sábado, 2 de novembro de 2013

Viagem ao Peru, 2a parte: Nada menos do que caos

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       Admito que fui abatido pelo primeiro dia de viagem. A chateação começou assim que desci do avião de São Paulo para Lima, após uma viagem bem sossegada, que havia me trazido boas impressões sobre a companhia Taca – pelo que entendi, recentemente adquirida pela Avianca. Os fones de ouvido distribuídos eram bem modernosos, o lanche era gostoso, e o atendimento, em geral, foi muito bom. Também tive um bom papo com duas senhoras brasileiras que sentavam-se nos assentos ao lado, quando aproveitei para pegar algumas dicas de uma senhora que já estivera no peru: por ela, soube que poderia comprar um remédio em qualquer farmácia do país para amenizar os efeitos da altitude. Sinto-lhes, mas não me recordo do nome do milagroso comprimido, mas todos no Peru devem conhecê-lo. 


       Mas voltemos às minhas frustrações: meus amores pela companhia aérea e pela viagem em si acabaram abruptamente assim que retirei a mala que carregava da esteira do aeroporto local: a mesma havia sido danificada naquilo que mais me chamou a atenção – o cadeado com combinação numérica. Com meu torpe portunhol, reclamei no balcão apropriado; a empresa me ofereceu vinte dólares de compensação. Fiz um chororô por mais, sem sucesso... E foi aí que percebi que a mala foi danificada em mais de um lugar: de algum modo, conseguiram amassar as maciças barras de ferro que permitiam que a alça levantasse. Com isso, me ofereceram mais dez dólares de compensação, como se me fizessem um grande favor. Mas já estava deveras cansado para argumentar e brigar em um país estrangeiro por mais alguns dólares, pouco entendendo daquilio que falavam... e só pude lamentar por quebrar minha promessa de manter a mala intacta, para devolvê-la à amiga que ofereceu-a de tão bom grado. Teria que arcar com o peso de dar-lhe as notícias e fazê-la se arrepender de ter me emprestado o equipamento, apesar de meus compromissos pelo conserto.

       Essa não foi a única frustração que sofri em Lima. Aguardando o embarque para o próximo voo, em direção a Cusco, sofri outro baque: a cinco minutos do embarque, a viagem foi sumariamente cancelada pela companhia. O caos instaurou-se: os passageiros ficaram revoltados com a postura dos funcionários, que alegaram não poder liberar o voo por motivos meteorológicos, enquanto outra empresa aérea local (a Lan) continuava a despachar pessoas para a antiga capital inca. Bate-boca em um espanhol bem rápido e bem nervoso: eu, assim como outros turistas estrangeiros, forçávamos nossos ouvidos e cérebros para compreender ao menos uma parte do que ocorria. Eu conversava com dois casais de brasileiros para compartilhar minha falta de habilidade com a língua local. 

       Na briga que se estendeu por mais de duas horas, a companhia afirmava não ter responsabilidades sobre oa contecimento, enquanto os passageiros mais assertivos exigiam que ela assumisse a parcela que lhe cabia naquele latifúndio e garantisse novas passagens para as próximas horas. Impossibilitado de ajudar na disputa por razões linguísticas, fui mais uma vez obrigado a contar com o Outro para, enfim, ver minha hospedagem em um hotel de Lima assegurada pela companhia, que garantiu novas passagens para Cusco na manhã seguinte. Ok, mais uma noite sem dormir: mas a tranquilidade de que, mais cedo ou mais tarde, alcançaria territórios incas. 
Em comboio, eu e os outros cansados passageiros seguimos para um Hotel numa área relativamente afastada do aeroporto: demoramos mais de meia hora para chegar de van, após muitas horas de confusão. O Hotel era ok – um Hotel-Cassino, na verdade. Mas, a essa altura, não havia mais energia em meu corpo para me aproveitar dessa situação e apostar algumas fichas. Precisava descansar após um dia desastroso, já me conformando em ter perdido preciosas horas de passeio. A lição que fica é: cuidado com as companhias aéreas, SEMPRE. E conte com a possibilidade de passar por atrasos e obstáculos parecidos. 

