domingo, 21 de fevereiro de 2010

DEM: A queda da máscara

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Sei que ainda estou devendo a segunda parte das minhas experiências no Carnaval, mas não dá para simplesmente ignorar as últimas notícias sobre a cassação do mandato de Gilberto Kassab, que pegou a todos de surpresa. 

É claro que a decisão ainda pode (e deverá) ser revertida, pois Kassab irá recorrer da decisão em várias instâncias. Mas, junto com a prisão do governador do DF, José Roberto Arruda, e a ameaça de cassação do mandato de seu vice, Paulo Octávio, a cassação de Kassab causa uma fissura irreparável na imagem de seu partido, o Democratas.

Ironicamente um filho da ditadura que jura, atualmente, ser o fiel paladino da democracia em nosso país, o DEM (outrora PFL) estava, desde a eleição de Lula no plano Federal, vestindo a máscara da integridade, da dignidade e do respeito às contas públicas. Usava essa máscara para vociferar contra as corrupções cometidas pelo PT e seus aliados, posando como defensor inquestionável da moralidade pública.

É claro que muitos de seus membros têm um histórico de ilegalidades já comprovadas - vide o falecido "coroné" Antônio Carlos Magalhães - mas, com o apoio da mídia, vários desses fatos foram simplesmente jogados para baixo do tapete, em prol de uma imagem de inviolabilidade ética dos partidos que se opõem ao PT. 

Agora, contudo, acusações de improbidades administrativas atingem um nível que impede qualquer camuflagem: a corrupção escancarada do Governo Arruda e a ilegalidade das doações para a campanha de Kassab estraçalham, finalmente, a máscara da moralidade que a oposição vestia. O PSDB, é verdade, ainda atravessaquase intocável a situação presente  - sem dúvida, devido à sua habilidade de manter as acusações contra seus membros no plano da irrelevância, com suporte quase integral da grande mídia. Mas fica difícil acreditar que a queda da imagem de seu maior aliado não respingará na carapaça moralista do partido de José Serra.

A generalização da exposição das ilegalidades e casos de corrupção pode, quem sabe, enfraquecer uma forma individualizada de analisar a política, que teme em simplificar a questão da corrupção ao plano das personalidades individuais dos políticos - como se o problema se resumisse à constituição "naturalmente imoral" de alguns governantes, e de seus respectivos partidos. 

Ora, deveria ser mais do que óbvio que esse gravíssimo problema da política nacional não se resume à moralidade de seus agentes, tratando-se, antes disso, de um problema sistêmico. PT, PMDB, DEM, PSBD, PPS, etc, etc... uma vez que alcancem o poder, todos estão sujeitos às regras estruturais que o sustenta. Pouquíssima capacidade de manobra é conferida àqueles que procuram manter seus princípios éticos incólomes. Todos devem vender, ao menos parcialmente, sua moral para se adequar a tal sistema - indissociável, da forma como está estruturado, de atuações imorais aos olhos da população. 

Apenas uma reforma política séria, profunda e de grandes proporções - que estabeleça, por exemplo, o financiamento exclusivamente público das campanhas - poderá ter alguma chance contra a corrupção generalizada que, há  séculos, assola nosso país. Mesmo que não eliminemos o monstro tão cedo, é importante que, ao menos, o enfraqueçamos para viabilizar sua morte futura, privando-o das proteínas e carboidratos que o mantém tão saudável. As últimas ações da justiça, atuando sem diferenciar partidos e forças políticas,  criam boas esperanças nesse sentido (só para constar, o mesmo juiz que pediu a cassação de Kassab também acusou Marta Suplicy e o tucano Geraldo Alckmin pela mesma espécie de irregularidade das doações de campanha de 2008).

Pedro Mancini

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Minhas experiências no Carnval 2010 - Parte I

Um comentário:
Carnaval. Taí uma época em que me sinto totalmente deslocado - e sei que estou longe de ser o único. Com base nesse deslocamento que sinto, discutirei, nas próximas duas postagens, sobre minhas últimas aventuras nesse feriado surpreendentemente animado.

