Mais uma crise diplomática na América do Sul, mais uma oportunidade de propagação de absurdos. O recente ataque das forças colombianas ao território do Equador e muitas das suas conseqüências até agora não passam de mais uma representação da tentação latino-americana de resolver todas as suas questões - principalmente, seus problemas sociais e políticos - da forma mais intolerante e violenta possível.
A Colômbia destaca-se como principal representante desta problemática. Por décadas, governo, paramilitares de direita e guerrilhas de esquerda confrontam-se utilizando todos os meios necessários para manter uma ordem pautada na intolerância, de um lado, ou, de outro, para impor um determinado ponto de vista a toda uma nação. O governo colombiano sempre se utilizou de meios escusos para combater as FARC e o ELN - contratando, por exemplo, paramiliares que utilizam métodos tão ou mais terríveis do que as guerrilhas comunistas para combatê-las, aplicando venenos tóxicos internacionalmente condenados para destruir plantações de maconha (afetando moradores de vilas diversas, e atingindo, ainda, o território de outros países) e comentendo puros e simples assassinatos a representantes políticos dos revolucionários, mesmo após tentativasde paz - sempre fracassadas.
As FARC, por sua vez, já mostraram ao mundo que são capazes das maiores atrocidades contra a população colombiana. Nascendo em uma época de forte radicalismo e segmentação entre direita e esquerda no sub-continente, quando governos populares e ditaduras militares competiam diretamente, a guerrilha respondeu da forma violenta reconhecida na época para alterar toda a realidade social - uma vez que a violência e a falta de espaço democrático inerente aos próprios governos da época impediam a viabilidade da atuação parlamentar desses revolucionários. Aprimorando apenas seus meios técnicos de utilização da violência, sem, no entanto, conseguir avançar muito no que se refere à sua atitude política e ao trato de sua imagem, a guerrilha de hoje encontra-se em uma posição anacrônica em relação à população colombiana mais ampla - que, tendo seus membros seqüestrados continuamente, anseiam por uma solução rápida do conflito.
O fracasso das negociações entre a guerrilha e o governo de Andrés Pastrana, em 2000, eliminou a última chance até então de finalizar uma onda de intolerância mútua, em que ambos os lados poderiam ser amplamente beneficiados. Ao contrário, o que houve prejudicou os dois lados da guerra civil; de um lado, o governo desceu novamente ao nível do terrorismo, utilizando métodos condenáveis de combate à sua própria população - e ainda, com pleno suporte econômico e militar do governo norte-americano. Em última instância, mostrando o quanto a Colômbia de hoje não mede as conseqüencias de seus atos com racionalidade (ou boa-fé?), a postura militarista de Álvaro Uribe resultou em um massivo incidente internacional.
As FARC, por sua vez, ao não conseguirem selar a paz, perderam muito de seu apoio popular, sofrendo um desgaste sem precedentes, além da perda pura e simples de milhares de vidas e centenas de quilômetros de território controlado.
O fato é que, independente da visão política presente em cada lado dessa história, nenhum deles representa uma alternativa para a América Latina - antes de tudo, pelo seu método de existência. De forma alguma um Estado de direito, como se considera a Colômbia de Uribe, deve se pautar apenas em meios militares, paramilitares e terroristas para combater quem quer que seja - ainda mais, uma parcela de sua própria população (fato esquecido: sim, os membros das FARC são colombianos). Assim como o governo da cidade do Rio de Janeiro, e outros tantos prováveis exemplos presentes em toda a América Latina, o Estado se vê desobrigado a inserir a parcela diretamente influenciada pelos criminosos, e afetada por uma situação de aterradora desigualdade social, em sua população assistida - se vendo reduzido à função repressora e excludente, e acabando por criminalizar a situação da pobreza em si.
Tal situação absurda cessará apenas quando o Estado deixar de se ver e ser visto a partir dessa única função repressora e violenta, e preocupar-se mais notadamente com a inclusão dos membros desfavorecidos de sua sociedade - não afastando e punindo os miseráveis, mas, pelo contrário, fazendo-se presente na missão de tirá-los de tal situação, inserindo-os na sociedade mais ampla. Seja ela colombiana, brasileira ou de qualquer outra nação desse sub-continente.
Pedro Mancini
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