       De toda forma, o dia estava acabando. E tinha que manter a esperança de que o amanhã traria as alegrias que esperava dessa viagem. Tomei um belo banho de banheira, sabendo que o cansaço me dava pleno aval para aproveitá-lo ao máximo, e comi uma bela refeição no restaurante, servida por um garçom que reconheceu meu óbvio sotaque e elogiou o futebol brasileiro. Claro. Agora, só me restava dormir por dois pares de horas e cruzar os dedos para que o próximo avião conseguisse fazer o que deveria: decolar e pousar. 




PS: Depois dos problemas com nosso voo, descobrimos que mesmo os veículos da Lan tiveram que regressar de Cusco, sem condições de pousar. Também foi difundida a informação de que alguns aviões sobrevoaram a cidade por várias horas até a decisão de retorno para Lima. No final, as condições meteorológicas não eram verdadeiramente favoráveis, e assim permaneceriam por parte da manhã do dia seguinte, como eu estava para descobrir...





Pedro Mancini

domingo, 6 de outubro de 2013

Viagem ao Peru, 1ª parte: As vésperas. Preparativos, apoios e reconhecimentos

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A partir de agora, reproduzirei meus relatos sobre a viagem que fiz recentemente ao Peru - especificamente, à Terra dos Incas. Faço isso atendendo à sugestão de uma pessoa querida, que percebeu a dificuldade em resgatar, com o passar do tempo, os primeiros relatos pelo Facebook.

Assim, se houver alguma alma viva que suporte minhas histórias e tenha curiosidade em conhecer mais sobre os lugares por onde passei e as experiências que vivi, poderá se deleitar em um só lugar...


As vésperas: Preparativos, apoios e reconhecimentos

A história começa muitas horas antes do embarque no avião de uma companhia peruana. Por mais que eu houvesse me preparado material e psicologicamente para a viagem, sabia que seria cansativa: teria que acordar de madrugada, por volta das três horas, para pegar um táxi até Guarulhos (o que me custaria bastante) e embarcar às 6h20min. E isso, após uma semana de trabalho bem exaustiva.

Graças à minha fase solitária, não havia, inicialmente, contado com qualquer ajuda. Afinal, esse é o sofrimento que todos que viajam passam – nada demais para ficar choramingando, certo? Mas, na última hora, permiti o auxílio de pessoas queridas, que me facilitaram muito a vida, alimentando minha admiração pela interação humana, pelos amigos e pela família. Isso pode parecer banal para a maioria, mas não para mim. 

Dois dias antes da viagem, pedi emprestada uma mala com rodinhas, relativamente grande, já que só possuía malas antigas, que tinham que ser carregadas o tempo todo – bem pouco práticas, portanto. Deixei-me contar com o outro, e o outro respondeu ao meu chamado prontamente: emprestaram-me uma mala novíssima, moderna, grande e prática, com um cadeado interno codificado e tudo... Fiquei admirado com a disposição da colega em oferecer essa mala e carregá-la no ônibus somente para emprestá-la, e jurei que a trataria com todo o cuidado.

A véspera da viagem pareceu um choque de estresse antes da quietude prometida pelo paraíso Inca. Corri de um dos meus trabalhos para a defesa de doutorado de uma amiga – a qual nunca permitiria faltar -, tendo uma quantidade de tarefas relativamente grande para concluir antes de partir ao aeroporto. É claro que pouco avancei nesse sentido: não pude comemorar o sucesso da defesa da amiga, tendo que correr para arrumar a bagagem em casa, e nem completar todas as pendências profissionais. Mas tive uma grata surpresa quando meu pai se ofereceu para ajudar, buscando a mala emprestada por minha amiga na Paulista e deixando-me dormir em sua casa para, bem cedo, me levar ao aeroporto. Em dois dias, duas alegrias trazidas espontaneamente pelo Outro – ajudas que, ao que parece, finalmente aprendo a valorizar de verdade. Enxerguei, como se aos poucos me curasse da cegueira, esse Outro altruísta, empenhado a enxergar minhas necessidades e me oferecer a mão. Ele sempre esteve por aí, mas... Como pude menosprezá-lo por tanto tempo? Pura idiotice mas sigamos.

Graças a tal ajuda alheia, e apesar da correria, tudo deu relativamente certo nas vésperas da viagem: mesmo com um sono atrapalhado como sempre, consegui chegar ao aeroporto na hora certa e, feliz, embarquei para a viagem de minha vida. Mas ainda precisaria sofrer um tanto antes de aproveitá-la em sua plenitude – um sofrimento necessário para “lavar a alma” para os ambientes tranquilos e mágicos que visitaria, talvez. 






