terça-feira, 28 de dezembro de 2010

A reflexividade do reveillon e balanço do blog

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Quem me conhece, sabe que estou longe de gostar de dias comemorativos baseados, tão somente, em uma tradição - especialmente quando vinculadas a motivações religiosas, como o Natal. Mas não irei, hoje, criticar as comemorações do suposto dia de nascimento de Cristo. A crítica ao Natal, moda nas redes sociais, não me motiva a ser mais um a falar, por exemplo, sobre as contaminações capitalistas da data ou a falta de veracidade histórica do dia que teria sido, na verdade, escolhido para concorrer com festividades pagãs.

Falarei, na verdade, sobre uma outra data comemorativa, que valorizo muito mais do que o Natal ou outros eventos religiosos tradicionais, e que ainda está por vir: o ano novo. Embora também tenha sido estabelecido pela sociedade a partir de critérios arbitrários, a cerimônia do reveillon ocidental possui a grande vantagem de poder ser apropriada individualmente. Todos os demais feriados que me lembro têm a função única de acentuar solidariedades de dados agrupamentos sociais - tanto os feriados católicos quanto, por exemplo, os de cunho étnico ou racial,  que visam solidificar os laços de união dos componentes da mesma comunidade de pessoas. Já o ano-novo é um feriado que possuiria como função principal a difusão da reflexividade em vários níveis de existência: planeta, país, grupo social, instituição, etc. Todos são convidados a pensar sobre sua atuação e os principais acontecimentos que os afligiram em um período de (salvo exceções que nunca compreendi totalmente) 365 dias. Refletimos sobre o mundo e o país, com ajuda dos programas televisivos "retrospectivos"; grupos em que estamos envolvidos, como empresas e outras agremiações sociais ou políticas, desenvolvem "balanços" sobre seu desempenho no ano; e, no que tange às histórias individuais, a reflexividade está presente no interior de cada "pulador de ondas" do dia 1º de janeiro, por meio de promessas para o próximo período e meditações, de várias espécies, centradas na interpretação dos avanços e retrocessos ocorridos durante o ano prestes a findar.

Nesses momentos, podemos repensar cada passo do ano, de forma racional e secular, mesmo ignorando todas as superstições típicas da época (usar roupas brancas, comer lentilhas, pular sete ondas, etc., etc., etc.). Essa característica reflexiva do ano novo é muito bem objetivada na já mencionada "lista de promessas", por muitos elaborada horas antes da virada; por mais que as promessas ali feitas não sejam cumpridas no ano vindouro, ela nos dá as balizas para "manobrarmos" durante a nova jornada anual, estabelece objetivos a serem focados, capazes de orientar nossas ações e decisões de conseqüência a médio e longo prazos.

Pondo em prática minhas crenças pessoais, de que pensar reflexivamente sobre as próprias ações têm seu lado positivo, possibilitando um desenvolvimento contínuo, aproveito esse momento para fazer um "balanço" anual do blog.

Para começar, vemos que a produtividade de meu blog aumentou substantivamente em 2010: de apenas 10 postagens em 2009, atingi 45 no ano presente. Número simbolicamente infeliz, por sua associação político partidária, mas que representa um aumento de 350% no número de postagens. Em comparação com um ano mais produtivo, 2008, o aumento também foi enorme: de 24 para 45, 87,5% a mais. Uma maior diferença  pode ser vista na média mensal de postagens: em 2009, praticamente não escrevi durante todo o ano; publiquei apenas uma postagem nos meses de Janeiro de Julho, e 8 vezes (um recorde para meu blog) apenas durante o mês de dezembro. Essa elevada produtividade nos últimos momentos do ano anunciaram o que se podia esperar de 2010: um elevado número de publicações. A média, então, elevou-se de 0,83 postagem por mês para 3,75 - quase atingindo minha meta de 4 publicações por mês, ou uma postagem por semana.

Além de aumentar a produtividade, mudei, substancialmente, a aparência do blog. Por várias vezes, fiz pequenas alterações visuais para melhorar a experiência do eleitor, até o blog ficar do jeitinho atual, com o qual ingressará no novo ano.Claro que no meio do caminho tropecei algumas vezes, inclusive porque não sou nenhum especialista em edição de blogs; chegaram até a puxar minha orelha, pela dificuldade em ler as postagens, quando o blog adotou uma aparência mais escura. Mas, no fim, acredito que mudamos para melhor.

