Após 49 anos no comando direto de Cuba, Fidel Castro renunciou ao poder. Logo que isso ocorrreu, assim como em várias ocasiões em que o velho comandante demonstrou sinais de fraqueza, a mídia manifestou seu entusiasmo e sua esperança por uma "abertura política" na ilha.
Na realidade, a chance de mudanças concretas, para além do processo de abertura econômica já processo no país, é pequena, ao menos por enquanto - Fidel ainda detém o fundamental cargo de Presidente do Partido Comunista, além de uma cadeira no parlamento; além disso, quem assumiu seu lugar presidencial foi seu irmão mais novo, Raúl, que sempre lhe foi fiel.
Todavia, ainda é importante entender de onde vem essa "fome" da mídia, essa impaciência por alterações no regime de inspiração socialista desenvolvido no local. Segundo minha perspectiva, é evidente que o país necessita de enormes reformas políticas e de uma quebra da lógica totalitária difundida por seus líderes; o problema, contudo, é que as mudanças que o empresariado mundial espera que assolem Cuba vão muito além das referidas reformas democráticas.
O interesse mais imediato é o econômico, obviamente - mas, além disso, e provavelmente mais fundamental, trata-se de um interesse ideológico dos agentes capitalistas. É óbvio que, assim, como ocorreu na União Soviética, se o regime castrista cair em Cuba, forças do capital internacional não tardarão a aparecer para forçar uma transição LIBERAL de cunho ECONÔMICO, bem antes do que uma "transição democrática". Como o mercado cubano possui importância minúscula na perspectiva econômica global, a liberalização total da economia representaria muito mais uma vitória político-ideológica do capitalismo do que um incremento relevante ao mercado mundial.
Acima de tudo, o que se pretende destruir é o sonho do socialismo de forma geral, relacionando-o de forma inexorável à uma estrutura política totalitária, avessa aos princípios da heterogeneidade humana. Ao criticar o regime de Castro, o mercado finge dar ênfase ao autoritarismo de seu Estado, mas, no fundo, ataca seus avanços sociais - no que se refere, por exemplo, à educação e à saúde públicas da Ilha.
O processo da queda do "socialismo" (capitalismo de Estado, para alguns analistas mais realistas) da União Soviética é uma prova viva da história dos reais interesses do mercado. Poucos anos após a liberalização da economia russa, bilionários nasceram do nada no país, beneficiados pelas reformas econômico-estruturais tocada a cabo pelos seus líderes (em especial, por meio de privatizações em massa que assolaram a nação). Foi o caso de Mikhail Khodorkovsky, que passou a administrar a outrora estatal companhia petrolífera Yukos, mais poderosa do país - a ponto de se tornar um dos homens mais ricos do mundo, em um intervalo de tempo impressionantemente curto. Por sua vez, quem analisa a Rússia de hoje sabe que, a despeito dessa liberalização econômica, reformas de cunho democrático ficaram longe de atingir os patamares esperados; até hoje, críticos de todo o planeta apontam para a truculência do governo local, que, entre outras medidas, proibiu manifestações e prendeu quantidade considerável de opositores políticos.
Não tenho dúvidas de que Cuba corre um risco similar, passível de concretização quando se der a queda do castrismo: a destruição quase obsoluta do "lado positivo da ilha", para o bem do "capital internacional", e, em paralelo, uma manutenção considerável (salvo algumas reformas "pincelares") da estrutura política atual - que corresponde, na minha visão, ao "lado negativo" do país. Conseqüências de uma associação simplista e, infelizmente, muito arraigada na mídia, entre um controle estatal dos meios de produção e uma forma autoritária de controle do Estado por um grupo burocrático corruptível. Quem conhece as publicações de socialistas históricos de renome, como Rosa Luxemburgo, sabe que tal associação é tão errônea quanto mal-intencionada. É uma pena que experiências humanamente catastróficas como a soviética, a cubana e a chinesa tenham dado tando respaldo a essa visão pessimista sobre a ideologia socialista, prestes a sofrer uma nova derrota.
Pedro Mancini
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