Pedro Mancini

domingo, 10 de março de 2013

Sinais corporais e o pavor pelo insosso

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Uma das maiores forças que levam muitas pessoas a tomarem certas atitudes com relação ao próprio corpo e a moldar seu comportamento em público é um enorme pavor por se parecer insosso aos olhos dos outros. Explico. 

Em uma sociedade profundamente marcada pelas aparências e por um individualismo qualitativo exacerbado e voltado "para fora", não há exigência mais constante para a vida social do que a de se parecer "descolado", "sedutor" e "interessante". E o uso do "parecer", aqui, não é banal: deve-se portar e emitir SINAIS EXTERIORES CLAROS, APARENTES, capazes de IDENTIFICAR AS CARACTERÍSTICAS "DESCOLADAS" da personalidade individual. Podem entrar em cena, aqui, as inúmeras tatuagens que permeiam os corpos plásticos contemporâneos, o cuidado extremado com o corpo em geral, o uso de piercings e outras marcas visíveis, que trazem a informação de que o indivíduo portador é "corajoso", "alternativo" e que "tem personalidade".



Itens de vestuário mais "personalizados" parecem cumprir função similar de destaque do indivíduo em meio à massa da indiferença (e, dialeticamente, de conformação e identificação a certos grupos sociais). As roupas, assim, também podem exprimir sinais corporais de um "eu performático" voltado inteiramente para se provar a posse de características pessoais socialmente valorizadas - que, de outro modo, desapareceriam no universo preto e branco da intimidade insulada.

É claro que, por um lado, falo de um fenômeno já discutido exaustivamente pela Sociologia, pela Psicologia e  por disciplinas relacionadas: a velha dialética da socialização composta, concomitantemente, por movimentos de conformação e diferenciação. Quem adota um estilo estético preocupa-se, ao mesmo tempo, em se sentir inserido nos grupos com os quais se relaciona  (e, nesse sentido, "pega mal" não se mostrar descolado ou antenado com a moda) e em destacar-se individualmente desse grupo como um ser de personalidade própria, inconfundível com qualquer outro.

Para exemplificar, a vontade de se tatuar pode traduzir a necessidade de conformação e identificação a grupos (genéricos ou específicos) de tatuados - tidos, pela sociedade, como indivíduos mais "descolados" que a média; já o desenho selecionado para se tatuar pode derivar de uma experiência íntima própria, capaz de conferir um sentido único a essa marca e exprimir uma identidade pessoal inconfundível ao portador perante os demais. Mas  parece que, nos dias atuais, o segundo movimento da dialética da socialização - a diferenciação ou individualização propriamente dita - predomina sobre a mera conformação ou adequação aos grupos (mais na intenção do que na prática, já que chegamos a um ponto em que se tornou difícil considerar que uma tatuagem destaque qualquer um perante uma massa de indivíduos portando o mesmo tipo de sinal corporal). Aqueles que marcam o corpo parecem, para mim, mais motivados por uma vontade de diferenciação do que de mera conformação social; e essa necessidade é indissociável da exposição pública de sinais personalizados e individualizantes.

Do mesmo modo que não basta ter opiniões próprias e tocar atividades cotidianas sem expô-las nas redes sociais (videm postagem anterior), já não basta possuir hobbies e passar por experiências pessoais tidas como biograficamente enriquecedoras: é preciso ESCANCARAR essas vivências, direta ou indiretamente; transformar-se em um aparato simbólico ambulante de indicação dessas experiências íntimas. Tais sinais servem como indício "irrefutável" de que somos pessoas interessantes, com experiências de vida significativas - que não merecem, portanto, ser classificadas como "insossas", "sem sal" ou sem graça. Tatuagens, piercings e roupas "maneiras" podem se reduzir, assim, ao papel de atestados simbólicos de que somos pessoas com quem vale a pena se relacionar. 



