...

Também tive essa clara percepção em Ubatuba... e percebi que o ritmo do meu passo foi reduzindo progressivamente com o passar de meus dias de férias. Aos poucos, vi que os paulistanos - com seus passos rápidos - eram os outros.

Óbvio que já voltei a andar no mesmo ritmo, poucos dias depois de chegar de viagem...