Minha última postagem rendeu algumas críticas ferozes sobre meu posicionamento a respeito dos conflitos no Rio. Claro que críticas são sempre esperadas quando escrevemos sobre assuntos tão polêmicos, e, em especial, quando almejamos nos esquivar de interpretações mais casuais. Mas elas não costumam surgir de forma tão direta - o que dificulta o debate, impossibilitando o desenrolar de melhores explicações, justificativas e até contra-ataques argumentativos. Ou seja: comentem, por favor! Nada alimenta mais um blogueiro do que a participação dos seus leitores (de preferência, uma participação que não se limite à avaliação das postagens publicadas).
Nas próximas linhas, dedicarei-me a esclarecer alguns pontos sobre o raciocínio aplicado na última postagem. Além disso, tecerei uma crítica sobre a postura que vejo presente em parte das análises sobre situações ocorridas no contexto brasileiro atual.
Para começar, os esclarecimentos. Ao focar-me na incompetência do Estado em gerir a situação carioca, não me referi à ineficácia do governo atual; apontei que se tratava de um problema de natureza muito mais profunda, que escapa à resolução de uma simples gestão temporal. Na verdade, é óbvio que a situação exigia uma ação forte do Estado (para além de seus aparatos policiais) e que o Governo, tanto estadual quanto federal, agiu, a princípio, do modo que lhe cabia. Tomou decisões, na verdade, que mostraram uma coragem e vontade política que esteve ausente em governos passados, baseadas em critérios razoáveis: compensando a história ausência de aparatos estatais na periferia, criou um programa de polícia comunitária -as UPPs - que poderia intermediar a entrada de escolas, saneamento básico e vários outros serviços nas regiões mais afetadas pela desigualdade e, conseqüentemente, pela violência urbana. É claro que, por trás das intervenções policiais mais clássicas, encabeçadas pelo BOPE, estava sub-entendida uma concepção de criminalização da pobreza, uma simplificação de que os moradores da favela devem ser tratados como bandidos, concretamente ou potencialmente; mas esse é um problema histórico de representação social em vigência no Brasil, e não se pode esperar que um simples governo temporal cause grandes mudanças nesse pensamento.
Infelizmente, contudo, continuo sendo pessimista no que tange à possibilidade de o Estado resolver definitivamente a questão da segurança pública da capital fluminense com o tipo de ação visto nas últimas semanas. O "oba-oba" exibido pela mídia, que obscurece a possibilidade de plena apreensão da questão, mascara a necessidade de iniciativas mais profundas, que ataquem diretamente a questão da desigualdade e da exclusão sociais, eliminando a criminalidade pela raiz. O problema é muito mais sério do que os jornais fazem parecer, e, antes de uma comemoração antecipada, é necessário um aprofundamento das ações de penetração do Estado em comunidades periféricas. E temo que isso não ocorra pela perpetuação da imagem de "plena vitória", aplacada por vários setores pela grande mídia, como se o Rio já estivesse totalmente livre de seus males graças à atuação "heróica" do BOPE, em ações de intervenção que suportam a atuação das UPPs.
Continuo achando, ainda, que existem interesses que validam essa representação (da vitória incontestável das forças de segurança sobre a criminalidade). Temo que nisso, porém, tenha sido mal interpretado: não vislumbro uma "conspiração" na apreensão clássica do termo, com um grupo social específico exercendo secretamente seu poder sobre todo o resto da sociedade. Acredito, na verdade, que estamos imersos em uma enorme teia de interesses múltiplos, que, por vezes, convergem pelos mesmos objetivos táticos. Nesse caso, vemos algumas forças políticas com interesses articulados por vender uma representação de resolução absoluta sobre uma séria questão de segurança pública.