Iniciarei comentando sobre os desfiles das Escolas de Samba. Ao contrário de tempos da minha adolescência, em que só prestava atenção à distribuição de notas às escolas (devido a minha obsessão por números, talvez), nesse ano me forcei a prestar atenção a pelo menos alguns desfiles, do começo ao fim. Admito que fiquei surpreso com o grau de tecnologia e criatividade empregada em algumas alas e em carros alegóricos, mas o que mais me chamou a atenção foi o conjunto de fatores que me fez concluir que a análise de desfiles carnavalescos não compete a principiantes.

Não achei, por exemplo, o desfile da escola campeã do Rio, a Unidos da Tijuca, tão impressionante assim. Não entendi o sentido de uma ala inteira de super-heróis da Marvel e da DC Comics em meio ao carnaval brasileiro, e achei o carro alegórico que imitava um pavão bem fraquinho, assim como a ala dos mafiosos (com a idéia mais que batida dos "soldados da paz"). É claro que a escola também teve pontos muito fortes, incontestáveis: a criatividade e improvisação da comissão de frente, com seu ilusionismo, e carros alegóricos muito bem feitos, como aquele que simulava o incêndio da Biblioteca de Alexandria. Mas, para mim, esses pontos não necessariamente levariam a escola à vitória, dado os fatores que considerei negativos.


O pior é que, dentre as poucas escolas que acompanhei, aquela que achei mais interessante foi simplesmente a ÚLTIMA colocada!!! Prova final de minha absoluta ignorância carnavalesca. A Viradouro, com uma temática dedicada ao México, me surpreendeu ao discutir a trajetória da pintora Frida Kahlo, comunista e amante do intelectual e revolucionário russo Leon Trotsky, durante o exílio desse último. Para mim, foi interessantíssimo assistir um ator representar o próprio Trotsky em pleno Carnaval! A discussão trazida pela letra era de alto nível, e a Comissão de Frente soube representar com sucesso e beleza a biografia de Frida.

É claro que minha avaliação é parcial, pois o tema abordado se relaciona diretamente com meus interesses pessoais, culturais e intelectuais. Mas bem que seria bom escutar, com freqüência maior, sambas-enredo mais profundos, trazendo informações culturais mais densas. Assim, quem sabe, poderia me interessar mais pelos desfiles - apesar de seu profundo caráter mercadológico e midiático (representado, por exemplo, pelo enfoque direto, por parte da cobertura da Globo, numa tela voltada unicamente à propaganda, em especial a que exibia os três azulados da Tim). Mas o fato de a Viradouro ter ido tão mal a ponto de ser rebaixada do grupo principal não traz muitas esperanças a esse respeito...

Teria sido essa escola ousada demais em sua temática? Ou teria tão somente falhado em representar, técnica e formalmente, o tema escolhido? Fico na dúvida, como ignorante que sou no que se refere a conhecimentos carnavalescos.

Pedro Mancini   

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Mais sobre Brandão

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Para quem quiser saber um pouco mais sobre a vida política e acadêmica de Gildo Marçal Brandão, recomendo a última postagem de Luis Nassif. Segue uma parte do texto, retirado por ele da Folha de S. Paulo:

Morreu anteontem aos 61 anos o cientista político Gildo Marçal Brandão. Professor de ciência política da USP, ex-jornalista e ex-militante comunista, Brandão descansava com a família na praia da Baleia, em São Sebastião, quando sentiu-se mal e, por volta de 21h, morreu. Ele tinha uma cardiopatia grave e já fora submetido a cirurgia de revascularização.

Natural de Alagoas, Brandão graduou-se em filosofia pela Universidade Federal de Pernambuco. No final dos anos 70, veio para São Paulo, onde lecionou na Unesp e, em seguida, na Escola de Sociologia e Política, na PUC e finalmente na USP. Também era dirigente da Anpocs (Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais).


Pedro Mancini

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

Morre Gildo Marçal Brandão

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Além de ter sido meu professor na graduação, Gildo era pai de um colega de minha turma de mestrandos. Fiquei mais chateado ainda, porém, por conhecer a grande qualidade intelectual desse professor. Mesmo tendo assistido apenas uma disciplina ministrada por ele, anos atrás, percebi em suas exposições e em seus textos uma grande clareza e bom senso. A forma pela qual analisava questões políticas de suma importância para a História do Brasil era apaixonante e muito bem fundamentada, o que se refletia na boa qualidade de sua aula; e, mesmo assim, esse professor era um exemplo de simplicidade no trato pessoal e acessibilidade para os alunos, em um ambiente rodeado de maus exemplos - desde professores desinteressados, até sádicos do mais alto grau.