Todas essas alterações, aliadas à aplicação de estratégias de divulgação nas redes sociais, fizeram com que meu blog passasse da categoria "lido por ninguém" ou "ligo apenas pelos dois melhores amigos" para a categoria "ligo por QUASE ninguém" ou "lido por meus amigos e mais alguns cidadãos curiosos e interessados". Mas a verdade é que nunca cheguei a investir pesado na propaganda: recusei vários métodos de divulgação que achava intrusivos ou "malandros" demais. Quando acho que publiquei algo que não é de interesse geral, por exemplo, não costumo divulgar a postagem entre minha rede de contatos (como não farei com a postagem atual). Valorizo manter poucos leitores que verdadeiramente interagem com o blog, mais do que contar com muitos visitantes que acharão meu espacinho virtual desinteressante e nunca voltarão ou participarão das discussões. Por isso, acredito que consegui avançar na medida certa, sem expandir o blog demasiadamente, de modo que não poderia controlá-lo e mantê-lo minimamente interessante. É claro que, conforme fique seguro sobre a qualidade das minhas postagens, poderei investir em mais estratégias de propaganda. Vejamos se isso se realizará no ano de 2011.

Agora, algumas palavras, justamente, sobre a contribuição dos leitores. Contei 53 comentários nessa ano de 2010, mas os meus próprios estão incluídos na conta (respostas aos comentários dos visitantes): Uma média de 1,17 comentários por postagem. Se, por um lado, fico muito feliz em ter suscitado alguma discussão, por outro admito que esperava que os debates ocorressem em maior número, e que fossem mais extensos. Não é muito boa a sensação de que a escrita do blog não passa de um exercício narcisista, em que um monólogo é estabelecido, antes de um real intercâmbio com os visitantes; desde o início, deixei claro que a intenção de meu blog pessoal era a difusão do livre debate de idéias. Parte dessa falta de participação se dá por problemas típicos da sociedade da informação, acredito, onde a real discussão é muito prejudicada, em detrimento do exercício egoísta e fragmentado de exposição pura e simples de opiniões. Mas estou esperançoso de que essa tendência poderá mudar aos poucos, e conto com um diálogo muito mais intenso entre editor e leitor nos próximos meses. E farei de tudo para promovê-lo, na medida do possível.

Digo "na medida do possível" porque, como os mais próximos de mim sabem, esse ano será "paulera".Além da procura por um emprego, deverei me dedicar à redação final de minha dissertação de mestrado. Temo que isso, inevitavelmente, prejudique minha produção; mas meu amor pelo blog permanece, o que permite que eu lute com todas as minhas forças para mantê-lo muito ativo.

Quero registrar meu obrigado a todos que me honraram com sua visita. Segundo meu contador, vocês fizeram meu número de visitantes subir para mais de 2000; um número bastante humilde em meio à blogosfera, mas que, dada a natureza do blog, me enche de felicidade. Valeu mesmo! E que venha 2011...

Pedro Mancini 



quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

O "pior dia do ano": lamentos pouco justificados

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Hoje, utilizarei o espaço desse blog de uma forma um tanto distinta da habitual: descreverei o dia que considero, sem muitas dúvidas, o pior do ano para mim. A partir daí, pode ser até que desenvolva algumas reflexões mais amplas, sobre a vida na metrópole (explícitas ou implícitas); mas o principal objetivo é mesmo, admito, o puro desabafo.

O dia já começou mal, antes mesmo do sol raiar: tomado pelo calor, tive grandes dificuldades para dormir. E tinha que acordar cedo, para me deslocar até o centro e solicitar, em um prédio do SUS, um remédio de alto custo. Para mim, o local era desconhecido e quase inacessível: perto do Largo do Glicério. Pois bem, fui até a Praça da Sé e, de lá, andei uns 20min até o local; lá chegando, peguei uns 40min de fila para solicitar cadastro de solicitação de remédios, apenas para descobrir que tinha um documento faltando. Bem, pensei, ao menos já me informei de todos os detalhes burocráticos sobre o procedimento. Da próxima vez, não haverá falhas. Mas é claro que o dia estava apenas começando: percebi o quanto ele seria longo quando me vi um tanto perdido entre os viadutos do Largo do Glicério, procurando algum metrô nas proximidades. Senso de localização nunca foi meu forte, afinal.

