Concluído o primeiro turno das eleições, é hora de todas as partes envolvidas fazerem seus balanços. Arrisco-me aqui a expor minhas próprias opiniões, assim como algumas perspectivas sobre os movimentos eleitorais para o segundo turno.
O resultado da eleição presidencial foi claramente ruim para a centro-esquerda, encabeçada pelo PT, que esperava uma vitória logo no primeiro turno. Dizem alguns, com alguma razão, que ele foi bom para a democracia brasileira, já que possibilitou um debate mais aprofundado sobre as propostas dos dois candidatos principais e impediu uma "ultra-glorificação" adiantada sobre a figura de Dilma Roussef.
Concordaria mais com essa análise se o adiamento da decisão eleitoral se devesse, apenas, à falta de adesão acrítica e absoluta da população - inclusive da esquerda - ao governo petista, que está muito longe de ser considerado excelente. Apesar de seus impressionantes e incontestáveis avanços sociais, o governo atual também ficou marcado por financiar o combate à miséria sem golpear as elites econômicas e por inegáveis e sérios casos de corrupção (que, embora tenham sido inflados pela mídia, não deixem de ser muito reais). Considerando a idéia de que o primeiro turno das eleições permite que votemos naquele candidato que mais se aproxime de nossos ideais, e não no "menos pior", seria compreensível, portanto, que o eleitorado que prefere Dilma a Serra, mas que tivessem fortes críticas à atuação política do PT, optasse por votar em um outro candidato - Marina ou Plínio, no caso.
Fiquei chocado, contudo, com a análise de que o fiel da balança, na queda dos votos para o PT, foi a questão religiosa: difundiu-se a percepção de que Dilma seria a favor do aborto, o que teria resultado em uma enorme migração de votos de cristãos, em especial para a candidata Marina Silva. Se essa avaliação se confirmar, há de se lamentar que dogmas religiosos ainda detenham tanta força política, em um ataque ao caráter laico do Estado brasileiro. Além disso, não foi exatamente um embate de propostas que levou a campanha ao segundo turno - foi, antes, uma onda sombria de agressões, acusações e jogos baixos de todo tipo (como a associação de Dilma com a figura da "assassina de criancinhas").
De todo modo, é inegável que a esquerda subestimou o papel e o poder de atração de Marina Silva nessas eleições. Na verdade, pouco sabemos sobre o comportamento político de seus eleitores, e por isso a surpresa do adiamento da decisão presidencial: apesar de todos os ataques contra a candidata petista, avaliou-se corretamente que a população não levava a figura de Serra a sério como uma alternativa, mas ignorou-se a capacidade de a candidatura Marina agregar aqueles comovidos pelas acusações realizadas pela campanha do tucano e de seus aliados midiáticos.
Há a visão de que boa parte do eleitorado de Marina seja composto de simpatizantes da esquerda que não se vêem representados na figura da Dilma. De acordo com tal visão, haveria a tendência de migração desse eleitorado para a petista no segundo turno, já que ela representaria uma opção "menos pior" do que aquela representada por José Serra.
Parte da esqueda, contudo, parte de outra visão: de que o eleitorado de Marina é composto pelas classes média e alta, por setores de elite da sociedade, que vêm na candidata uma oposição mais concreta contra o governo petista, por eles desprezado. Seriam, portanto, virtuais simpatizantes da direita, mas que não se convenceram com o comportamento esquizofrênico de Serra no primeiro turno (ora colando-se à imagem do Presidente, ora isolando-se em uma posição de criticidade ácida e denuncismo). No segundo turno, porém, esse eleitorado ainda preferiria o ex-governador paulista à "ex-terrorista" (aja aspas, por favor!) Dilma, representante-mor do "grande mal" petista.
Qual visão estaria correta? Em minha humilde opinião, ambas. E esse é o grande "às na manga" do PV, partido de Marina Silva: colocando-se "acima da direita e da esquerda", esse partido consegue agregar simpáticos de todos os lados do espectro político. Mantendo a sua carapaça ecológica, camufla sua posição real nesse espectro - suas propostas político-econômicas muito mais próximas do neoliberalismo peesedebista são obscurecidas pela agenda verde. Na verdade, a "terceira via" do PV é, em grande parte, uma grande ilusão. Quem quiser ler mais sobre o assunto, recomendo a leitura do texto de Vladimir Safatle sobre o assunto.
O PV é, ao mesmo tempo, um partido muito parecido com o velho PMDB - embora muito mais competente do que este em suas malandragens. Também posa de "neutro" no panorama político, conseguindo, com isso, aliar-se de acordo com contextos específicos, sendo muito mais efetivo em uma negociação de cargos com outros partidos (PT e PSDB, por exemplo). A vantagem é que, ao contrário do PMDB, com sua nulidade de conteúdo, o PV monopoliza a agenda ecológica - um troféu valioso para qualquer partido. Afinal, só posará de ecologicamente correto quem tiver o aval dessa agremiação, e com esse aval, garante-se o apoio de um grande número de "eleitores jovens e descolados", que realmente acham que o "PMDB verde do século XXI" representa alguma grande novidade para além da simples preservação ambiental.
* Obs: É claro que o comportamento do PV apresenta seus efeitos colaterais: a tendência ao racha interno, dada a existência de múltiplos interesses por alianças. Na definição (ou indefinição) do apoio da Marina para o segundo turno, uma guerra interna já tomou curso entre os políticos verdes: aliados do PSDB em São Paulo de um lado, pregadores da neutralidade de outro, e talvez alguns mais simpáticos ao PT aqui e ali. No fim das contas, o resultado dessa luta não interessará tanto para os rumos da Nação: resultará em distribuições de cargos para os verdes alegres que, ainda sim, não poderão garantir uma fidelidade permanente para o lado vencedor.
Pedro Mancini
O PV é, ao mesmo tempo, um partido muito parecido com o velho PMDB - embora muito mais competente do que este em suas malandragens. Também posa de "neutro" no panorama político, conseguindo, com isso, aliar-se de acordo com contextos específicos, sendo muito mais efetivo em uma negociação de cargos com outros partidos (PT e PSDB, por exemplo). A vantagem é que, ao contrário do PMDB, com sua nulidade de conteúdo, o PV monopoliza a agenda ecológica - um troféu valioso para qualquer partido. Afinal, só posará de ecologicamente correto quem tiver o aval dessa agremiação, e com esse aval, garante-se o apoio de um grande número de "eleitores jovens e descolados", que realmente acham que o "PMDB verde do século XXI" representa alguma grande novidade para além da simples preservação ambiental.
* Obs: É claro que o comportamento do PV apresenta seus efeitos colaterais: a tendência ao racha interno, dada a existência de múltiplos interesses por alianças. Na definição (ou indefinição) do apoio da Marina para o segundo turno, uma guerra interna já tomou curso entre os políticos verdes: aliados do PSDB em São Paulo de um lado, pregadores da neutralidade de outro, e talvez alguns mais simpáticos ao PT aqui e ali. No fim das contas, o resultado dessa luta não interessará tanto para os rumos da Nação: resultará em distribuições de cargos para os verdes alegres que, ainda sim, não poderão garantir uma fidelidade permanente para o lado vencedor.
Pedro Mancini
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