Talvez, portanto, tenha deixado as palavras pesarem além da conta, chamando as ações no Rio de "grande farsa"; de fato, elas ocorreram, e provavelmente colaboraram para que a situação carioca melhore a curto, médio e longo prazos. Mas esses atos policiais foram, sem dúvida, super explorados - e até mesmo superestimados - pela mídia e pela sociedade. Possivelmente motivados pela ânsia de mostrar que "a vida imita a arte", trazendo os efeitos desenvolvidos em Tropa de Elite 1 e 2 para uma dada exibição sobre a realidade cotidiana, o dia-a-dia de policiais e moradores do Complexo do Alemão foram exibidos à exaustão, antes, durante e após a "invasão final e definitiva". Misturavam-se cenas da "Tropa de Elite real" com um gigantesco Big Brother, com a vigilância contínua do dia-a-dia dos cidadãos do Complexo em meio aos conflitos armados. E, sinceramente, não acredito que toda a comoção desencadeada seja neutra de significado: atende a demandas e interesses de certos setores sociais (pelo jeito, muitos, e muito relevantes). O maior problema, como já afirmei, é que o excesso de atenção à "imagem" do que ocorreu no Rio de Janeiro pode bloquear uma visão real dos fatos, que vislumbre as condições reais da proliferação da violência na periferia urbana.
Agora, um outro ponto: parece-me que um simples comportamento mais "pessimista" desperta uma série de associações político-ideológicas que nem sempre são verdadeiras. Graças à minha última postagem, sofri a comparação - talvez alimentada por resquícios da radicalização vivida pelo país nas últimas eleições - entre meu pensamento e a postura eleitoral de 2006 de Geraldo Alckmin, que procurava, a todo custo, argumentos para atacar o Governo Lula. Bem, faço aqui uma crítica a respeito da postura de boa parte da massa otimista com o governo atual: em sua ânsia por rebater a ferocidade da oposição, que agiu de forma extremamente violenta nos últimos meses, os lulistas e dilmistas mais radicais, ainda pensando de forma maniqueísta, desqualificam qualquer apontamento mais negativo sobre a realidade brasileira atual. Parece sempre um "papinho" da oposição, desesperada em agredir o governo presente.
Ora, é evidente que, mesmo se considerarmos os incontestáveis pontos positivos da administração petista - em especial, sua competência na aplicação de medidas de combate à exclusão social mais absoluta - vários problemas ainda afligem o país, não podendo ser facilmente resolvidos por um simples governo temporal. Além disso, havemos de manter o senso crítico, apontando os erros da administração de Lula e da futura presidenta Dilma - que, até então, não foram poucos. Houve falhas admistrativas de grandes proporções, que escapam do simples "blá-blá-blá" vomitado pela mídia em momentos eleitorais. Há, em suma, que "se colocar os pingos nos ´is´": Sim, o governo atual é mais competente no combate a problemas críticos da sociedade brasileira, em comparação com governos passados; e não, ele não consegue eliminar todos os problemas estruturais do país, e ainda está sujeito a graves insuficiências, que devem ser apontadas, sem se menosprezar os avanços alcançados. A militância não deve ser apagada por sua própria fidelidade ao governo; deve apenas ser melhor direcionada, mais precisa.
O que fiz, portanto, não foi nenhum exercício de oposição míope ao Governo. Em primeiro lugar, porque reconheço que as medidas tomadas foram corajosas e necessárias, concentrando minhas críticas à posterior imagem, criada e alimentada pela mídia, a respeito da situação carioca. Com todas as limitações a que estão sujeitos, os governos municipal, estadual e federal fizeram a parte deles. Em segundo lugar, porque critiquei, igualmente, uma questão que vejo como estrutural na sociedade, consolidada nas instituições e nas representações sociais em vigência, e que escapam de um combate governamental direto. Problemas de Estado e de "consciência coletiva", para utilizar a terminologia do velho Durkheim; não de governo ou de indivíduos que se unem com objetivos conspiratórios, simplesmente. Tratei, dessa forma, de preconceitos arraigados entre vários setores e explorados pela mídia em exaustão, e formas de pensar e agir que se atrelam ao Estado de forma absolutamente parasitória, contaminando sua gestão. Os governos terão muito mais trabalho no combate a esses inimigos do que tiveram, em aparência, na luta contra o tráfico do Alemão...