 Atravessando um desses viadutos, então,o fato mais marcante do dia me atingiu: um sujeito, vindo em sentido contrário, tira algo como uma comprida chave de fenda de um saco preto, e ameaça "me furar todinho" caso eu não lhe entregue todo o dinheiro de minha carteira. Estava bem no meio do viaduto, isolado da "terra firme", com pouco espaço para realizar qualquer manobra evasiva. Notável é que estava, também, sem dinheiro (com apenas R$2,00 na carteira), e tive provar essa "pobreza" ao assaltante. A seguir, mandou-me entregar o que tinha nos bolsos: mais uma vez, disse que nada possuía. Enfim, mandou-me entregar o meu aparelho de celular.

Nesse momento, admito que tentei, no calor do momento, pensar em alternativas que escapassem das ações  mais óbvias que se esperariam dessa interação social entre "assaltante" e "vítima": mediante ameaça, o assaltado entrega o objeto requerido pelo assaltante, que, consumado o roubo, cessa a interação e deixa o local com velocidade. Ao invés, tentei me esquivar do rapaz... mas tive uma sorte, travestida, inicialmente, de azar: o assaltante reagiu aos meus pensamentos e avançou com a arma branca que portava. Segurei a mesma, mas, agindo racionalmente, verifiquei que corria muitos riscos com a reação que esboçava. Eu tinha chances de conseguir escapar do assalto, de fato; mas, caso ele tivesse a chance de me ferir, estaria no meio de um elevado, com uma mureta me separando dos veículos que passavam na pista, e não poderia contar com nenhuma ajuda por um tempo considerável. Não valia a pena todo esse risco por um simples celular (que nem era dos melhores ou mais atuais), mas a idéia estúpida de reação realmente passou pela minha cabeça na exata hora do assalto. Burrice minha, mesmo - e sorte por não ter sido furado, afinal.

A história poderia ter acabado assim: perdi o celular, mas minha vida foi poupada, assim como minha carteira e minha mochila. Rapidamente liguei para pessoas próximas, solicitando que bloqueassem meu celular. A única preocupação que teria seria a de comprar outro aparelho - me conformei rapidamente com o fato de que nunca iria recuperar o meu antigo. Mas outro fato - infelizmente, como ficará claro - realimentou provisoriamente minhas esperanças. No momento em que eu adentrava o Metrô Term. Pedro II, um motoboy buzinou, chamando minha atenção. Disse que havia testemunhado a ação, e embora não pôde fazer nada no exato momento, seguiu o assaltante em fuga, e, avistando um carro da polícia, o acionou. Os policiais chegaram a abordar o sujeito, o revistaram, mas o mesmo estava limpo: já havia se livrado dos objetos que o  incriminariam, o celular e o objeto pontiagudo. Mesmo assim, achei que se eu mesmo falasse com a polícia, teria chances de recuperar meu aparelho. No que estava pensando?

Chamei, então, os agentes policiais. Após 40min de espera, liguei novamente e descobri que a viatura não me localizou; passaram do outro lado do Terminal. Aguardei mais uns 45min para eles me encontrarem de fato. Nesse ponto, já havia novamente perdido qualquer esperança de reverter a situação; e a polícia também estava cansada de me procurar. A única coisa que fez, então, foi me levar até a delegacia mais próxima, a primeira de São Paulo (1ºDP), perto do Paraíso. Lá, mais um martírio: um flagrante atrapalhou o atendimento, e esperei mais de três horas para conseguir fazer o B.O. E, ansioso com toda a situação, ainda consegui grampear meu próprio dedo enquanto ditava as informações ao policial (tenho mania de mexer em tudo que se encontra ao redor quando estou nervoso). Um temperinho final para meu dia de aventuras.