Sem dúvida alguma, profissionais de igual qualidade e tato sempre fazem muita falta quando partem.

Meus sinceros pêsames aos amigos e familiares desse excelente intelectual.

Pedro Mancini

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

A biografia de Xuxa pela ótica de uma brasilianista

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A indicação de leitura de hoje vai para o livro da americana Amelia Simpson, "Xuxa: The Mega-Marketing of Gender, Race, and Modernity" ("Xuxa: Mega-Marketing de Gênero, Raça e Modernidade").

Apesar de se tratar de uma observadora "outsider", externa à cultura brasileira, a autora traz reflexões interessantíssimas sobre a configuração da cultura midiática nacional, analisando, especificamente, a biografia da maior celebridade que a mídia verde-e-amarela já criou: "Xuxa", a eterna personagem de Maria da Graça Meneghel.

Como se não bastante os "insights" a respeito da adoração da figura da Xuxa, no Brasil, e sua função de conservação ideológica das presentes relações entre os sexos e as raças, a leitura da obra se Simpson é divertidíssima - especialmente para aqueles que, como eu, viveram nas "espetaculares" (em toda a acepção da palavra) décadas de 1980 e 1990. Sua acidez, seu senso de sarcasmo e sua brilhante capacidade de descrição, tanto de fotografias de época quanto da estrutura de operação dos programas apresentados pela "Rainha dos Baixinhos", garantirão não apenas reflexões profundas sobre nossa realidade e o poder da mídia na manutenção da ordem simbólica vigente, mas também boas risadas e uma certa (e contraditória) sensação de nostalgia.

Em alguns momentos, é certo, a autora parece "forçar" sua argumentação, permitindo, por parte do leitor, contestações sobre certas conclusões pontuais. Além disso, a obra causa um certo mal-estar ao transmitir a idéia de quer a figura de Xuxa nada foi além de uma grande construção simbólica: consciente e cuidadosamente forjada, nos seus mínimos detalhes, de modo a cumprir certas funções culturais de grande amplitude, Xuxa aparece como um ícone hiper-real, uma fantoche que serve a interesses ideológicos. Para Simpson, por exemplo, até mesmo a crítica constante sobre a problemática e paradoxal relação de Xuxa com os "baixinhos" - acusações de que ela seria ríspida com as crianças - seria fruto de uma estratégia dos "administradores" dessa figura simbólica, com fins de sexualizá-la (associando-a à figura de uma "moleca", uma "ninfeta" que, embora esteja no mesmo nível das crianças, é fortemente erotizada), afastando-a de qualquer identificação com uma "mãe protetora" assexuada e pueril.

Desse modo, a análise acaba por seguir uma linha pós-estruturalista que poderia ser aproximada a perspectivas inescapáveis sobre a realidade, como as de Michel Foucault e Jean Baudrillard. Em verdade, uma comparação entre o livro de Simpson e a obra de Baudrillard, "Simulacros e Simulação", é quase inevitável: aos olhos dos dois autores, torna-se impossível saber a diferença entre o "real" e o "irreal" - em verdade, o real aparece como morto, substituído pelo conceito de "hiper-real", uma distorção exagerada do real. No caso específico aqui tratado, como desvencilhar o que seria "verdade" sobre a história de Xuxa, daquilo que seria orquestradamente criado e gerido por homens por detrás das cortinas? Mais importante do que esse questionamento, o problema é que essa distinção parece ter perdido o sentido, já que torna-se impossível percebê-la.

Pessoalmente, acredito que esse tipo de abordagem contém sérios obstáculos para uma análise crítica propositiva sobre a sociedade moderna. Afinal, se a realidade morreu, perdida em meio à simulação, em que poderemos nos agarrar na luta pela mudança social? Vale a pena lutar, se tudo já está acabado? Essa luta existiria, ou seria mais uma luta simulada, em prol de um movimento maior, inquestionável e inescapável, sobre o qual não temos qualquer controle, mas apenas a ilusão de controle?