Pedro Mancini
Agora, um outro ponto: parece-me que um simples comportamento mais "pessimista" desperta uma série de associações político-ideológicas que nem sempre são verdadeiras. Graças à minha última postagem, sofri a comparação - talvez alimentada por resquícios da radicalização vivida pelo país nas últimas eleições - entre meu pensamento e a postura eleitoral de 2006 de Geraldo Alckmin, que procurava, a todo custo, argumentos para atacar o Governo Lula. Bem, faço aqui uma crítica a respeito da postura de boa parte da massa otimista com o governo atual: em sua ânsia por rebater a ferocidade da oposição, que agiu de forma extremamente violenta nos últimos meses, os lulistas e dilmistas mais radicais, ainda pensando de forma maniqueísta, desqualificam qualquer apontamento mais negativo sobre a realidade brasileira atual. Parece sempre um "papinho" da oposição, desesperada em agredir o governo presente.
Ora, é evidente que, mesmo se considerarmos os incontestáveis pontos positivos da administração petista - em especial, sua competência na aplicação de medidas de combate à exclusão social mais absoluta - vários problemas ainda afligem o país, não podendo ser facilmente resolvidos por um simples governo temporal. Além disso, havemos de manter o senso crítico, apontando os erros da administração de Lula e da futura presidenta Dilma - que, até então, não foram poucos. Houve falhas admistrativas de grandes proporções, que escapam do simples "blá-blá-blá" vomitado pela mídia em momentos eleitorais. Há, em suma, que "se colocar os pingos nos ´is´": Sim, o governo atual é mais competente no combate a problemas críticos da sociedade brasileira, em comparação com governos passados; e não, ele não consegue eliminar todos os problemas estruturais do país, e ainda está sujeito a graves insuficiências, que devem ser apontadas, sem se menosprezar os avanços alcançados. A militância não deve ser apagada por sua própria fidelidade ao governo; deve apenas ser melhor direcionada, mais precisa.
O que fiz, portanto, não foi nenhum exercício de oposição míope ao Governo. Em primeiro lugar, porque reconheço que as medidas tomadas foram corajosas e necessárias, concentrando minhas críticas à posterior imagem, criada e alimentada pela mídia, a respeito da situação carioca. Com todas as limitações a que estão sujeitos, os governos municipal, estadual e federal fizeram a parte deles. Em segundo lugar, porque critiquei, igualmente, uma questão que vejo como estrutural na sociedade, consolidada nas instituições e nas representações sociais em vigência, e que escapam de um combate governamental direto. Problemas de Estado e de "consciência coletiva", para utilizar a terminologia do velho Durkheim; não de governo ou de indivíduos que se unem com objetivos conspiratórios, simplesmente. Tratei, dessa forma, de preconceitos arraigados entre vários setores e explorados pela mídia em exaustão, e formas de pensar e agir que se atrelam ao Estado de forma absolutamente parasitória, contaminando sua gestão. Os governos terão muito mais trabalho no combate a esses inimigos do que tiveram, em aparência, na luta contra o tráfico do Alemão...
Pedro Mancini
Um comentário:
Afe, abordou tanta coisa que me perdi :-P
Então vou falar só do que entendi:
Qualquer pessoa semiesclarecida sabe que a mídia sempre faz um carnaval, daqueles que dá zoom em bunda, em todo assunto que julga que será de interesse do povo, quando, pela abordagem massiva dos meios de comunicação, acabamos ficando atentos ao que ocorre, a mídia nos inunda com mais informação, muitas vezes de maneira antiética, como no caso Eloá. Acho que a mídia transformou tudo em um espetáculo, algo divertido de se ver, por ter sido dentro da comunidade, ao invés das visões aterradoras de quando ocorre um tiroteio no Leblon. Porém, como efeito positivo da cobertura da mídia, as pessoas das comunidades, ao verem que não era só mais uma ação isolada do BOPE, inundou de ligações o disque denúncia, informando rotas de fuga, esconderijos de traficantes e depósitos de armas e drogas. É claro que pessoas das comunidades foram generalizadas e desrespeitadas por, eu não direi maus policiais, mas policiais de conceitos limitados, que entraram em casas esquecendo que lá há pessoas honestas, até que se prove o contrário, pois é isso que diz a constituição. Se essa ação foi motivada apenas por cunho político ou por causa da copa/olimpíadas eu não arrisco dizer, só posso torcer para que isso tenha um efeito duradouro na paz conquistada nas comunidades.
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