Por fim, como não poderia faltar, mais de 2h de trânsito. Ao todo, mais de 5h para resolver um simples caso de roubo de celular... sem direito a refeições durante todo o período. Após esse alvoroço, bem descansado, alimentado e banhado, penso que não sou um grande desafortunado. No final, não passo de mais um jovem "pequeno-burguês" me achando o maior dos azarados apenas por um dia ruim, em comparação com minha rotina ordinária; mas quantos não passam por uma situação igual, similar ou mesmo bem pior, muitas e muitas vezes ao ano, quiçá na maioria dos dias? Em uma análise fria, fui mesmo muito sortudo, comparativamente falando: poderia ter perdido todos os documentos e despender muitas horas a mais cancelando cartões e solicitando segundas vias; poderia ter sido morto ou ferido; poderia morar a três ou mais horas de ônibus do local; ou poderia, até mesmo, ser um sujeito tão excluído que seria capaz de assaltar um transeunte apenas para conquistar mais alguns minutos de felicidade hiper-real, pelo consumo de alguma droga pesada - correndo todos os riscos de ser apanhado e destruído pelo sistema durante a tentativa. E eis que, de repente, minha desgraça pareceu minúscula e patética.

 Pedro Mancini


quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Maiores desenvolvimentos sobre a postagem anterior

Um comentário:

Minha última postagem rendeu algumas críticas ferozes sobre meu posicionamento a respeito dos conflitos no Rio. Claro que críticas são sempre esperadas quando escrevemos sobre assuntos tão polêmicos, e, em especial, quando almejamos nos esquivar de interpretações mais casuais. Mas elas não costumam surgir de forma tão direta - o que dificulta o debate, impossibilitando o desenrolar de melhores explicações, justificativas e até contra-ataques argumentativos. Ou seja: comentem, por favor! Nada alimenta mais um blogueiro do que a participação dos seus leitores (de preferência, uma participação que não se limite à avaliação das postagens publicadas).

Nas próximas linhas, dedicarei-me a esclarecer alguns pontos sobre o raciocínio aplicado na última postagem. Além disso, tecerei uma crítica sobre a postura que vejo presente em parte das análises sobre situações ocorridas no contexto brasileiro atual.

Para começar, os esclarecimentos. Ao focar-me na incompetência do Estado em gerir a situação carioca, não me referi à ineficácia do governo atual; apontei que se tratava de um problema de natureza muito mais profunda, que escapa à resolução de uma simples gestão temporal. Na verdade, é óbvio que a situação exigia uma ação forte do Estado (para além de seus aparatos policiais) e que o Governo, tanto estadual quanto federal, agiu, a princípio, do modo que lhe cabia. Tomou decisões, na verdade, que mostraram uma coragem e vontade política que esteve ausente em governos passados, baseadas em critérios razoáveis: compensando a história ausência de aparatos estatais na periferia, criou um programa de polícia comunitária -as UPPs - que poderia intermediar a entrada de escolas, saneamento básico e vários outros serviços nas regiões mais afetadas pela desigualdade e, conseqüentemente, pela violência urbana. É claro que, por trás das intervenções policiais mais clássicas, encabeçadas pelo BOPE, estava sub-entendida uma concepção de criminalização da pobreza, uma simplificação de que os moradores da favela devem ser tratados como bandidos, concretamente ou potencialmente; mas esse é um problema histórico de representação social em vigência no Brasil, e não se pode esperar que um simples governo temporal cause grandes mudanças nesse pensamento.

Infelizmente, contudo, continuo sendo pessimista no que tange à possibilidade de o Estado resolver definitivamente a questão da segurança pública da capital fluminense com o tipo de ação visto nas últimas semanas. O "oba-oba" exibido pela mídia, que obscurece a possibilidade de plena apreensão da questão, mascara a necessidade de iniciativas mais profundas, que ataquem diretamente a questão da desigualdade e da exclusão sociais, eliminando a criminalidade pela raiz. O problema é muito mais sério do que os jornais fazem parecer, e, antes de uma comemoração antecipada, é necessário um aprofundamento das ações de penetração do Estado em comunidades periféricas. E temo que isso não ocorra pela perpetuação da imagem de "plena vitória", aplacada por vários setores pela grande mídia, como se o Rio já estivesse totalmente livre de seus males graças à atuação "heróica" do BOPE, em ações de intervenção que suportam a atuação das UPPs.

