sexta-feira, 16 de abril de 2010

Sociólogo descobre a civilização de Warcraft

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Desenvolvo um assunto um pouco menos polêmico hoje, mas sobre o qual tenho interesse acadêmico mais imediato. Já me recomendaram, inclusive, me aprofundar sobre esse tema em minha dissertação.

Trago, por isso, a tradução de uma postagem de um blog em inglês, que destaca o desenvolvimento de uma análise sociológica sobre a chamada "Civilização Warcraft". Desconheço a qualidade do estudo discutido; à primeira vista, me parece uma "viagem" à lá Pierre Lévy  (tanto que foi em seu Twitter que descobri o link do original em inglês), muito filosófica e com grandes pretensões de antecipação do futuro "de toda a civilização ocidental". Mesmo assim, trata-se de uma das inúmeras possibilidades de interpretação do vasto universo representado pelas novas redes de interação propagadas pela Internet, e que demonstra o quanto ainda falta ser estudado.

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Sociólogo descobre a civilização de Warcraft

O sociólogo William Sims Bainbridge, conhecido por seu  trabalho de exploração da Sociologia da Religião, publicou um novo livro intitulado "A Civilização Warcraft: Ciências sociais em um mundo virtual". Uma abordagem estranha demais? Given Bainbridge é um membro fundador de uma organização pró-vôo espacial, conhecida como Ordem dos Engenheiros Cósmicos, um nome propício para uma guilda de World of Warcraft, então essa pode ser uma viagem não tão louca assim.

 Segue a descrição da editora sobre seu último trabalho:

"World of Warcraft é mais que um jogo. Não há objetivo final, nenhuma mão vencedora, nenhuma princesa a ser resgatada. WoW contém mais de 5000 aventuras possíveis, jogos dentro do jogo, e abrange centenas de reinos paralelos separados (por servidores de computador, cada um suportando 4000 jogadores simultaneamente). WoW é um mundo virtual envolvente, dentro do qual as personagens devem sobreviver em um ambiente perigoso, assumir identidades, lutar para entender e se comunicar, aprender a usar tecnologia, e competir por recursos escassos. Para além da fantasia e da ficção científica, conforme muitos notaram, isso não difere totalmente do mundo de hoje. No "A Civilização Warcraft", o sociólogo William Sims Bainbridge vai mais longe, argumentando que WoW pode ser visto não apenas como uma alegoria dos tempos de hoje, mas também como um protótipo do amanhã, de um futuro humano real, no qual grupos similares a tribos vão se engajar em combates por recursos escassos, construir alianças temporárias na base de interesses pessoais mútuos, e buscar um conjunto de valores que transcendem a necessidade da guerra.

Bainbridge explorou diretamente o universo complexo de Warcraft, passando mais de 2300 horas por lá, criando vinte e dois caracteres de todas as dez raças, as dez classes, e profissões variadas. Cada capítulo começa com a narrativa de uma personagem, e então continua a explorar um tema social mais amplo - como religião, aprendizado, cooperação, economia, ou identidade pelas lentes da experiência dessa personagem.

O que torna WoW um lugar especialmente bom para buscar insights sobre a civilização ocidental, de acordo com Bainbridge, é que ele liga passado e futuro. É fundado na tradição cultural ocidental, e ainda antecipa os mundos virtuais que poderemos criar em tempos vindouros".

Estou genuinamente curioso sobre os conteúdos do livro, se um sociólogo pode percorrer a Civilização Warcraft para estudá-la por mais de duas mil horas, apenas para descobrir a curva de Bell da insanidade.


Pedro Mancini (tradução da postagem do blog MMOCRUNCH, escrita por Fabian e datada de 05/04/2010)





sábado, 3 de abril de 2010

Marcelo Dourado e a vitória do politicamente incorreto

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O resultado da última edição do BBB, assim como outros fenômenos menos explosivos do universo televisivo brasileiro, fazem-me escrever mais uma postagem sobre aparentes futilidades.

Como todos já devem saber, um tal de Dourado foi o vencedor da última edição do programa global. Mais polêmico entre os confinados, ele ganhou notoriedade por adotar um discurso considerado machista e homofóbico, afirmando que bateria em uma mulher "se ela fosse homem", e que apenas homossexuais transmitem o vírus da  AIDS. Mesmo assim, não apenas consagrou-se vitorioso, como mobilizou toda uma parcela da população a seu favor - tanto homofóbicos que denunciavam a existência de uma "heterofobia" entre a sociedade, quanto aqueles mais "ingênuos", que apenas conclamavam que Dourado era uma pessoa simples e sincera, com todo o direito de cometer alguns erros.

É sempre assustador saber que existem pessoas do primeiro tipo, que adotam Dourado como uma espécie de paladino da heterossexualidade contra a "contaminação" do mundo pelos homossexuais. Contudo, é a segunda parcela  que citei que mais prendeu minha atenção: os defensores de Dourado como "ícone da espontaneidade", da sinceridade e da simplicidade. Alguém como nós, com seus defeitos, mas que não adota uma postura hipócrita, sem, em outras palavras, se maquiar como um modelo de perfeição a ser admirado e seguido. Uma espécie de herói sincero, "sem nada a esconder", em meio a um bando de falsos hipócritas. Como pretendo mostrar, acho que as duas formas de pensamento possuem uma relação estreita e perigosa, por mais que tentem escamoteá-la.

