Sábado, dia 16 de fevereiro de 2008: José Padilha, diretor do sucesso "Tropa de Elite", conquista o Urso de Ouro em Berlim - mesmo prêmio ganho, dez anos antes, por Walter Salles Júnior, pelo filme "Central do Brasil".
Assim como quando lançado em nosso país, na Alemanha o filme de Padilha criou um grande alvoroço entre a crítica, que se manifestou de diversas formas: alguns acusaram o formato do filme de "fascista", responsável por uma apologia inconseqüente da violência por parte do Estado - incluindo a mundialmente condenada prática da tortura (que apenas alguns poucos líderes, como o belicista George W. Bush têm coragem de defender abertamente: http://www1.folha.uol.com.br/folha/mundo/ult94u372710.shtml); outros aplaudiram de pé a obra de Padilha, celebrando seu realismo implacável. Veja matéria na Folha com uma listagem de críticas relevantes feitas por jornais e revistas européias: http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u371897.shtml.
É incontestável que "Tropa de Elite" põe o dedo em feridas bem feias da realidade brasileira, e que precisam de trato "médico" imediato. O realismo do filme tem esse mérito, de apontar em que ponto perigoso a sociedade brasileira chegou - ponto esse que, infelizmente, costuma ficar obscurecido por toda a festividade presente em nossa cultura, festividade essa que serve como uma espécie de narcótico para nossa capacidade de pensar de modo crítico a sociedade em que vivemos.
Contudo, começo a me perguntar até que ponto toda essa polêmica a respeito da intenção "real" do filme mereça uma resposta definitiva: Fascista ou apenas "corajoso"? Apologista da violência policial ou uma forma velada de crítica sobre a mesma?
Talvez a intenção de Padilha não possa ser encontrada em nenhuma dessas respostas. A polêmica, por si só, pode ser a "razão de ser" principal do filme, diferentemente de uma mera defesa ideológica - o próprio Padilha parece admitir não se enquadrar em um lado ideológico, ao criticar, em seu discurso em Berlim, a distinção entre "direita" e "esquerda" que persiste há séculos na sociedade ocidental. Esse ponto é uma demonstração central da estrutura pós-moderna do pensamento do diretor, expressa, por sua vez, no formato do filme premiado.
Desse perspectiva, o sucesso de bilheteria do filme poderia ser explicado por dois fatores principais: primeiro, uma apelação sensacionalista, com base na exibição exagerada de cenas de violência, e justificada pelo dito "realismo" adotado pelo filme; e, em segundo, pela polêmica que causou na grande massa da população, inclusive na crítica mais especializada, somada à possibilidade de apropriação da idéia por discursos ideológicos distintos.
Nesse caso, a fórmula adotada por Padilha teve clara inspiração na obra do diretor Fernando Meirelles, "Cidade de Deus" (2002) - que, do mesmo modo, por ser quase puramente "realista", deixava margem às mesmas interpretações distintas sobre a intenção do autor. Qual seria, afinal, a intenção desse último: romantizar o traficante a partir da personagem "Zé Pequeno" ou criticar o estilo de vida criado e mantido pelo crime organizado nas favelas? "Zé Pequeno" é herói ou vilão? E o "Capitão Nascimento"? Independentemente da relação oposta entre as duas personagens, a possibilidade dúbia de interpretação a respeito de seu caráter fez com que ambos os filmes discutidos se tornassem sucesso, tanto da perspectiva da bilheteria, quanto da crítica. Polêmica vende, assim como sexo e violência. Talvez mais.
Vê-se que José Padilha, que já havia seguido a cartilha do sensacionalismo sentimental em "Ônibus 174" (e faço essa crítica apenas à forma do filme, e não ao seu conteúdo, para mim muito válido), que apelava para relatos pessoais complementados por melancólicas músicas de fundo, aplicou uma "nova" fórmula para aprimorar seu estilo em "Tropa de Elite". Não mais tomou um lado específico da trama - o que fez claramente em seu filme anterior, expondo a surpreendente história de Sandro Barbosa do Nascimento, seqüestrador do Ônibus da linha 174 do Rio, e criticando a atuação do mesmo Bope carioca cuja competência foi reverenciada em "Tropa" -, mas deixou para o público tomar esse lado ao não deixar claro o quê defende e o quê, exatamente, condena (para além da denúncia da hipocrisia presente nas classes média e alta brasileiras, financiadoras do tráfico de drogas e de seus "soldados").
Deixando essa interpretação em aberto, Padilha, inteligentemente, agrega para si públicos que pensam de formas totalmente distintas - desde "fascistas" capazes até de defender a pura e simples destruição das favelas e que vibram com a ação do Capitão Nasciomento no filme, até uma massa que odeia a truculência de uma polícia que tortura primeiro e pergunta depois, e que ficou tão abismada e revoltada com a realidade exibida pelo filme quanto "fascistas" ficariam eufóricos e vibrantes.
"Ônibus 174", em termos de público, era limitado: só agradava verdadeiramente uma parcela da população que tinha visões ideológicas próximas daquelas exibidas no filme. "Tropa de Elite" faz uma evolução mercadológica ao escapar de tal limitação, agregando um público consideravalmente maior, cujo interesse é alimentado pela própria polêmica ambígua criada sobre a obra.
Pedro Mancini
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