Não desprezo, aqui, as experiências particulares que se externalizam em marcas corporais: hobbies, relacionamentos, experiências religiosas, músicas, bandas e filmes favoritos... temas que nos envolvem, nos marcam, nos seduzem. Todos compomos mentalmente nossas biografias, conferimos artificialmente nossas identidades pessoais, com base nessas experiências e gostos.  O interessante, para mim, é essa aparente obsessão em criar e carregar sinais que "materializam" essas experiências, traduzindo-as em formas físicas observáveis a olho nu; como se elas fossem capazes de transcender a esfera da imaterialidade, dos sonhos e da memória, ao serem transpostas para a pele - e, nesse estado, percebidas, observadas e elogiadas aos olhos da sociedade. Não basta viver ou sonhar: é preciso registrar e exibir. E eis que convertemo-nos, indiretamente, em peças publicitárias de nós mesmos: exteriorizando vivências, acreditamos que não seremos abandonados, como mercadorias obsoletas e insossas, na prateleira do competitivo mercado de orgulhos em que estamos imersos.

Pedro Mancini

sexta-feira, 1 de março de 2013

Relacionamentos superficiais

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É claro que, como sociólogo, sempre tento transformar questões pessoais em problemáticas sociológicas, exercitando a velha "imaginação" teoricamente inerente à profissão. Mas é especialmente delicado realizar esse exercício quando falamos de certos temas, como relacionamentos. Nesses casos, fica ainda mais difícil saber até que ponto falamos de um problema coletivo, difundido pela sociedade (ou parcelas dela), ou se a questão só pode ser notada em nosso próprio mundo pessoal.  

Pretendo, mesmo assim, navegar pelos mares inóspitos do amor e do relacionamento, sofrendo sérios riscos de naufrágios analíticos. Mas quem se importa?

Começo, como sempre, compartilhando algumas impressões. Ok, não sou a pessoa mais fácil do mundo para lidar - apesar de já ter melhorado muito nos últimos anos, de acordo com minha própria (logo, duvidosa) avaliação. Mas me parece que os "outros" estão, muitas vezes, ainda mais difíceis. Aparentemente, há um medo generalizado de entrega, de compreensão e interação plena com o Outro - independentemente do tipo de relação afetiva que pensamos. Há uma clara dificuldade comunicativa entre os que se dizem abertos para ficar, namorar, ter um caso... se relacionar, enfim. Então, questiono-me: que tipo de relacionamento procuram? Quais são suas possibilidades e limitações? E o que aquilo que "não procuram", que evitam desesperadamente, pode nos dizer a respeito das dinâmicas da sociedade atual?

O interessante é que o pavor que essas pessoas demonstram parece aliado, contraditoriamente, a uma necessidade de se provar o quanto são libertários, "abertos ao novo" e descolados. Mera casca, pelo jeito.

Ok, falo de um perfil específico: uma parcela dos solteiros da casa dos 30. Importante pontuar isso, já que muitos percebem um movimento de progressivo conservadorismo entre os mais jovens (crianças e adolescentes).

Mas voltemos aos trintões: A percepção que tenho é de uma contradição entre o discurso de liberdade e realização sexual  e a dificuldade extrema de um envolvimento efetivo. É como se todos conseguissem falar de sexo abertamente, mas sem praticá-lo senão superficialmente;  como se fossem virtualmente carinhosos, sem estabelecer diálogos profícuos no tete-à-tete; como se adorassem perguntar como você está pelo chat, sem se preocupar genuinamente com a resposta ou com o que lhe acontece na vida física. É muito fácil transmitir a imagem de um ser liberal, bondoso e preocupado com a vida de seus semelhantes no discurso, mas parece ser extremamente difícil e doloroso abrir-se a ponto de, na prática, compartilhar sentimentos e afetos mais densos.

É claro que só percebo esse movimento quando ajo na direção contrária: incomodado com uma dada situação, como o distanciamento "real" de uma parceira presente no discurso, vejo-me conversando com a parede - preso em uma "comunicação" de mão única. Assim, noto que minha recém-adquira (e ainda muito relativa) facilidade de comunicação e de exposição de sensações não é partilhada por meus pares. O carinho das palavras tecladas desaparece na conversa pelo telefone e na constante esquiva ao encontro pelo mundo de asfalto.Na tentativa de dissipar a sedutora névoa dos "carinhosismos" su perficiais e descobrir "o que rola de verdade" com o próximo, deparo-me com um ser passivo, medroso como uma criança de 6 anos que, sendo repreendida por uma "arte", apresenta uma postura meramente defensiva e reativa. Um ser desprotegido, vulnerável, sentimentalmente desnudo - por mais que, usualmente, se apresente como um Golias do autoconhecimento e da segurança emotiva.

