Trata-se, em minha opinião, da tentativa de manipulação do eleitorado mais patética e desprovida de fundamento, de fácil desmonte por qualquer indivíduo minimamente informado sobre o funcionamento da política e sobre as diferenças entre políticas públicas, aprovações de leis e opiniões pessoais de candidatos.
Bem, não consegui ainda a foto original da capa, mas vou descrevê-la brevemente. Ela é dividida em duas partes, uma superior e outra inferior, de modo que possamos lê-la de duas perspectivas diferentes. A Dilma aparece dos dois lados, sendo um deles com um fundo branco, e outro, com fundo vermelho.
No lado de baixo, é exposta uma frase, atribuída à candidata petista, que revela um posicionamento supostamente pessoal, íntimo, da mesma: "Eu, pessoalmente, sou contra. Não acredito que haja uma mulher que não considere o aborto uma violência". No lado superior, por seu turno, é revelada uma frase, da mesma candidata, repudiando a criminalização da prática abortiva: "Acho que tem de haver a descriminização do aborto. Acho um absurdo que não haja". A primeira frase foi dita em 2009, e a segunda, dois anos antes.
O argumento da revista é tão simples quanto fraco, e não deixa dúvidas sobre sua parcialidade. Vende-se que a candidata tem "duas caras", por mudar de discurso com relação à temática do aborto, teoricamente por motivações eleitorais. A infantilidade do "erro" (para dizer o melhor) está na confusão entre opinião particular e concepções mais gerais sobre a sociedade, relacionadas com opiniões sobre a validade de determinadas leis e políticas públicas. Em outras palavras: ser pessoalmente contra o aborto não tem o mesmo significado que defender a proibição da opção de outras mulheres por sua realização. Afinal, viver em uma democracia é saber conviver com as diferenças de credo e de opinião - e um de seus pressupostos é permitir que esse outro, que pensa de modo diferente, conduza sua vida do modo que lhe bem convir, desde que essa condução não interfira na vida alheia. Isso é tão banal, que não mereceria, por si, muita discussão. Mas, infelizmente, o atual nível do debate eleitoral exige esse tipo de esclarecimento. No que tange ao aborto, na concepção de seus defensores, o direito de condução sobre a própria vida incluiria a decisão da mulher sobre um feto que ainda não poderia ser considerado um ser humano, sendo, portanto, uma parte de seu próprio corpo.
É claro que, no auge da "intimização" da política, muitos estão mais interessados nas opiniões pessoais de seus candidatos, especialmente no que tange a questões polêmicas, do que em seus programas de governo e concepções de sociedade. Por isso, eles ganham muito manipulando tais informações. Eu sei bem, por exemplo, que a Dilma é pessoalmente a favor do aborto, mas se viu obrigada a emitir outra opinião para não perder muitos eleitores. Do mesmo modo, já há a notícia de que Mônica Serra, a mulher do candidato do PSDB que disse por aí que a rival do marido era a favor da "morte de criancinhas", teria realizado um aborto no Chile; sem contar que, como já mencionei na última postagem, o próprio tucano foi o grande responsável pela implantação de normas técnicas de regulamentação do aborto em casos específicos, quando ainda era Ministro da Saúde. Hoje, porém, posa de grande figura religiosa, abraçando a bandeira de padres e pastores.
De todo modo, fico feliz ao ver que a candidata petista não tenha recuado de todo de suas opiniões sobre a descrimização do aborto, ao menos por hora, como bem mostra esse trecho do primeiro debate televisivo desse segundo turno:
* Obs: Há indícios de que o monopólio de um único candidato sobre a mídia esteja acabando: Logo após a Revista Veja publicar a matéria de capa mencionada, a Revista IstoÉ lançou uma similar, mas com a figura de José Serra. Nela, são comparadas duas falas do tucano, uma negando conhecimento sobre Paulo Preto (que desviou mais de R$4mi da campanha do PSDB) e outra chamando o homem de "uma pessoa muito competente". Essa ousadia da Época em contestar o status quo midiático de apoio ao Serra também pôde ser vista na TV Record, que poderá pagar multa por colocar no ar uma reportagem que, supostamente, beneficiou a candidata Dilma Roussef. Juntamente com a multiplicação das fontes de informação, possibilitada pela proliferação das ferramentas de internet, e com o alcance de revistas opostas à grande mídia, como Carta Capital e Caros Amigos, novos modos de reportar o mundo político começam a destruir a visão monolítica que ainda impera nos meios de comunicação.
Pedro Mancini
5 comentários:
Tenho uma crítica: jamais se desculpe por escrever assuntos pertinentes, mesmo que a maiorias da população se recuse em pensar em política e/ou eleições! Parabéns pelo post!
capa da veja está aqui: http://www.assineabril.com.br/assinar/revista-veja/origem=sr/ba/ve
Gostei do post, divulgue para que mais pessoas possam ler!
beijos Dee
Luciana,
Tem toda a razão, às vezes me deixo dominar pelo gosto imaginado de possíveis leitores - já que percebi que comentam mais sobre minhas postagens "não tão políticas". Mas acho que estou vencendo essa minha pequana deficiência de sempre almejar agradar a todos! ;-)
Sobre a imagem da capa, valeu, mas ela está bem pequena, não? Acho que nem vale a pena postar no blog.
Valeu pela leitura e elogio,
Pedro Mancini
Dee,
Que bom que gostou! Tenho buscado divulgar bastante minhas postagens, e acho que essa atitude têm rendido bons frutos: essa semana bati meu recorde de visitas. Muito obrigado aos leitores!
Beijos,
Pedro Mancini
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