Complementando a postagem anterior, exemplificarei algumas possibilidades de interpretação crítica sobre as relações sociais virtualmente consolidadas. É claro que, como já apontei, muitas das críticas tecidas contra as interações virtuais são preconceituosas e catastróficas, sem um aprofundamento real sobre os problemas que elas nos colocam; mesmo assim, apontam questões que merecem ser abordadas, embora usualmente ignoradas pelos defensores mais "fanáticos" das novas tecnologias.
É possível, por exemplo, questionar o conteúdo das relações estabelecidas e mantidas por ferramentas tecnológicas mais recentes. O sociólogo Dominique Wolton é um dos que pensam nesse sentido, considerando que vivemos em uma "sociedade individualista de massas", potencializada por redes sociais como o Facebook. Negando a idéia segundo a qual a internet fomentaria um debate democrático, com o convívio de indivíduos que pensam de modos distintos, estimulando, portanto, a formação de sociedades virtuais globais, Wolton considera que as redes sociais e outras ferramentas de interação mais recentes fomentam modos comunitários de associação - formados por indivíduos que pensam de forma equivalente e possuem interesses comuns. De fato, o Twitter, por exemplo, têm se manifestado como um exemplo típico dessa forma de sociabilidade: pessoas "seguem" aqueles que pensam como elas, e criam verdadeiras "panelinhas comunitárias", agredindo aqueles que pensam de forma distinta, ao invés de conviverem pacificamente com eles. O período eleitoral salientou essa característica do Twitter, e cultivou sementes de discórdia que ainda perduram - como as últimas manifestações xenófobas contra nordestinos, encabeçadas por jovens de classe média do Sul e Sudeste do país. Essas formas de intolerância comunitária encontram nas redes sociais a possibilidade de propagação, dada a convivência de indivíduos que compartilham de suas opiniões (inconfessáveis em público), e um ambiente propício para exercitar seus dogmas (por meio de agressões verbais contra adeversários, vistas, de modo ilusório, como imunes à punição legal).
O sociólogo francês vai mais longe: pontua que as formas de interação virtuais não fomentam relações de profundidade, "verdadeiras"; pelo contrário, estimularia aquilo que ele chama de "solidão interativa", onde a conectividade exagerada convive com uma falta de laços sociais significativos. Pontua, ainda, que a comunicação "de fato", aprofundada, é escassa nas relações virtuais, dado que esta exigiria não apenas a emissão unilateral de opiniões, como um retorno da recepção - uma resposta dos interlocutores. Nesse momento, me identifico com o pensador, já que percebo essa situação em meu próprio blog: por mais que eu publique, não consigo fomentar muita discussão entre meus leitores, que raramente comentam meus escritos. E essa é uma situação muito comum, ao menos entre os blogs menos famosos.
Como já indiquei, contudo, não temos que mergulhar de cabeça nessas críticas nefastas sobre as relações estabelecidas pelas novas tecnologias; temos, ao contrário, que problematizá-las, retirando delas o que fizer mais sentido - e repudiando os exageros e deficiências de apreensão. Assim, é passível que crítica que o sociólogo não qualifique as relações virtuais, taxando-as, simplesmente, de "falsas" ou pouco profundas. Que espécies de relações se formam e se mantém nas redes sociais? Esse questionamento foi evitado pelo pensador (ao menos nesse texto introdutório que linquei), que parte de um conceito ideal daquilo que seria uma relação social "verdadeira" ou "profunda". Assim, as relações virtuais resumem-se a uma "não-relação", por não cumprirem os requisitos imputados pelo autor (de profundidade e constância).
Além disso, não podemos ignorar que a difusão das novas tecnologias também acarretou em claros benefícios: hoje em dia, um blog pessoal, por exemplo, pode ter alcance global, e a informação acaba sendo muito mais difundida. É claro que essas formas de comunicação mais modernas são passíveis de críticas - boatos, preconceitos e outras informações danosas são tão ou mais espalhadas pela internet do que informações úteis -, mas o que necessitamos é de um entendimento mais aprofundado sobre as formas e conteúdos típicos desses meios.
Trafegando pela vertente frankfurtiana, o filósofo alemão Christoph Türcke, por sua vez, analisa a sociedade contemporânea pela perspectiva da sensualidade inerente a seus mecanismos. Para ele, a sociedade do pós-guerra transformou-se em uma "sociedade da sensação", imersa em um excitamento contínuo, com efeitos similares ao das drogas.