Essa dificuldade relacional se expressa, também, em uma postura de agressividade passiva: não há qualquer abertura para o diálogo, qualquer brecha para uma comunicação em duas vias, para a construção de um ponto comum em meio a divergências cotidianas. Existe, tão somante, o confronto de pontos de vista tratados não só como inconciliáveis, mas incomunicáveis! Há  o silêncio do Outro; um silêncio que não  traduz a concordância, mas a dificuldade e covardia comunicativa.  Ao mesmo tempo, há o tratamento  do ponto de vista do interlocutor - aquele que se expõe, cuja perspectiva acaba sendo a única apresentada - como algo a se reagir e revidar, e não compreender e analisar. Não há substratos, não há matéria prima para o aprendizado de um novo ponto de vista ou opinião. E então reflito: se isso ocorre no âmbito dos relacionamentos afetivos, como essas pessoas pensam sobre questões mais amplas, como a política? Será que há possibilidades de construção de algo "novo" no ambiente público, já que essas possibilidades já são limitadas na esfera da intimidade intersubjetiva?

Voltando às explicações para essa suposta falta de interação "real", encontro-me teorizando novamente sobre o grau de insegurança de muitos de nós, que vendem uma imagem totalmente incoerente com aquilo que sustentam nas interações. O risco iminente de desvendamento das emoções e personalidades camufladas por essa estratégia de auto-manipulação resulta em um medo paralisante e uma fuga desesperada. De certo modo, é como se apenas as relações baseadas em trocas superficiais de informação valessem verdadeiramente a pena, e qualquer pressão por significância arrastasse a (tentativa de?) relação  para o bueiro. Será que, nos conturbados dias narcisistas de hoje, não há graça na significância de relações concretas?

Convoco, por fim, os interlocutores de plantão a me ajudarem: seriam as minhas experiências por demais individuais, ou seriam elas minimamente partilhadas? Por mais que não possamos falar de um problema "apenas" individual ou "apenas" coletivo, até que ponto estou dando um peso excessivamente social para uma questão deveras pessoal? Perguntas para as quais meu grau de envolvimento direto não permitem repostas diretas e imediatas.



Pedro Mancini

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Ardilosas, porém amadas: As contradições e perversidades das postagens virtuais

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Alguns fatores, nos últimos dias, fizeram-me relembrar desse espaço semi-abandonado: conheci (mais) uma pessoa que possui seu próprio blog, e me identifiquei com sua alegria em difundir os pensamentos pela rede. Além disso, notei minha ansiedade por sentir meu pensar cotidianamente devorado pelas responsabilidades profissionais, e o quão interessante e curioso é retomar aquilo que escrevemos meses e anos atrás. 

Relembrando nossos escritos anteriores, podemos reviver um pouco das alegrias e frustrações do passado - e refletir sobre as aflições relacionadas à posse de um blog e um perfil do Facebook. A princípio, a análise de nossa escrita virtual pode ser uma ótima forma de fazer um "balanço" sobre as mudanças que ocorreram em nossa forma de pensar, e captar aquilo que nada ou pouco mudou, conferindo alguma unidade à nossa conturbada biografia. E foram, enfim, essas constatações que me fizeram voltar à ativa. 


Mas escrever em um blog - e, paralelamente, manter-se ativo no Facebook ou outras redes - é tão estimulante quanto arriscado. Por isso, trata-se de uma fonte potencial  de  ansiedades cavalares. O outro lado desse papel "biográfico" das postagens é, na verdade, o tema de hoje. 

De uma perspectiva, o autor de postagens virtuais sente-se "vivo"ao entrar aparentemente em contato com todo um universo de possíveis interlocutores: não mais guarda suas opiniões e convicções para si, mas as expõe para uma rede de contatos (ou para qualquer um que se interesse), o que pode lhe conferir uma enorme sensação de liberdade e  de coesão identitária: existimos quando escrevemos e, mais ainda, quando o fazemos em público. O "olhar do outro" cumpre um papel essencial na formação de identidades, como tantos autores já concluíram.

