quinta-feira, 3 de janeiro de 2008

A política global de "Amor, Estranho Amor"





Segue, abaixo, a coluna de hoje de Sérgio Ripardo, editor de Folha Ilustrada da Folha Online, sobre a oitava versão do reality-show "BBB":



"A Globo evitou riscos na escalação dos 14 participantes da oitava edição do 'Big Brother Brasil', que começa na próxima terça-feira. Com base na divulgação das imagens e dos dados sobre os escolhidos, será, mais uma vez, um programa voltado para o erotismo barato.


Para vender a assinatura do programa na TV fechada, a Net escancara o espírito do reality show: o telespectador terá compactos de cenas de banho, barracos e os melhores closes nos corpos de sarados e gostosas.


Não é de se espantar a repetição do formato. A história da Globo mostra que, em momentos de crise no ibope, a baixaria é a fórmula mais adotada pelo canal para reagir, estimulando aquilo que os comunicólogos chamam de 'cultura do grotesco'.


Em 2007, a Globo perdeu espaço para a Record, que também não é santa e vive injetando doses de erotismo em sua programação --cenas de sexo e violência enchem, por exemplo, as novelas do canal dos bispos.


A seleção do 'BBB 8' descartou os elementos que possam, na visão da Globo, atrapalhar o cenário para o onanismo eletrônico. Nada de gente feia, gorda nem pobre à beira da piscina, lembrando que o Brasil é uma terra de mestiços, assalariados e gente fora dos padrões de estética ditados pela publicidade.


Talvez, o 'gênio' e diretor do programa Boninho --aquele que se deixa flagrar em vídeo confessando o esporte de jogar ovos em prostitutas-- merecesse uma resposta contundente do telespectador esclarecido. Desligue a TV."


Tais eventos servem, sempre, para mostrar a verdadeira face da Rede Globo, constantemente camuflada pela imagem com a qual procura se associar. Ao contrário da emissora de Sílvio Santos, que nunca escondeu seu caráter "brega", exibindo o velho seriado mexicano "Chávez" por anos a fio e novelas melancólicas vindas do mesmo país com nomes esdrúxulos como "Alegrifes e Rabujos", "Rubi" e "Poucas, poucas pulgas", a emissora do falecido barão Roberto Marinho sempre cultivou uma dissociação entre sua imagem e sua atuação prática. Essa dissociação alcançou patamares ainda mais elevados, talvez, nos dias de hoje - e alguns nomes importantes da emissora me ajudam nessa constatação: A apresentadora Xuxa, a dita "Rainha dos Baixinhos", que hoje posa de moralista "zen" em seu programa matinal, já fez um filme "caliente" com um garoto de 12 anos (que hoje daria um bom processo de pedofilia contra qualquer outro que se arriscasse a fazer o mesmo); e, nos programas matinais de ontem, abria as pernas em rede nacional, para a alegria dos pais dos baixinhos, em meio a sessões diárias de ginástica, ao lado das oxigenadas paquitas - que tocavam o barco da artificalidade da televisão brasileira, ao promoverem o comum estereótipo da "loira de olhos azuis" em um país de mestiços. Como em tantas outras ocasiões, a emissora, por meio de sua velha contratada Xuxa, apagou - ou pelo menos tentou, e teria conseguido, caso não existisse a internet - o passado, tirando o filme proibido de circulação ("Amor, Estranho Amor", que criou o nome da atual postagem).



Jô Soares, outro símbolo global, detém a imagem de intelectual, sendo, no entando, responsável por algumas pérolas muito bem camufladas por seu pedantismo e seu cenário "cool", copiado de um programa americano do gênero; só para citar dois exemplos banais, disse que a capital ucraniana Kíev fica na Rússia e que Antônio e Flávio foram nomes de dois imperadores romanos. Ora, se o simpático gordinho da Globo disse, está dito, não?



Com relação à saúde e aos indissociáveis cuidados com a sexualidade, a emissora não age de forma distinta: do mesmo modo que divulga, através da figura respeitável de Dráuzio Varella, formas de cuidado com a saúde, prega a irresponsabilidade da sexualidade descompromissada em suas novelas (como, é claro, faz sua concorrente direta, a rede do Bispo Edir Macedo) e em seus reality-shows como o BBB. O que reina, afinal, antes de qualquer preocupação com o bem-estar da população, são os interesses econômicos desse grande símbolo do capitalismo contemporâneo - a busca incessante pela audiência e pelo lucro correspondente.



Quanto à sua participação política, a característica ambígua da Globo se manifesta de um modo peculiar: procura estar do lado do governo vigente, mas sem perder de todo sua linha-mestra de raciocínio político-econômico. Sempre voltada aos interesses macro-econômicos dos Estados Unidos e de seu liberalismo, seria ingenuidade achar que defenderia um modelo de sociedade interamente voltado aos interesses nacionais, principalmente quando estes contrariam os interesses dos grandes conglomerados econômicos - do qual ela própria é participante. No final, portanto, a emissora é fiel apenas a si própria, sendo capaz de efetivar as mais condenáveis alianças para manter sua importância cultural. Assim, embora tenha se formado e nutrido em meio ao regime militar, cuidando, inclusive, de sua manutenção ao esconder o caráter autoritário de tal regime (como quando divulgou que o comício organizado em São Paulo pela democratização do país era nada mais do que uma "festa popular"), a emissora não tardou a disparar críticas ferrenhas aos governos militares após a redemocratização do país - por meio, por exemplo, de uma reportagem do "Globo Repórter" que condenou a tentativa terrorista alavancada pelos militares no episódio Rio-Centro (que pretendia culpabilizar os militantes comunistas e reimplantar os momentos mais negros da ditadura militarista brasileira). Para melhores informações, os leitores poderiam assistir o documentário inglês feito sobre o assunto, intitulado "Beyond Citizen Kane" - o que seria muito mais fácil caso a emissora de Xuxa não tivesse, mais uma vez, procurado apagar o passado ao proibir a circulação oficial de tal filme.



Essa á a Rede Globo. Posando de inovadora e intelectual, é monocromática e retrógada; parecendo moralista, age despreocupada com a "moral" vigente, ao exibir, com frequência, verdadeiros shows de erotismo em pleno horário nobre(vide as novelas das 6, 7 e 8); dizendo-se voltada para o Brasil, inclina-se à realidade exterior dos Estados Unidos e da Europa (ao pior de cada um, em verdade), copiando descaradamente seus programas e suas perspectivas sociais e políticas sem demonstrar qualquer potencial crítico verdadeiramente autônomo.



A despeito desse verdadeiro show de hipocrisia, a Globo detém forte audiência, embora declinante. O fato é que, queiramos ou não, nós adoramos a hipocrisia. Somos, cada um de nós, minimamente responsáveis pela sobrevivência de aparatos hipócritas como esse - que, jogando a sujeira por debaixo do tapete, fazem a casa brasileira parecer limpa e "chique" como na casa de um herói da novela das 8.





Pedro Mancini

2 comentários:

Unknown disse...

Eu vi este filme da Xuxa.No Jaime.Vc estava tbm?

Unknown disse...

Sim! Muuuito tosco...