Continuo achando, ainda, que existem interesses que validam essa representação (da vitória incontestável das forças de segurança sobre a criminalidade). Temo que nisso, porém, tenha sido mal interpretado: não vislumbro uma "conspiração" na apreensão clássica do termo, com um grupo social específico exercendo secretamente seu poder sobre todo o resto da sociedade. Acredito, na verdade, que estamos imersos em uma enorme teia de interesses múltiplos, que, por vezes, convergem pelos mesmos objetivos táticos. Nesse caso, vemos algumas forças políticas com interesses articulados por vender uma representação de resolução absoluta sobre uma séria questão de segurança pública. 

Talvez, portanto, tenha deixado as palavras pesarem além da conta, chamando as ações no Rio de "grande farsa"; de fato, elas ocorreram, e provavelmente colaboraram para que a situação carioca melhore a curto, médio e longo prazos. Mas esses atos policiais foram, sem dúvida, super explorados - e até mesmo superestimados - pela mídia e pela sociedade. Possivelmente motivados pela ânsia de mostrar que "a vida imita a arte", trazendo os efeitos desenvolvidos em Tropa de Elite 1 e 2 para uma dada exibição sobre a realidade cotidiana, o dia-a-dia de policiais e moradores do Complexo do Alemão foram exibidos à exaustão, antes, durante e após a "invasão final e definitiva". Misturavam-se cenas da "Tropa de Elite real" com um gigantesco Big Brother, com a vigilância contínua do dia-a-dia dos cidadãos do Complexo em meio aos conflitos armados. E, sinceramente, não acredito que toda a comoção desencadeada seja neutra de significado: atende a demandas e interesses de certos setores sociais (pelo jeito, muitos, e muito relevantes). O maior problema, como já afirmei, é que o excesso de atenção à "imagem" do que ocorreu no Rio de Janeiro pode bloquear uma visão real dos fatos, que vislumbre as condições reais da proliferação da violência na periferia urbana.

Agora, um outro ponto: parece-me que um simples comportamento mais "pessimista" desperta uma série de associações político-ideológicas que nem sempre são verdadeiras. Graças à minha última postagem, sofri a comparação - talvez alimentada por resquícios da radicalização vivida pelo país nas últimas eleições - entre meu pensamento e a postura eleitoral de 2006 de Geraldo Alckmin, que procurava, a todo custo, argumentos para atacar o Governo Lula. Bem, faço aqui uma crítica a respeito da postura de boa parte da massa otimista com o governo atual: em sua ânsia por rebater a ferocidade da oposição, que agiu de forma extremamente violenta nos últimos meses, os lulistas e dilmistas mais radicais, ainda pensando de forma maniqueísta, desqualificam qualquer apontamento mais negativo sobre a realidade brasileira atual. Parece sempre um "papinho" da oposição, desesperada em agredir o governo presente.

Ora, é evidente que, mesmo se considerarmos os incontestáveis pontos positivos da administração petista - em especial, sua competência na aplicação de medidas de combate à exclusão social mais absoluta - vários problemas ainda afligem o país, não podendo ser facilmente resolvidos por um simples governo temporal. Além disso, havemos de manter o senso crítico, apontando os erros da administração de Lula e da futura presidenta Dilma  -  que, até então, não foram poucos. Houve falhas admistrativas de grandes proporções, que escapam do simples "blá-blá-blá" vomitado pela mídia em momentos eleitorais. Há, em suma, que "se colocar os pingos nos ´is´": Sim, o governo atual é mais competente no combate a problemas críticos da sociedade brasileira, em comparação com governos passados; e não, ele não consegue eliminar todos os problemas estruturais do país, e ainda está sujeito a graves insuficiências, que devem ser apontadas, sem se menosprezar os avanços alcançados. A militância não deve ser apagada por sua própria fidelidade ao governo; deve apenas ser melhor direcionada, mais precisa.