O caráter público das postagens reforça a impressão de pertencimento ao mundo. Não se percebendo como recolhido a uma bolha individual, incapaz de fomentar qualquer debate substantivo com o outro, o autor de um blog, por exemplo, pode se sentir mais vivo nesse ambiente do que na reclusão do quarto em que redige suas postagens. O isolamento e a invisibilidade social podem lhe atormentar na vida física, mas nos céus da virtualidade há a nítida noção de que se é menos invisível aos frios olhos da sociedade atual. 

Há, contudo, uma armadilha nesse raciocínio: afinal, impressões não escapam do âmbito das ilusões. A sensação de liberdade, identidade e existência que o blog e, em medida similar, as próprias redes sociais favorecem não dialoga com a realidade dos fatos: A liberdade, tanto para o redator de blogs quanto para os indivíduos que interagem no circo da vida física, é condicionada e massivamente limitada.  

Assim, estamos condenados a não escrever a primeira coisa que nos vêm à mente; afinal, somos continuamente sujeitos ao controle do olhar alheio. Nossas postagens nos expõem, pessoal e profissionalmente; e, quando paramos para refletir sobre o tema, emerge a noção de pisarmos em ovos a cada palavra redigida no universo virtual. Cada opinião emitida pode nos condenar, prejudicando, em maior ou menor grau, nossa imagem social em alguma esfera de existência (pessoal, amorosa, profissional, escolar...). Compartilhar uma foto, um vídeo ou um "meme", ou então escrever um desabafo por simples impulso, pode resultar no término do namoro ou em uma demissão sumária - apenas para assinalar algumas das possibilidades mais radicais e palatáveis. 

Por mais que ignoremos essa questão, publicando o que pensamos com relativa sinceridade, não podemos evitar consequências negativas sobre o modo como as pessoas nos veem no dia a dia de fora das telas. Há uma perversão por trás disso: as redes sociais, blogs e outras formas virtuais de comunicação, ao nos estimular a expor publicamente questões de foro  íntimo, obscurecem nossa percepção sobre o controle a que estamos sujeitos. A proteção das telas esconde-nos o quanto estamos expostos e vulneráveis na rede e, na alegria da escrita, podemos facilmente cair no erro de revelar informações, percepções ou sentimentos que poderão ser mal interpretados, vistos por quem nos prejudicarão ou por aqueles que se magoarão, a despeito de nossas reais intenções.

Em uma sociedade em que, mais do que nunca, nos incita a expor nossas aflições e alegrias diárias - "No que você está pensando?", o Facebook nos questiona -  é deveras fácil e tentador perder a medida e permitir que o esforço por um pífio reconhecimento virtual se traduza em grandes (embora, muitas vezes, invisíveis)  prejuízos para a vida física. 

Tal como o "barato" trazido por qualquer droga lícita ou ilícita, o uso da internet para expor intimidades traz seus próprios e devastadores efeitos colaterais. O problema está na visibilidade de tais efeitos: não atingem tanto o nosso corpo e mente,  mas são potenciais destruidores das impalpáveis máscaras sociais que lutamos para construir e sustentar em nosso dia a dia.  Difícil  se dar conta do quanto podemos sabotar nossos próprios personagens por ações aparentemente tão inocentes - como uma piada, um desabafo ou uma indireta virtualmente endereçados...


Pedro Mancini

domingo, 29 de julho de 2012

A importância do sofrimento para o amadurecimento pessoal

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Aqui estou eu para, mais uma vez, escrever sobre um assunto bem abrangente: a importância do sofrimento para o amadurecimento individual. Tive essa ideia após passar, eu mesmo, por um período de perdas consideráveis em minha esfera pessoal. Tenho plena consciência de que terei momentos muito mais difíceis que esse, mas também sei o quanto dores como as que eu passei estavam fazendo falta em minha vida.

É claro que, em geral (com a interessante exceção dos masoquistas), ninguém gosta de sofrer. Vivemos, em grande parte, evitando ao máximo sentir qualquer espécie de dor. Basta que afastemos um pouco o olhar para percebermos, porém, o papel construtivo que o sofrimento pode assumir para a trajetória biográfica daqueles que sofrem.

