Durante as últimas eleições, o papel da Rede Record de Televisão foi, em certo sentido, visionário. Destoando do monólogo usualmente estabelecido pelos principais meios de comunicação no Brasil (vulgarmente chamados de "PIG", uma sigla bem-humorada para "Partido da Imprensa Golpista"), com seu apoio integral às forças políticas liberais (na época, representadas mais diretamente pelo candidato José Serra), a emissora protagonizou uma cobertura mais favorável à candidatura Dilma Rousseff. Caiu, dessa forma, nos braços de boa parte da esquerda pró-PT.
Ao ignorar o fato de o alinhamento político-ideológico da emissora ser meramente circunstancial - e pautado por interesses próprios, que podem se alterar em outros contextos -, muitos passaram a proteger a rede do milionário Edir Macedo, evitando tecer críticas relevantes a posturas condenáveis.Extasiados com a atuação de jornalistas histriônicos como Paulo Henrique Amorim, com sua (justíssima, de modo geral) cruzada contra a hipocrisia de tucanos e "democratas", e com reportagens pautadas em denúncias contra o "poderoso chefão" do futebol, Ricardo Teixeira, e contra a Revista Veja (saco de pancadas de todos os que tenham um mínimo de bom senso), muitos dos que adotam uma postura de oposição a emissoras como a Rede Globo isentam a Record do mesmo linchamento moral. Parece que os apontamentos feitos pelo aclamado documentário "Muito Além do Cidadão Kane", desenvolvido pela BBC de Londres, tornam a Globo a única "vilã" significativa entre as redes de comunicação brasileiras - e qualquer concorrente comercial torna-se automaticamente "heróina" da batalha contra o Golias da mídia nacional.
Ao ignorar o fato de o alinhamento político-ideológico da emissora ser meramente circunstancial - e pautado por interesses próprios, que podem se alterar em outros contextos -, muitos passaram a proteger a rede do milionário Edir Macedo, evitando tecer críticas relevantes a posturas condenáveis.Extasiados com a atuação de jornalistas histriônicos como Paulo Henrique Amorim, com sua (justíssima, de modo geral) cruzada contra a hipocrisia de tucanos e "democratas", e com reportagens pautadas em denúncias contra o "poderoso chefão" do futebol, Ricardo Teixeira, e contra a Revista Veja (saco de pancadas de todos os que tenham um mínimo de bom senso), muitos dos que adotam uma postura de oposição a emissoras como a Rede Globo isentam a Record do mesmo linchamento moral. Parece que os apontamentos feitos pelo aclamado documentário "Muito Além do Cidadão Kane", desenvolvido pela BBC de Londres, tornam a Globo a única "vilã" significativa entre as redes de comunicação brasileiras - e qualquer concorrente comercial torna-se automaticamente "heróina" da batalha contra o Golias da mídia nacional.
De fato, os constantes conflitos entre a toda-poderosa Rede Globo e a TV Record são notórios. Em 2009, por exemplo, a rivalidade entre as emissoras transpareceu na cobertura jornalística de ambas, que recorreram a mútuas campanhas de difamação. Os ânimos atuais estão menos inflados; ainda assim, as redes continuam a a competir pela audiência, mesmo que a liderança da Globo ainda seja inquestionável (na ampla maioria dos horários).
Apesar de sua postura de contraposição à corporação da família Marinho, acompanho a avaliação de alguns jornalistas, menos entusiasmados com os atuais alinhamentos políticos da Record, de que sua cobertura jornalística é, em muitos aspectos, AINDA pior e mais manipuladora do que a de outras redes, incluindo a Globo. Os críticos da emissora do velho bispo Macedo já perceberam sua disposição pela imitação descarada do formato da emissora da família Marinho; mesmo os nomes dos programas são extremamente similares. O "Domingo Espetacular" é uma imitação descarada do velho "fantástico"; o "Repórter Record" copia o "Globo Repórter", e o "Hoje em Dia" inspira-se no "Bom Dia Brasil", entre outros nítidos exemplos.
