terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

Conseqüencias da Renúncia de Fidel

Após 49 anos no comando direto de Cuba, Fidel Castro renunciou ao poder. Logo que isso ocorrreu, assim como em várias ocasiões em que o velho comandante demonstrou sinais de fraqueza, a mídia manifestou seu entusiasmo e sua esperança por uma "abertura política" na ilha.

Na realidade, a chance de mudanças concretas, para além do processo de abertura econômica já processo no país, é pequena, ao menos por enquanto - Fidel ainda detém o fundamental cargo de Presidente do Partido Comunista, além de uma cadeira no parlamento; além disso, quem assumiu seu lugar presidencial foi seu irmão mais novo, Raúl, que sempre lhe foi fiel.

Todavia, ainda é importante entender de onde vem essa "fome" da mídia, essa impaciência por alterações no regime de inspiração socialista desenvolvido no local. Segundo minha perspectiva, é evidente que o país necessita de enormes reformas políticas e de uma quebra da lógica totalitária difundida por seus líderes; o problema, contudo, é que as mudanças que o empresariado mundial espera que assolem Cuba vão muito além das referidas reformas democráticas.

O interesse mais imediato é o econômico, obviamente - mas, além disso, e provavelmente mais fundamental, trata-se de um interesse ideológico dos agentes capitalistas. É óbvio que, assim, como ocorreu na União Soviética, se o regime castrista cair em Cuba, forças do capital internacional não tardarão a aparecer para forçar uma transição LIBERAL de cunho ECONÔMICO, bem antes do que uma "transição democrática". Como o mercado cubano possui importância minúscula na perspectiva econômica global, a liberalização total da economia representaria muito mais uma vitória político-ideológica do capitalismo do que um incremento relevante ao mercado mundial.

Acima de tudo, o que se pretende destruir é o sonho do socialismo de forma geral, relacionando-o de forma inexorável à uma estrutura política totalitária, avessa aos princípios da heterogeneidade humana. Ao criticar o regime de Castro, o mercado finge dar ênfase ao autoritarismo de seu Estado, mas, no fundo, ataca seus avanços sociais - no que se refere, por exemplo, à educação e à saúde públicas da Ilha.


O processo da queda do "socialismo" (capitalismo de Estado, para alguns analistas mais realistas) da União Soviética é uma prova viva da história dos reais interesses do mercado. Poucos anos após a liberalização da economia russa, bilionários nasceram do nada no país, beneficiados pelas reformas econômico-estruturais tocada a cabo pelos seus líderes (em especial, por meio de privatizações em massa que assolaram a nação). Foi o caso de Mikhail Khodorkovsky, que passou a administrar a outrora estatal companhia petrolífera Yukos, mais poderosa do país - a ponto de se tornar um dos homens mais ricos do mundo, em um intervalo de tempo impressionantemente curto. Por sua vez, quem analisa a Rússia de hoje sabe que, a despeito dessa liberalização econômica, reformas de cunho democrático ficaram longe de atingir os patamares esperados; até hoje, críticos de todo o planeta apontam para a truculência do governo local, que, entre outras medidas, proibiu manifestações e prendeu quantidade considerável de opositores políticos.


Não tenho dúvidas de que Cuba corre um risco similar, passível de concretização quando se der a queda do castrismo: a destruição quase obsoluta do "lado positivo da ilha", para o bem do "capital internacional", e, em paralelo, uma manutenção considerável (salvo algumas reformas "pincelares") da estrutura política atual - que corresponde, na minha visão, ao "lado negativo" do país. Conseqüências de uma associação simplista e, infelizmente, muito arraigada na mídia, entre um controle estatal dos meios de produção e uma forma autoritária de controle do Estado por um grupo burocrático corruptível. Quem conhece as publicações de socialistas históricos de renome, como Rosa Luxemburgo, sabe que tal associação é tão errônea quanto mal-intencionada. É uma pena que experiências humanamente catastróficas como a soviética, a cubana e a chinesa tenham dado tando respaldo a essa visão pessimista sobre a ideologia socialista, prestes a sofrer uma nova derrota.
Pedro Mancini

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