Salvo essas colocações, o livro não deixa de possuir inúmeros créditos, sendo de fato um convite à polêmica e ao mundo "hiper-real" potencializado pela mídia nos tempos contemporâneos. E isso, a despeito de a obra ter sido escrita ainda em 1994, e a imagem de Xuxa estar, hoje, muito reduzida, em comparação à Xuxa daqueles tempos. Podemos ainda pensar, por exemplo, se o atual enfraquecimento da imagem da personagem deve-se ao esgotamento da estratégia que a fundamentou, ou se, na verdade, Maria da Graça Meneghel, devido à sua idade e outras condições, simplesmente não pode mais cumprir o papel que lhe fora outorgado.

Seja como for, a saída foi a mesma: Xuxa converteu-se numa sombra do que já foi, apesar de fãs irredutíveis e histéricos ainda a apoiarem, a ponto de ser ridicularizada por seus comentários no Twitter e deter, na mídia, uma pequena fração do tempo comercial que já deteve em seus anos de ouro. A tendência, arrisco-me a dizer, é que sua imagem continue "em banho maria" até sua morte (que trará um fervor nacional provisório), para ser reutilizada de tempos em tempos, por alguns anos, em singelas homenagens, até, por fim, sua imagem sucumbir no esquecimento. O mesmo fim, aliás, que tiveram e provavelmente terão "astros" midiáticos efêmeros similares, como Michael Jackson e Britney Spears.

Pedro Mancini

*Obs: Fato curioso, e que torna difícil não suspeitar de conspirações midiáticas, é que esse livro tenha tido menos repercussão no Brasil (apesar de sua temática) do que no exterior. Hoje, ainda, a Playboy em que Meneghel posou nua hoje é artigo de colecionador, e tanto essa publicação erótica, quanto o filme ainda mais caliente "Amor, Estranho Amor" (claramente pedofílico) mal podem ser mencionados nos circuitos de TV e na mídia impressa. Aliás, o documentário da BBC que retrata a TV Globo sofreu similar falta de atenção, sendo resgatado, de modo pontual, apenas por seus inimigos diretos (leia-se TV Record), em tentativas para desgastar sua imagem. Provas de que nem mesmo imagens poderosas como as de Xuxa e da Globo, no Brasil, estão absolutamente isentas de tropeços e arranhões.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Postagem sobre identidade fragmentada em meio ao uso da Internet: Lauren Jones

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Econtrei, via o blog do jornalista-usuário do Second Life Wagner James Au, o New World Notes, uma postagem interessante sobre a fragmentação das identidades possibilitada pelo uso do computador. Nela, há uma interessante analogia entre a forma como atualmente as pessoas mais conectadas à rede administram seus papéis sociais pelo computador, por um lado, e o Sistema Operacional Windows (com sua separação "multi-tarefária" via janelas), por outro. Essas metáforas, por sua vez, foram buscadas no livro da autora Sherry Turkle, intitulado "Life On The Screen"("A Vida na Tela").

A tradução é minha, e foi adaptada para aqueles que não estão tão envolvidos com o mundo virtual. Como não sou nenhum especialista em traduções, ela não deve estar essas coisas, mas valeu a tentativa (quem quiser opinar a respeito, sugerir alterações na forma da tradução, sintam-se livres, ok?)...

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Pelos anos em que tenho sido usuária de computador, ouvi com frequência – assim como vocês também devem ter ouvido – que as pessoas se valorizam excessivamente, especialmente desde o advento da Internet. De fato, desde o surgimento da Internet, as pessoas estão, progressivamente, investindo maiores porções de si em suas vidas cibernéticas, imputando-as um peso igual àquele conferido à parte mais convencional de suas vidas. Isso pode ser difícil para algumas pessoas engolirem e, como sempre, correntes da Internet surgiram para ridicularizar toda a ideia. Essas correntes podem ser consideradas derivadas do pensamento “negócio sério” (da sigla “SRS BNSS”, derivada da gíria “Serious Business”, usada para qualificar aqueles que levam as coisas excessivamente a sério), é claro.

Em certa medida, pode-se ver porque, historicamente, as pessoas desenvolveram esse tipo de idéia. Até muito recentemente, a Humanidade era algo como uma entidade "unitarefária". Nós podemos atuar em papéis diferentes em tempos diferentes (por exemplo, sermos parente, professor, criança, vilão, pirata espacial, e assim por diante) mas, na prática, nós interpretamos esses papéis um de cada vez, em série.


