quarta-feira, 26 de maio de 2010

Sobre o acordo diplomático Brasil/Turquia/Irã: obstáculos simbólicos à guerra

Um comentário:
Afinal, a atuação diplomática do Brasil e da Turquia, frente à questão nuclear iraniana, pode ser contabilizada como vitoriosa ou não?

Na tentativa de responder a essa pergunta, a mídia parece ter-se esquecido algumas ocorrências de um  passado recente, ao meu ver imprescindíveis para a compreensão do acontecimento. Como bem se sabe, a gestão Bush foi responsável pela agressão militar americana a dois países estrangeiros  (o Afeganistão e o Iraque), que seria, em tese, uma reação contra o ataque terrorista contra as Torres Gêmeas, em 2001. É claro que, até agora, o homem apontado como responsável por esse ataque (Bin Laden) não foi encontrado, tampouco qualquer relação entre ele e o Iraque do já executado Saddam Hussein.

Às vésperas da invasão americana do Iraque, lembro-me razoavelmente bem das pressões que o Conselho de Segurança da ONU fizeram contra seu governo, para que esse provasse definitivamente não possuir qualquer arsenal nuclear ou químico e nem deter qualquer intenção de agredir militarmente seus vizinhos. Jogando com a ameça de invasão iminente ao seu país, Saddam adotou uma atitude ambígua, em que provocava os americanos e, ao mesmo tempo, acatava as pressões da ONU, desarmando seus mísseis. Com essa última atitude, procurou adiar o inevitável - os EUA entraram definitivamente em Bagdá, mesmo sem a aprovação da ONU e com forte resistência de países de peso, como França, Alemanha e Rússia. Pagando o preço do grande desgaste da imagem de seu país perante o resto do globo, George Bush fez valer seus interesses geopolíticos e econômicos mais imediatos, tomando posse dos poços de petróleo iraquianos com um apoio interno conquistado mediante essa suposta "Guerra ao Terrorismo" (baseada na ideia "orwelliana" de que a guerra garantiria a paz para as terras estadunidenses).

Não creio que a situação seja muito diferente agora, com relação ao Irã. É óbvio que tal país, governado por uma elite teológica, está indo na contramão dos interesses ocidentais, e que poderia facilmente ser alvo de mais uma incursão militar americana: seria necessária apenas uma justificativa plausível, que associasse a imagem de Teerã a uma ameaça mundial, e a existência de um programa nuclear cumpriria perfeitamente esse papel.

Assim como Saddam no passado, Mahmoud Ahmadinejad também  têm de administrar a perigosa situação de garantir a autonomia de sua Nação frente ao Ocidente enquanto os EUA mantém uma faca  em seu pescoço. Adota, concomitantemente, uma postura de provocação ao Ocidente e de adoção de medidas para fortalecer seu país (como o próprio Programa Nuclear) e de procura, pela via diplomática,  de um acordo que adie qualquer intervenção militar dos países aliados.

Nesse sentido, não devemos ser ingênuos: é óbvio que o acordo entre Irã, Turquia e Brasil não irá garantir, permanentemente, a segurança do país dos Aiatolás. Mas nem por isso tal acordo deixou de ser extremamente bem sucedido, por mais que a oposição discorde: o Brasil fez sua parte para conter a crise e buscar uma solução não-militar para a questão, ao menos a curto prazo.

Em outras palavras, se os americanos almejarem invadir Teerã em breve, terão como obstáculo em acordo internacional legítimo; apenas desmoralizando ou simplesmente quebrando o acordo firmado, eles terão legitimidade para atacar. Isso não significa - como a gestão bem Bush demonstrou - que os EUA não podem chegar ao ponto de atropelar qualquer resolução internacional pelos seus interesses; mas creio que o Sr. Obama esteja muito mais preocupado com a imagem internacional de seu país do que seu predecessor. Logo, a hipótese de um ataque nos meses vindouros fica muito mais remota, restando apenas a opção de desmoralização do acordo - objetivo que a Ministra de Estado Hillary Clinton tenta, desesperadamente, alcançar.

Não me surpreende, portanto, as atitudes demonstradas por autoridades americanas e israelenses. Estão simplesmente jogando por seus interesses geopolíticos e ideológicos, disfarçados pela preocupação com a "ordem mundial" - como se esta estivesse mais ameaçada com o programa nuclear iraniano do que com as milhares de ogivas que possuem, somadas, as nações mais poderosas do mundo - compostas tanto de aliados quanto de inimigos relativos da hegemonia americana (Rússia, China, França,Israel, Índia, etc.).

Para quem queira se interessar pela distribuição do "clube nuclear" pelo globo, pode dar uma espiada no mapa a seguir, com uma estimativa sobre o número de ogivas presente em cada país:


Pedro Mancini




quinta-feira, 13 de maio de 2010

Ressalva e explicações sobre a ausência

Um comentário:
Depois de um bom tempo sem escrever, venho apenas fazer duas observações: uma a respeito da última postagem, e outra, sobre a demora nas publicações.

Sobre o primeiro  ponto, acho que não ficou claro um aspecto da minha argumentação: quando critiquei algumas formas de análise política, não me referia a  interpretações de analistas propriamente ditos - cientistas políticos, por exemplo. Só depois percebi que poderia ter sido infeliz usar o termo "análise", por conta desse possível mal entendido. Ao contrário, critico as perspectivas do senso comum, ao pessoal que assiste Jornal Nacional e usa apenas informações superficiais para formar sua opinião política, com base nos critérios distorcidos que mencionei.