O que fiz, portanto, não foi nenhum exercício de oposição míope ao Governo. Em primeiro lugar, porque reconheço que as medidas tomadas foram corajosas e necessárias, concentrando minhas críticas à posterior imagem, criada e alimentada pela mídia, a respeito da situação carioca. Com todas as limitações a que estão sujeitos, os governos municipal, estadual e federal fizeram a parte deles. Em segundo lugar, porque critiquei, igualmente, uma questão que vejo como estrutural na sociedade, consolidada nas instituições e nas representações sociais em vigência, e que escapam de um combate governamental direto. Problemas de Estado e de "consciência coletiva", para utilizar a terminologia do velho Durkheim; não de governo ou de indivíduos que se unem com objetivos conspiratórios, simplesmente. Tratei, dessa forma, de preconceitos arraigados entre vários setores e explorados pela mídia em exaustão, e formas de pensar e agir que se atrelam ao Estado de forma absolutamente parasitória, contaminando sua gestão. Os governos terão muito mais trabalho no combate a esses inimigos do que tiveram, em aparência, na luta contra o tráfico do Alemão...

Pedro Mancini










quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Rio de Janeiro: entre a incompetência arrastada e a grande farsa

13 comentários:
Mais uma vez, depois de algum tempo, tive que abandonar o blog por uns dias. Explico-me: o fim-de-semestre foi realmente conturbado, e tive de lidar não só com uma certa "correria acadêmica", como com uma série de outros problemas, inclusive de cunho técnico-informático. 

Embora o pior já tenha, aparentemente, passado, ainda não estou 100% recuperado dessa "ressaca" de fim de ano; mas já devo estar bom o suficiente para escrever algumas coisas - o que, inclusive, me serve como um bom remédio contra meu atual estado de letargia 

Estou minimamente apto, portanto, a tecer algumas reflexões bem superficiais sobre o que aconteceu - e ainda acontece - na cidade do Rio de Janeiro. Perdoem-me, porém, por imprecisões e indecisões: nesse meu isolamento do mundo virtual, afastei-me igualmente de análises mais pormenorizadas sobre a situação carioca, pautando-me, tão somente, em impressões pessoais obtidas mediante uma análise mínima sobre reportagens vinculadas na mídia tradicional.

Primeiramente, admito que já estive entre aqueles um pouco mais otimistas: achei a idéia por trás das chamadas UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora) muito interessante, buscando uma integração entre agentes estatais de segurança e comunidade local e aliando ações de cunho repressivo a medidas de desenvolvimento de outros aparatos institucionais do Estado nas regiões ocupadas (escolas, saneamento básico, postos de saúde, etc). Evidente que, como a maioria dos projetos, difícil levar a idéia para a prática com toda a eficácia inicialmente planejada; mas, enquanto tipo-ideal, as UPPs são realmente curiosas e inovadoras - Especialmente como contraponto ao bárbaro BOPE, voltado única e exclusivamente à mais brutal repressão, com uma ideologia de total separação não só entre o policial e a comunidade, mas entre seu papel social de "caveira" e sua própria humanidade interior.

Vista sob esse prisma, a série de ataques articulada pelo crime organizado, que resultaram na intervenção de várias forças de segurança no Rio de Janeiro, seriam reações desesperadas ao sucesso da implementação das UPPs - além, é claro, à sinistra ocupação de várias comunidades por milicianos anti-tráfico, bem retratada pelo filme "Tropa de Elite 2". O crime organizado, em suma, perdera terreno, e tinha que mostrar, de algum modo, que ainda estava no controle, e que o Estado (e "adjacências" ilegais, como as milícias) não avançaria mais um passo sem lidar com forte resistência. 

Após retaliação dos criminosos, com a queima de veículos por toda a capital fluminense, o Estado resolveu agir com vigor. Pela primeira vez em décadas de combate contra facções criminosas que dominam as favelas cariocas, vários órgãos de segurança do Estado, bem como múltiplos setores da sociedade, uniram-se por uma mesma causa: a remoção do Rio de Janeiro do seu estado de anomia social, com os constantes embates entre facções, milícias e policiais. O contexto prometia uma solução permanente para a problemática da violência urbana carioca.