Nesse sentido, as ferramentas tecnológicas aparecem como fonte de injeções sensuais, alienantes e entorpecentes, que inculcam em seus usuários, com toda essa "magia" hiper-real, uma relação de dependência. Diz o filósofo, em entrevista para a Folha:
Vício como fenômeno particular --como dependência física de certas substâncias (drogas)-- está modificando um fenômeno geral, pois a máquina audiovisual também vicia.
Quem presta atenção à tela se dedica a ela, vive uma dependência crescente dela, vincula suas expectativas, sua economia emocional e intelectual a ela.
Assim como o drogado aplica injeções de heroína, uma sociedade que depende da tela se expõe a bilhões de choques imagéticos.
O choque singular é mínimo, quase imperceptível e não faz mal. Bilhões, no entanto, destroem justamente a atenção que elas atraem magneticamente.
Mais uma vez, as análises ultra-ácidas sobre a tecnologia devem ser relativizadas. Manuel Castells, com suas limitações, demonstrou que a taxação do uso da internet como "vício", embora fácil, não é tão verdadeira assim; os indivíduos, para ele, não deixam de se relacionar socialmente por conta de sua imersão nos mundos virtuais. Pelo contrário, tenderiam a interagir com maior freqüência com seus amigos e familiares mais íntimos, pelo uso das ferramentas comunicativas mais recentes.
Entre os dois analistas, um catastrófico e outro otimista, fico, novamente, com um meio-termo: o indivíduo usuário das tecnologias virtuais não está isolado do mundo, alienado de sua própria existência material; antes, está consideravelmente mais ligado a esse mundo do que no passado - ao menos em termos quantitativos, pelo número de relações e contatos estabelecidos. Por outro lado, devemos nos questionar: como o indivíduo se relaciona com seu universo, quando esse relacionamento é mediado por novas tecnologias? Podemos simplesmente falar de uma "não-relação", ou podemos, ao contrário, explorar mais a fundo esses novos tipos de interação, sem recair em reducionismos simplistas - vinculados ora a um otimismo, ora a um pessimismo desmedidos?
Entre os dois analistas, um catastrófico e outro otimista, fico, novamente, com um meio-termo: o indivíduo usuário das tecnologias virtuais não está isolado do mundo, alienado de sua própria existência material; antes, está consideravelmente mais ligado a esse mundo do que no passado - ao menos em termos quantitativos, pelo número de relações e contatos estabelecidos. Por outro lado, devemos nos questionar: como o indivíduo se relaciona com seu universo, quando esse relacionamento é mediado por novas tecnologias? Podemos simplesmente falar de uma "não-relação", ou podemos, ao contrário, explorar mais a fundo esses novos tipos de interação, sem recair em reducionismos simplistas - vinculados ora a um otimismo, ora a um pessimismo desmedidos?
Pedro Mancini
2 comentários:
Salve digníssimo.
Eu acho que esse debate não terá fim, justamente porque tenta-se entrar em um padrão, de que para todos é ruim ou para todos é bom viver no hiper real. Mas eu vejo que cada pessoa é diferente e cada pessoa lida com as experiências cotidianas de forma diferente. Para alguns, o virtual é a fuga do real insuportável, a família te odeia, a vida é uma merda, ninguém te aprecia ou te respeita, mas no virtual isso muda e vc pode chegar a ser o mais admirado do mundo, quando vc chega no topo do ranking de um jogo por exemplo.
Para outros, é a extensão do real, é um aprimoramento do que já se tem ou uma mera distração, são os que usam as redes sociais pra marcar uma balada ou pra falar com pessoas distantes de forma mais barata.
O vício da internet (vamos generalizar) ocorre da mesma forma que o alcoolismo, uns bebem socialmente e podem ficar muito tempo sem beber. Mas há aqueles que não passam um dia sem "um gole". É uma questão neuro-endocrinológia, onde existe um distúrbio no sistema de recompensas do cérebro, mas diferente do alcoolismo, não existem prejuízos físicos como uma cirrose, talvez uma atrofia muscular eventual (nós que o digamos né?).
Não sei se o debate nunca terá fim, mas você está certo quando diz que as análises deixam muito a desejar quando valorizam apenas um ou outro aspecto do virtual: seu caráter enriquecedor do mundo físico, por um lado, ou alienante e viciante, por outro. Como você, acredito que as coisas não são tão simples: de fato, a tecnologia não é intrinsicamente boa ou ruim, mas neutra, sendo que seu uso pode estar vinculado a diversas finalidades - essas sim, boas ou ruins, mas de acordo com inúmeros fatores, como propensões individuais daqueles que a empregam e as circunstâncias que as envolvem.
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