Na geração moderna, a Humanidade se transformou em um processador paralelo de multi tarefas. Nós não mais vivemos nossas vidas em séries, mas, ao invés, em paralelo, alternando entre janelas, para que possamos gerir existências paralelas e cumprir tarefas paralelas. Observem a imagem abaixo (eu fabriquei essa imagem simplesmente como ilustração, mas ela não está inteiramente distante da verdade, como irei explicar).

Nessa captura da minha área de trabalho, você pode ver que ao invés de estar simplesmente cuidando de uma tarefa por vez, eu estava, na verdade, cumprindo múltiplas tarefas simultâneas. Não há nada de novo nisso, é claro; pessoas são multifacetárias há muito tempo. Mas observemos a imagem mais de perto. O Second Life estava aberto, onde me envolvia numa discussão maluca no “infocuboAhern. Estava com o Skype online” e conversando pelo fone de ouvido com um familiar. Estava com o Facebook aberto, conferindo as mensagens. Estava editando uma imagem para enviar a um amigo por e-mail. Estava rodando o EVE Online na tela mais a fundo, programa que estou atualmente explorando para contribuir em um blog futuro. Estava com o Publisher 2007 aberto enquanto deixava algum trabalho pronto para a próxima semana. Estava com o sítio da BBC aberto, para checar as notícias do dia. Para além da tela, estava com meu computador portátil rodando enquanto eu (meio que) assistia um DVD ao fundo. Então, exatamente no mesmo instante, eu era uma exploradora cibernética, uma familiar, uma “networker” social, uma funcionária, uma pirata espacial, uma blogueira e uma fã de um dado filme. Cada um desses papéis requer um certo modo de pensar, e estamo-nos tornando marcadamente adeptos da manutenção dessas vidas paralelas. Alguns escritores atribuem esse fato à introdução do Windows como um sistema operacional. Em certo sentido, a idéia de um sistema operacional que processa, paralelamente, múltiplas tarefas é exatamente do que estamos falando. Sherry Turkle tinha isso a dizer em seu livro, “Life On The Screen”.

O desenvolvimento de janelas para interfaces de computador foi uma inovação técnica motivada pelo desejo de fazer as pessoas trabalharem mais eficientemente por meio da circulação por diferentes aplicativos. Mas na prática diária de muitos usuários de computador, as janelas tornaram-se uma poderosa metáfora para se pensar sobre o self como um sistema múltiplo, distribuído. O self não está mais apenas interpretando diferentes papéis, em configurações e tempos distintos, algo que uma mulher experimenta quando, por exemplo, ela se maquia como amante, prepara o café da manhã como mãe, e dirige até o trabalho como advogada. A vida prática de janelas é a de um self descentrado, que existe em muitos mundos e interpreta muitos papéis ao mesmo tempo. No teatro tradicional e em “role-playing games” com interpretações físicas, pode-se adentrar ou sair da personagem; MUDs, em contraste, oferecem identidades paralelas, vidas paralelas. A experiência desse paralelismo encoraja um surpreendente grau de igualdade no tratamento das vidas de dentro e de fora da tela. Experiências na Internet estendem a metáfora das janelas – agora a "Vida Real", em si, como Doug disse, pode ser “apenas mais uma janela”.

É claro que pode e deve existir debate sobre em que medida isso se traduz em um desenvolvimento positivo ou negativo, mas, de todo modo, isso é como as coisas são atualmente, e eu não sinto que irão mudar tão cedo.
Acho igualmente fascinante que mais e mais cibernautas estejam percebendo que suas presenças em espaços múltiplos devem ser estudadas e geridas. Grupos como “Transworlders” são um dos desenvolvimentos interessantes nesse sentido, sobre o qual devemos manter os olhos abertos.
Como uma nota pessoal, também acho fascinante que, conforme o tempo passa, perceba cada vez mais que sou a mesma pessoa, não importa para onde vá. Os vários pedaços de mim, que se espalham por múltiplos espaços, na verdade não são nada mais que meu self descentrado. E ISSO é que é, realmente, o “negócio sério”.

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Observação: As opiniões expostas nessa traduzão não refletem, necessariamente, minha opinião pessoal, e nem podem ser confundidas com interpretações de cunho acadêmico (assim como minhas próprias postagens!). De toda forma, porém, trazem provocações que não podem ser ignoradas por aqueles que pretendem estudar as complexas relações entre a administração de identidades pessoais e a Rede Mundial de Computadores.

Pedro Mancini