Na mesma hora, associei esse discurso da sinceridade, da espontaneidade e da imperfeição a uma perspectiva adotada por amplos segmentos da mídia, em especial o especializado em humor, e reproduzida por sua audiência: um ataque (ou contra-ataque?) à tudo aquilo considerado "politicamente correto".

Cito, como ilustração, o problema que o humorista do CQC, Danilo Gentili, teve recentemente, após deixar escapar uma piada considerada racista em sua conta do Twitter (e estragar ainda mais a situação na tentativa de seu remendo). Como respostas às inúmeras críticas que recebeu, vociferou contra os chamados "politicamente corretos", um bando de hipócritas que adorava achar pêlo em ovo e melar o sentido das piadas sobre estereótipos sociais.Não tardou para que dezenas de milhares de simpatizantes aderissem ao coro do politicamente incorreto encabeçado por Gentili.

De fato, é notória a existência de grandes hipocrisias em meio à população, que servem como carapuça de camuflagem para escamotear preconceitos em geral. Pessoas que expressam seus valores de uma forma, mas pensam, em seu íntimo, de outra; que agem contrariamente ao que defendem. Contudo, isso não deve, de forma alguma, ser confundido com a simples existência de valores morais reais que orientam nossas condutas e julgamentos. Valores a serem defendidos em prol de uma visão ideal de convívio social harmônico - em prol de uma Humanidade que aceite e convive com inúmeras diferenças individuais.

O perigo maior, perpetuado pelos que vociferam contra o politicamente correto, é a possibilidade de defesa do DIREITO de sermos preconceituosos, junto a  uma BANALIZAÇÃO da violência e da intolerância. Partindo-se do pressuposto dos "politicamente incorretos", de que somos tomos imperfeitos ou hipócrias, qual seria o problema de contarmos uma piada racista, ou de sermos um pouco homofóbicos ou machistas? Ninguém é perfeito, ou melhor, somos todos imperfeitos, imorais, intolerantes. Caso não admitamos essa imperfeição, não passamos de porcos hipócritas. Para quê não admitir isso de vez, não tomar os pequenos defeitos morais naturais e absolutamente compreensíveis? É a naturalização da ignorância.No limite, todos podem se sentir à vontade para erguer suas bandeiras de intolerância e segregação.

Bem, o "politicamente correto" que defendo não é a ocultação dos preconceitos, o fingimento de que eles não estão entre nós - isso, sim, é hipocrisia. Muito pelo contrário, acredito que devamos não apenas admitir a existência do preconceito e da intolerância em todos os níveis da sociedade, mas expô-la aos olhos de todos, mas para que possamos COMBATÊ-LOS, e não naturalizá-los e legitimá-los. Se somos todos moralmente imperfeitos, que tal nos mobilizarmos para mudar essa situação, aprimorando nossos  valores?

A vitória de Marcelo Dourado no BBB, assim como permanentes reações contra qualquer tentativa de combate à intolerância e ao preconceito, são, para mim, parte de um mesmo e trágico movimento. Não caminhamos rumo a uma nova radicalização DE FATO, pois os intolerantes sempre existiram; mas, com a expansão de certos direitos dos excluídos, como maior aceitação dos homossexuais em alguns níveis sociais, e com a expansão do "politicamente incorreto", há uma reação contrária que tende a revelar intolerâncias outrora mais sutis. A defesa pelos valores dos agrupamentos mais favorecidos ressurge como se os últimos fossem "oprimidos" pelos Direitos Humanos e por um mundo (em tese, e muito menos na prática) mais "politicamente correto". Os intolerantes hoje são vítimas auto-intituladas, chegando ao ápice de apontar para a existência de uma "heterofobia" (?) em meio à população.

Não há outra palavra para descrever esse movimento, portanto, senão como sendo reacionário.Brotando de todos os lugares, retirando suas máscaras de aceitação, admitindo a possibilidade de serem o que são, os intolerantes indiscretos e sua aceitação social são uma reação à divulgação de valores universais que preconizam e ensaiam a expansão de certos direitos à camadas menos incluídas. Vide a forte reação, de vários setores, contra a divulgação do último Plano Nacional de Direitos Humanos.

Uma  contra-reação generalizada, diga-se de passagem, que copia fórmulas do passado, adaptando-as ao presente. Nada de novo em si: como todos os movimentos reacionários em geral, o que há é um temor e um desprezo pelo Outro, pelo diferente, e o enclausuramento em um mundinho comunitário utópico de "iguais", uma defesa do Nós contra qualquer perspectiva de universalização de direitos: o mundinho dos heterossexuais contra os homossexuais, dos brancos contra os negros, dos cidadãos de uma nação contra os imigrantes, dos ricos contra os pobres (e vice-versa, para todos os casos)...

E você aí em casa, achando que a humanidade evoluiu muito, produzindo IPods em série. Por vezes ainda me sinto na Idade Média.

Pedro Mancini