domingo, 27 de dezembro de 2009

Complementos à última postagem: O Shopping e a observação sociológica no Natal

Tenho duas observações complementares sobre a postagem anterior.

A primeira é uma indicação de leitura para um blog que exemplifica, com muita competência, as utilidades de um olhar minimamente distanciado da realidade social. "The Classe Média Way of Life"(http://classemediawayoflife.blogspot.com/) concretiza uma observação em muito similar à sociológica em uma análise satírica de excelente qualidade, uma crítica em forma de humor ácido ao habitus peculiar aos extratos intermediários da sociedade brasileira (também chamados de "classe mérdia").

Isso prova como um olhar de estranhamento sobre a realidade não é útil somente à análise puramente sociológica (no sentido científico do termo), como também a inúmeras formas de crítica sobre a sociedade e suas partes componentes - travestidas, inclusive, de humor. Humor que escapa de uma simples fórmula de reprodução da realidade, que reforça os padrões de desigualdade ao ridicularizar os estratos minoritários e/ ou desfavorecidos; humor militante e progressista, no sentido de que ataca, pela sátira, o status quo, as concepções de uma classe cuja ideologia é predominante no imaginário social - em especial, em meio aos paulistanos.

Mesmo resultando em interpretações extremamente parciais (por serem satíricas), portanto pouquíssimo científicas (não se trata, afinal de contas, de interpretações propriamente sociológicas), e recaindo em estereótipos por vezes repetitivos, ainda vale muito a pena dar boas risadas das observações do blog. Destaco, dada a época do ano, as últimas percepções do autor sobre a impregnação do "espírito natalino" nos componentes da classe média, com a chegada das celebrações natalinas.

Com relação à outra observação, referente aos shopping centers, gostaria apenas de citar uma passagem do autor que me inspirou: Stephen Lyng. Utilizando-se da noção de "desencantamento do mundo" de Max Weber, Lyng acredita que o processo de modernização (simples) fez desaparecer as qualidades encantadoras da experiência humana que gerariam significado e inspiração à vida das pessoas.

Os shopping centers seriam, nessa medida, uma das várias formas contemporâneas de "re-encantar" esse mundo desencantado, por meio de um entorpecimento de "hiper-realidade" - trazida por um ambiente que se pretende superior ao nosso, mágico, com cores e sinais exagerados. Domínio capaz, nessa medida, de se constituir como local de fuga do cotidiano frio em direção a um mundo onírico.

Diz Lyng, sobre os shoppings e outros ambientes "hiper-reais", em que a simulação é predominante:
"Nessas catedrais pós-modernas, pessoas experimentam a implosão do espaço e do tempo, explosões de simulações que distorcem a linha entre o real e o irreal, e um amplo alcance de espetáculos manufaturados que os deixam chocados e inspirados. Assim, a característica encantadora da experiência do consumidor encontra-se em completo contraste com a realidade racionalizada da maior parte dos outros domínios institucionais" (pág. 126, minha tradução).

Pedro Mancini

4 comentários:

fernando disse...

ainda que fuja um pouco do tema central, ao ler os últimos dois parágrafos não pude deixar de lembrar de um autor (o nome dele infelizmente eu esqueci) que, em sua análise da produção mostra (algo meio óbvio quando a gente para pra pensar, mas a princípio "fetichizado") o quanto o consumo é totalmente dissociado da esfera da produção, ainda que sejam movimentos de um mesmo ciclo.
Assim o tênis da Nike, produzido em países subdesenvolvidos, por trabalhadores mal pagos e em condições de vida sofríveis, são vendidos nas catedrais da mercadoria (principalmente nos países ricos), através de um apelo ao consumidor e a suas emoções (a compra não é e não pode ser "racional"), fazendo uso de cores e sinais exagerados, como você citou. O próprio garoto propaganda da marca na época era o Michael Jordan, do qual se eu não me engano havia um grande cartaz ou algo que o valha no interior da loja, num esforço de atrelar o produto ao esportista. Ou seja, ter aquele tênis (ou pelo menos inserir-se naquele contexto) é aproximar-se um pouco mais do ídolo, bem como daquele mundo mágico como um todo no qual tudo parece tão mais colorido e alegre (e no qual pode-se ser um pouco Michael Jordan).
Se formos parar pra pensar é muito estranho que uma mercadoria (como o tênis do exemplo) remeta mais a esse mundo fantástico (hiper-realidade?) do que a esfera da produção, da economia e da política, bem como de suas contradições e conflitos (já pensou numa propaganda da nike mostrando seu "complexo industrial" com aqueles chinezinhos magros costurando tênis em um ambiente sujo e inóspito?)

Unknown disse...

Ótimo comentário, Fernando, valeu!!
É justamente essa a idéia...

É evidente que o consumo adquire um caráter de alienação com relação à esfera da produção, apesar de estarem inerentemente relacionados. Essa alienação é balizada, como procurei argumentar, pela noção de "hiper-realidade", que confere ao mundo do consumo seu caráter fetichizado e mágico.

Enfeitiçados pelas artimanhas dos templos do consumo, por seu caráter de exagero sobre a realidade, a mente do consumidor fica ocupada demais para pensar, de qualquer modo, sobre o caminho percorrido pela mercadoria na esfera da produção (que, por si mesma, já se encontra tão fora do alcance da visão comum)...

Mariana Thibes disse...

Pedro, já que você deu um viés marxista ao comentário, vou lembrar do velho Durkheim dizendo que a alienação já começa na própria divisão do trabalho e acrescentar a alienação ocorrida na relação com a cultura (Frankfurt)... e aproveito ainda pra perguntar em que medida vc considera que a relação do homem com a tecnologia encerra tb uma dose de alienação... voilá!

Unknown disse...

Bom Mariana,
Para falar a verdade quem deu realmente um teor marxista mais profundo à análise foi o Fernando, com seu comentário. Mas é claro que essa teoria da alienação tem suas raízes no arcabouço teórico de Marx, sendo melhor desenvolvida pela nossa querida Escola de Frankfurt, como você disse. Mas eu também me apropriei de outro clássico, Weber, para desenvolver a idéia do desencantamento (e re-encantamento, ao menos subjetivo)do mundo em todo esse contexto de hiper-realidade.

Com respeito à relação entre tecnologia e alienação, admito que está muito difícil adotar uma postura definitiva a esse respeito. Me sinto no meio de um turbilhão de análises opostas sobre o assunto, como as de Castells, Lévy e Albert Borgmann! Enquanto os dois primeiros são claramente otimistas sobre a relação atual entre os homens e a tecnologia, o último desenvolve uma crítica interessante sobre a mesma - analisando o quanto os mundos simulados da internet são alienantes.

Pensando nos três autores, e fugindo um pouco do "viés marxista", não acredito que possamos generalizar a tecnologia como boa ou má (alienante).Ao menos por hora, estou dando uma de Giddens, sendo da opinião de que a tecnologia ativa movimentos ambíguos na atualidade: ao mesmo tempo que pode servir apenas como mais um modo de comunicação entre pessoas que já possuem algum vínculo, ou até mesmo uma forma positiva de auto-determinação e cultivo de uma identidade reflexiva, pode, igualmente, favorecer tendências, em certos indivíduos, a desenvolvimentos de identidades alienadas, compulsivas, narcisistas, esquizóides, etc., etc.

Nossa, espero que eu tenha mais explicado do que complicado... hehehe