Mas esse não é o maior dos problemas. Nem mesmo critico (ao menos nessa postagem) o fato de a emissora Record ser gerenciada por um magnata religioso. O assunto do dia é o próprio "método" de comunicação com o telespectador. A despeito de suas eventuais atuações políticas de conteúdo, em geral o dia do jornalismo da Record parece um Cidade Alerta sem fim. A todo momento, o telespectador é bombardeado por notícias policiescas cotidianas - desde o jornal matinal até os que preenchem o horário do fim de noite. Mesmo em programas matinais que misturam bate-papos descontraídos com proto-celebridades, receitas de bolos e dicas de estética, costumam-se vincular notícias sobre atropelamentos e até brigas de vizinhos como se fossem casos de repercussão internacional!
Na emissora, parece que a vida cotidiana torna-se, mais do que nunca, um grande espetáculo, de caráter nefasto na maioria dos casos, quando assassinatos e situações mais escabrosas são explorados à exaustão. É claro que notícias mais relevantes ao conjunto da sociedade, como as de caráter político e econômico, são as primeiras a perder tempo e espaço com a ênfase exagerada no micro cotidiano. Afinal, como o modismo dos "realities policiais" (em que as ações das forças de segurança estaduais são registradas e exibidas aos telespectadores) aponta, é muito mais interessante e "rentável" para a televisão destacar a vida como um exitante e dramático filme de ação, suspense e terror, narrado por preocupados e indignados apresentadores de telejornais. Há aqui algo ainda mais digno de nota na abordagem jornalística da Record: reparem que, no momento em que as notícias são transmitidas, os apresentadores fazem-nos o "favor" de serem "representantes" de nossos sentimentos, indignações e agonias. Ao fim de cada narrativa de uma mãe que afogou o filho ou de um rapaz que assassinou a namorada e estourou os miolos em seguida, as graciosas apresentadoras do Jornal da Record balançam suas cabecinhas em um sinal de reprovação, seguindo uma frase do tipo "que horror, né gente?" (apenas para que sua colega abra um sorrisão, anunciando a entrada da Rodada do Brasileirão na pauta do Jornal). Ao telespectador, não resta sequer tecer suas próprias emoções, após uma interpretação mínima da situação apresentada, sendo-lhe já fornecida a forma mais "apropriada" de manifestação emocional.
A equipe do Jornal Nacional, da Rede Globo, já foi criticada por tachar o telespectador médio brasileiro de "Homer Simpson", em referência ao ignorante e facilmente manipulável personagem criado por Matt Groening. Mas o que pensa de seu público uma emissora que, além de mastigar a notícia de modo a torná-la mais "digerível" por esse suposto "telespectador médio", manipulando e mascarando a realidade em suas transmissões, ainda enxerga-o como incapaz de até mesmo manifestar suas próprias emoções de modo minimamente autônomo?
Pedro Mancini
Na emissora, parece que a vida cotidiana torna-se, mais do que nunca, um grande espetáculo, de caráter nefasto na maioria dos casos, quando assassinatos e situações mais escabrosas são explorados à exaustão. É claro que notícias mais relevantes ao conjunto da sociedade, como as de caráter político e econômico, são as primeiras a perder tempo e espaço com a ênfase exagerada no micro cotidiano. Afinal, como o modismo dos "realities policiais" (em que as ações das forças de segurança estaduais são registradas e exibidas aos telespectadores) aponta, é muito mais interessante e "rentável" para a televisão destacar a vida como um exitante e dramático filme de ação, suspense e terror, narrado por preocupados e indignados apresentadores de telejornais. Há aqui algo ainda mais digno de nota na abordagem jornalística da Record: reparem que, no momento em que as notícias são transmitidas, os apresentadores fazem-nos o "favor" de serem "representantes" de nossos sentimentos, indignações e agonias. Ao fim de cada narrativa de uma mãe que afogou o filho ou de um rapaz que assassinou a namorada e estourou os miolos em seguida, as graciosas apresentadoras do Jornal da Record balançam suas cabecinhas em um sinal de reprovação, seguindo uma frase do tipo "que horror, né gente?" (apenas para que sua colega abra um sorrisão, anunciando a entrada da Rodada do Brasileirão na pauta do Jornal). Ao telespectador, não resta sequer tecer suas próprias emoções, após uma interpretação mínima da situação apresentada, sendo-lhe já fornecida a forma mais "apropriada" de manifestação emocional.