Feita essa ressalva, aproveito esse espaço para expor minha insatisfação com minha total falta de vida social (assim como a falta de presença no blog). Como  meus maiores chegados bem sabem, estive enroladíssimo com minha dissertação de mestrado, tendo que elaborar o relatório de qualificação. A situação tende a melhorar um pouco agora, para, daqui a um mês, voltar a piorar... e então melhorar novamente! (Assim espero...)

Enfim, gostaria de pedir sinceras desculpas a todos os amigos e familiares que tive que negligenciar por conta dessa agitação. Quem ler essa postagem saberá que é com ele mesmo que falo... Hehehe!!

Espero compensar esse isolamento e essa negligência enquanto ainda é tempo de não ficar, mais uma vez, enrolado com meus estudos!

Pedro Mancini


segunda-feira, 3 de maio de 2010

Alguns vícios da análise política contemporânea

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Em mais um ano eleitoral, estou cada dia mais chocado com a tendência à radicalização e a observações eleitorais viciadas.

 
Muitas das tendências de avaliação política atuais, como uma perspectiva intimista e personalista da vida pública, já foram percebidas por sociólogos como Richard Sennett em meados da década de 90; não são, portanto, uma grande novidade. Esses modos de pensar obscurecem visões mais racionais, baseadas na análise de planos de governo e propostas de políticas públicas. São, em suma, vícios que prejudicam a democracia e a civilidade. Analiso, aqui, e de forma apenas exploratória, um desses grandes vícios: uma visão da política que chamarei de "pessoal intimista", preocupada com um destrinchamento da vida privada, e até íntima, dos candidatos em questão.

 
Muitos eleitores pensam em seus candidatos apenas a partir de sua personalidade – ou melhor, de uma imagem idealizada do que SERIA essa personalidade, baseada em conhecimentos de fatos pontuais. Além de potencialmente irracional - por se pautar, muitas vezes, em uma IMPRESSÃO inconsciente sobre o candidato -, reproduzindo, de modo acrítico, preconceitos de classe inculcados em nosso inconsciente, essa forma de interpretação tende a simplificar o debate e obscurecer outros aspectos, que deveriam, esses sim, ser fundamentais nas escolhas políticas. Propostas de governo defendidas pelo partido do candidato ficam, com o domínio dessa perspectiva intimista, relegadas a um segundo plano.

 
Em outras palavras, essa forma de interpretação do quadro eleitoral peca por pressupor, intrinsecamente, que o candidato governará sozinho, contando apenas com seu "caráter", sua "personalidade". Assim, separamos os candidatos entre "honestos" e "íntegros", "bons" ou "mau caráteres", bem ou mal intencionados. Para tanto, focamos em sua "cara", em sua postura, em seus hábitos mais privados. Assim, Lula pode se ver reduzido a um "cachaceiro", a um "analfabeto ignorante", que, por essas características, merece meu repúdio. FHC, por outro lado, será avaliado como um "intelectual" que, "naturalmente", governa de forma racional e inteligente. Sob essa perspectiva, quem liga para as idéias por detrás da personalidade dos candidatos? Quem liga para as plataformas políticas, para os planos de governo, para a ideologia representada pelo partido representado pelo político? E para os resultados dessas políticas? Muito se perde com essa redução patética à personalidade (ou impressão de personalidade) dos candidatos a cargos públicos.

 
Essa personalização pode se manifestar tanto em avaliações positivas, quanto negativas: assim, o governo Lula pode ser bem avaliado porque "Lula é um de nós", ou a Dilma pode ser má avaliada, como possível governante, ao ser taxada de "criminosa" ou "terrorista" por ter lutado contra a Ditadura décadas atrás.

 
Essa, aliás, é outra grande ferramenta da simplificação e deturpação do debate político: a descontextualização. Aliada à avaliação personalista-otimista, a retirada dos fatos de seus contextos originais pode acarretar em resultados especialmente catastróficos. O exemplo mais atual, sem dúvida, é a agressão pela qual a candidata Dilma Roussef tem passado, nos últimos meses: por ser uma mulher de "personalidade forte" e de esquerda, que militou em um grupo mais radical durante a Ditadura Militar, ela tem sido avaliada, por setores mais radicais da classe média, como uma simples terrorista criminosa (perdoem-me pela redundância). Ora, a descontextualização é aqui óbvia: ignora-se a falta de legitimidade de um governo militar que torturava e assassinava seus opositores nos porões de prédios públicos, tratando aqueles que resistiam a essa estrutura como criminosos comuns. Como a própria Dilma já disse, naquele período era heróico enfrentar o regime – fosse mentindo para as autoridades, com fins de proteger colegas militantes, fosse resistindo militarmente. O contexto ERA de radicalização – tanto da direita, quanto da esquerda. Não havia, praticamente, possibilidade de resistir pacificamente: quem o fazia, era perseguido, preso e morto, como o jornalista Vladimir Herzog.

 
É claro que a mesma forma de violência nunca se justificaria nos tempos atuais, com instituições democráticas melhor estabelecidas, que permite a existência de oposições institucionalizadas. Mas transplantar os comportamentos políticos de uma época de exceção para os tempos atuais, condenando militantes da esquerda como se fossem simples criminosos, é simplesmente um jogo baixo e sujo demais – e mais um mecanismo de deturpação política, usado para justificar preconceitos ideológicos e de classe ulteriores. Seria ingênuo demais acreditar que o Brasil teria todos os seus problemas políticos resolvidos, se tais mecanismos (a análise "pessoal intimista" e a descontextualização, entre outros que não tratei no presente texto) deixassem de ter tanto peso na hora da análise e da decisão eleitorais; mas, sem dúvida alguma, seríamos um pouco mais racionais em nossas escolhas.

 
Pedro Mancini