quarta-feira, 5 de outubro de 2011

O jornalismo estúpido da Record

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Durante as últimas eleições, o papel da Rede Record de Televisão foi, em certo sentido, visionário. Destoando do monólogo usualmente estabelecido pelos principais meios de comunicação no Brasil (vulgarmente chamados de "PIG", uma sigla bem-humorada para "Partido da Imprensa Golpista"), com seu apoio integral às forças políticas liberais (na época, representadas mais diretamente pelo candidato José Serra), a emissora protagonizou uma cobertura mais favorável à candidatura Dilma Rousseff. Caiu, dessa forma, nos braços de boa parte da esquerda pró-PT.

Ao ignorar o fato de o alinhamento político-ideológico da emissora ser meramente circunstancial - e pautado por interesses próprios, que podem se alterar em outros contextos -, muitos passaram a proteger a rede do milionário Edir Macedo, evitando tecer críticas relevantes a posturas  condenáveis.Extasiados com a atuação de jornalistas histriônicos como Paulo Henrique Amorim, com sua (justíssima, de modo geral) cruzada contra a hipocrisia de tucanos e "democratas", e com reportagens pautadas em denúncias contra o "poderoso chefão" do futebol, Ricardo Teixeira, e contra a Revista Veja (saco de pancadas de todos os que tenham um mínimo de bom senso), muitos dos que adotam uma postura de oposição a emissoras como a Rede Globo isentam a Record do mesmo linchamento moral. Parece que os apontamentos feitos pelo aclamado documentário "Muito Além do Cidadão Kane", desenvolvido pela BBC de Londres, tornam a Globo a única "vilã" significativa entre as redes de comunicação brasileiras - e qualquer concorrente comercial torna-se automaticamente "heróina" da batalha contra o Golias da mídia nacional. 

De fato, os constantes conflitos entre a toda-poderosa Rede Globo e a TV Record são notórios. Em 2009, por exemplo, a rivalidade entre as emissoras transpareceu na cobertura jornalística de ambas, que recorreram a mútuas campanhas de difamação. Os ânimos atuais estão menos inflados; ainda assim, as redes continuam a a competir pela audiência, mesmo que a liderança da Globo ainda seja inquestionável (na ampla maioria dos horários).

Apesar de sua postura de contraposição à corporação da família Marinho, acompanho a avaliação de alguns jornalistas, menos entusiasmados com os atuais alinhamentos políticos da Record,  de que sua cobertura jornalística é, em muitos aspectos, AINDA pior e mais manipuladora do que a de outras redes, incluindo a Globo. Os críticos da emissora do velho bispo Macedo já perceberam sua disposição pela imitação descarada do formato da emissora da família Marinho; mesmo os nomes dos programas são extremamente similares. O "Domingo Espetacular" é uma imitação descarada do velho "fantástico"; o "Repórter Record" copia o "Globo Repórter", e o "Hoje em Dia" inspira-se no "Bom Dia Brasil", entre outros nítidos exemplos. 


Mas esse não é o maior dos problemas. Nem mesmo critico (ao menos nessa postagem) o fato de a emissora Record ser gerenciada por um magnata religioso. O assunto do dia é o próprio "método" de comunicação com o telespectador. A despeito de suas eventuais atuações políticas de conteúdo, em geral o dia do jornalismo da Record parece um Cidade Alerta sem fim. A todo momento, o telespectador é bombardeado por notícias policiescas cotidianas - desde o jornal matinal até os que preenchem o horário do fim de noite. Mesmo em programas matinais que misturam bate-papos descontraídos com proto-celebridades, receitas de bolos e dicas de estética, costumam-se vincular notícias sobre atropelamentos e até brigas de vizinhos como se fossem casos de repercussão internacional!

Na emissora, parece que a vida cotidiana torna-se, mais do que nunca, um grande espetáculo, de caráter nefasto na maioria dos casos, quando assassinatos e situações mais escabrosas são explorados à exaustão. É claro que notícias mais relevantes ao conjunto da sociedade, como as de caráter político e econômico, são as primeiras a perder tempo e espaço com a ênfase exagerada no micro cotidiano. Afinal, como o modismo dos "realities policiais" (em que as ações das forças de segurança estaduais são registradas e exibidas aos telespectadores) aponta, é muito mais interessante e "rentável" para a televisão destacar a vida como um exitante e dramático filme de ação, suspense e terror, narrado por preocupados e indignados apresentadores de telejornais. Há aqui algo ainda mais digno de nota na abordagem jornalística da Record: reparem que, no momento em que as notícias são transmitidas, os apresentadores fazem-nos o "favor" de serem "representantes" de nossos sentimentos, indignações e agonias. Ao fim de cada narrativa de uma mãe que afogou o filho ou de um rapaz que assassinou a namorada e estourou os miolos em seguida, as graciosas apresentadoras do Jornal da Record balançam suas cabecinhas em um sinal de reprovação, seguindo uma frase do tipo "que horror, né gente?" (apenas para que sua colega abra um sorrisão, anunciando a entrada da Rodada do Brasileirão na pauta do Jornal). Ao telespectador, não resta sequer tecer suas próprias emoções, após uma interpretação mínima da situação apresentada, sendo-lhe já fornecida a forma mais "apropriada" de manifestação emocional.

A equipe do Jornal Nacional, da Rede Globo, já foi criticada por tachar o telespectador médio brasileiro de "Homer Simpson", em referência ao ignorante e facilmente manipulável personagem criado por Matt Groening. Mas o que pensa de seu público uma emissora que, além de mastigar a notícia de modo a torná-la mais "digerível" por esse suposto "telespectador médio", manipulando e mascarando a  realidade em suas transmissões, ainda enxerga-o como incapaz de até mesmo manifestar suas próprias emoções de modo minimamente autônomo?

Pedro Mancini