A equipe do Jornal Nacional, da Rede Globo, já foi criticada por tachar o telespectador médio brasileiro de "Homer Simpson", em referência ao ignorante e facilmente manipulável personagem criado por Matt Groening. Mas o que pensa de seu público uma emissora que, além de mastigar a notícia de modo a torná-la mais "digerível" por esse suposto "telespectador médio", manipulando e mascarando a realidade em suas transmissões, ainda enxerga-o como incapaz de até mesmo manifestar suas próprias emoções de modo minimamente autônomo?
Pedro Mancini
4 comentários:
Excelente! Brilhante fechamento! Perspicácia total! Os mais pessimistas dos teóricos da escola de Frankfurt já nos alertavam para essas amarras intelectuais e emocionais tanto na esfera do trabalho quanto nos meios diversos de comunicação e cultura...mas acho que você, pela crítica às referidas emissoras de tv a respeito do que pensam de seu telespectador, não faz o tipo pessimista a respeito da autonomia dos indivíduos. Correto? Gostaria de saber mais da sua opinião, visto que este semestre estou vendo em meu curso alguns teóricos da escola de Frankfurt, mais especificamente sobre indústria cultural. Aonde está o indivíduo nisto tudo?
Obrigada.
Olá,
Em primeiro lugar, fico feliz que tenha gostado de minha postagem!
Admito que, embora simpatize muito com a Escola de Frankfurt, não sou um grande especialista dessa corrente teórica. Mas concordo plenamente com o que você pontuou: para os mais pessimistas da escola, que refletiram na era dos totalitarismos, o papel do indivíduo parece limitado a uma passividade absoluta.
Infelizmente, emissoras como a Globo e Record (e todas as outras redes comerciais secundários do Brasil) são um entrave na busca da autonomia pessoal, ao ousarem pensar e sentir por seus próprios telespectadores - que seriam então reduzidos à conformidade social.
Apesar de concordar que o formato dessa mídia permite uma ampla manipulação das massas, acredito que muito perdemos ao desprezar a possibilidade de reflexão autônoma sobre os acontecimentos e debates públicos. Ainda creio que alguma autonomia individual seja não apenas possível na sociedade presente, como deve ser uma meta indispensável para a superação dos maiores desafios sociais que enfrentamos na atualidade.
Um abraço,
Pedro Mancini
Fala meu rapaz, ótimas considerações como sempre! Eu chamo a Record de um espremedor de suco, pois ela explora um dado tema a exaustão e muito mais que outras emissoras, inflama os fatos para serem mais dramáticos. Como exemplo recente, na explosão que aconteceu no restaurante do Rio essa semana, houve a menção no Bom Dia Brasil da Globo a cobertura de imagens e a indagação dos apresentadores aos repórteres se já haviam suspeitas sobre as causas do acidente, mas supos-se, por características óbvias que se tratava de uma explosão por vazamento de gás, o programa acabou e segui-se a programação. Como estava em casa de parente, o pessoal mudou para a Record, não demorou nem 2 minutos para escutar o dito repórter dizer: Ainda não se sabe se foi a explosão de um botijão de gás ou um ataque do crime organizado, visto que a menos de 50 metros há um batalhão da PM... A cena é de um ataque terrorista!
O sensacionalismo rola solto na Record, diferente de outras emissoras, não existe nenhum tipo de consideração dos fatos antes da divulgação da notícia. Acho que até o Datena não suportou esse método de trabalho da Record.
Errata: o nome do criador dos Simpsons é Matt Groening.
Valeu pelos comentários, Luiz! Acho que muitas outras emissoras possuem um apelo sensacionalista (a absoluta maioria), mas a TV Record parece extrapolar os limites do bom senso com mais frequência nos últimos tempos. Acho que você está absolutamente certo a respeito do "efeito espremedor de suco"...
E valeu, também, pela correção... erro de digitação devidamente sanado.
Abraços
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