O que é o sofrimento? Para além da mera dor física ou emocional, é a sensação de que perdemos algo, às vezes de modo irremediável. É a percepção de que perdemos o controle de algo que nos era caro, que tínhamos como certo, garantido, inabalável. É a admissão de nossa impotência e do caráter efêmero da vida, que escapa de nossas mais prepotentes (e inconscientes) ilusões de controle sobre aquilo que, na verdade, é muito mais incontrolável do que poderíamos admitir.

Aquele que foge do sofrimento, e de certa forma é bem sucedido na arte de evitá-lo, está somente seguindo um instinto infantil de autopreservação. Podemos continuar adotando essa atitude por muito tempo, mas a verdade é que a dor é um processo inevitável - embora relativamente adiável - de nossa formação. Como seres humanos, temos o trágico hábito de nos apegar a objetos, ideias e outros seres de modo intenso, de entregarmos nossa alma em busca do acalanto perdido quando nossa progenitora nos expeliu de seu corpo.  Iludimo-nos, então, acreditando que tudo aquilo a que nos apegamos é eterno, indestrutível, e que está sob nosso irrestrito controle. Iludimo-nos de que não corremos o risco de perder o que amamos.

É claro que, racionalmente, isso pode parecer absurdo. Sabemos, conscientemente, que tudo possui uma "data de validade", uma chance de se esfarelar perante nossos olhos. Mas quem dera fôssemos seres absolutamente racionais! Percebo, hoje, o quanto essa carapaça de "racionalidade" que nos cerca não passa, em muitos sentidos, disso - uma mera carapaça, obscurecendo nossa natureza altamente irracional. Por mais que nos convençamos de que nossa razão é o farol que orienta nossas ações, somos movidos (e reinados) por muitas outras forças internas, obscuras e fora desse "controle" que tanto visamos.

Mas voltemos ao assunto em pauta. Eis que a vida, consciente de sua crueldade, acaba por revelar o nosso erro, e o sofrimento intenso acaba por nos acometer. Que desgraça! Sangramos, sentimos, temos nossos mundos totalmente abalados - como o bebê que perde, repentinamente, o conforto uterino. Como pensar no lado positivo de toda essa dor??



A mágica reside no fato de que, ao convencer-nos de nossa impotência em preservar aquilo que nos é precioso, o sofrimento nos fornece a chance de encarar a vida de modo mais intenso e maduro. Tendemos a nos tornar mais infelizes, é verdade - afinal, estamos fadados a nos conformar ao fato de que, mais cedo ou mais tarde, perderemos contato com tudo que nos torna felizes - mas essa consciência nos faz cultivar de modo mais significativo o apego a esses bens tão efêmeros. Convencidos de que perderemos as coisas que amamos, lutamos mais para preservá-las e para cultivar nossa relação com elas - antes que seja tarde demais e nos tornemos ainda mais infelizes pela culpa de não termos aproveitado o bastante aquilo que, já sabíamos, acabaria por nos abandonar no final.

Nítidos de nossa impotência, também desconfio que somos mais capazes de enxergar as outros coisas e pessoas por si próprias- e não como uma mera extensão de nossos desejos, de nosso mundo particular. Conscientes de que tudo, no final, é efêmero e escapa de nosso controle, tendemos a admitir que todas as coisas possuem um movimento próprio, autônomo daquilo que gostaríamos que fossem. Somos capazes, então, de adotar uma postura geral mais "humilde", admitindo que o mundo se move independentemente - e muitas vezes contrário - à nossa vontade. Em suma, o sofrimento é capaz de nos abrir os olhos para a natureza múltipla e inconstante da realidade.

É claro que não se trata de um movimento universal inevitável - nem todos tiram lições significativas do sofrimento. Mas acredito se tratar de uma tendência e de uma (dolorosa) oportunidade de crescimento. Não é fácil abrir mão da felicidade trazida pela ilusão do controle sobre a vida - mas somente com esse abandono tornamo-nos indivíduos minimamente maduros, conscientes de nossas limitações e capazes de perceber o "outro" em sua especificidade. Enquanto somos abraçados pelo conforto dessa ilusão uterina, de um mundo sem dores, não passamos de infantes presos a uma relação narcisista. Pré-indivíduos felizes, embora incapazes de admitir nossa incompreensão face as sutilezas da vida.

Pedro Mancini