A cobertura da mídia sobre a ação da Polícia e do Exército no Complexo do Alemão representou muito bem esse caráter de "momento decisivo" da luta contra o crime e de união de toda a "sociedade civil" em torno dos mesmos propósitos; pela primeira vez após o radicalismo ideológico fomentado pelas eleições presidenciais, a sociedade brasileira parecia falar em uma só voz. Uma voz de apoio incondicional às ações do BOPE, mais uma vez convocado para as batalhas mais difíceis, e de esperança quanto a uma solução  não-paliativa.

Em uma dada semana, as principais revistas semanais de notícias reproduziram esse pensamento: Veja, IstoÉ e ÉPOCA retrataram o momento carioca pelo viés da luta do BOPE contra o "mal" dos traficantes, e com um tom de otimismo com relação ao futuro da cidade. Nos discursos do cotidiano, também era difícil encontrar vozes distoantes. Todos os que vêem o caos carioca de longe parecem pensar de forma razoavelmente parecida, qual seja:  interpretando a situação como uma simplória luta entre o "bem" e o "mal". Com esse raciocínio, elimina-se a crítica à brutalidade do BOPE, por exemplo: nesse momento de crise, deixa de ter importância uma análise sobre a moralidade de sua atuação, e ele é simplesmente categorizado como compondo o "lado do bem", lutando pelo "cidadão" que o Estado tanto gosta: ordeiro, aceitando a exploração pelo mercado de trabalho, ao invés de rebelar-se contra o mesmo.






Por fim, a mídia noticiou o pleno sucesso da operação de ocupação do Complexo. As facções foram desmanteladas de modo muito mais rápido e fácil do que previsto pela maioria, senão por todos. Agora, só resta perseguir os prováveis fugitivos e encontrar armas e drogas deixadas para trás. O crime organizado sofrera uma derrota humilhante.

Fujo, porém, das interpretações mais casuais sobre a atuação do Estado mediante os últimos acontecimentos: ao invés de me parecer um sucesso óbvio, a operação serviu para confirmar uma grande ineficácia das instituições brasileiras, ao menos em sua apreensão racional, baseada nos preceitos ocidentais da justiça e da igualdade de todos perante a lei. Uma ineficácia não do  governo atual, mas muito mais profunda, de Estado mesmo. Afinal, das duas uma: ou o crime estava bem menos articulado do que o previsto, e poderia ser vencido há muito tempo - e o teria sido, se não fosse conveniente ao Estado mantê-lo e permitir seu desenvolvimento; ou, e essa é a alternativa mais terrível, o crime está muito mais emaranhado na realidade social do que aparentava, e todas as ações dos últimos dias não passaram da mera simulação de uma batalha épica contra um inimigo muito mais poderoso, de atuação capilar.

Pensando sob a última perspectiva, o problema da segurança pública não foi diretamente atacado. Tudo não passou de ilusões e manipulações, de uma grande farsa, alimentada por uma rede de "interesses escrotos" (palavras utilizadas pelo Capitão Nascimento para caracterizar o "sistema" que combate em ´Tropa 2´). Continuo defendendo, portanto, que não existe algo como uma "opinião pública" homogênea, com um só interesse: as últimas ações policiais beneficiaram certos setores em detrimento a outros (e não estou falando de uma mera dicotomia "cidadãos de bem" X "bandidos"), como toda decisão política, por mais que a imagem de uma unidade de pensamento tenha sido formada. Alguns dos interesses por detrás dessa farsa parcial podem ter vindo da preocupação com a imagem da cidade que sediará eventos das Olimpíadas e da Copa do Mundo de Futebol, nos próximos anos. Mas acredito que muitos outros interesses escusos estejam envolvidos.

Se essa visão se confirmar, vimos apenas a consumação de mais uma medida paliativa e provisória para o Rio, criada sob a máscara da "resolução final", da "luta épica contra o mal". E assim, a sujeira é mais uma vez empurrada para debaixo do tapete, de modo absolutamente conveniente para os interessados mais poderosos: enquanto alguns criminosos são desalojados, vários outros mantém seus domínios, inclusive os milicianos, em plena re-expansão. E o pior: os problemas sociais reais, que afligem as comunidades periféricas, não são manejados; a polícia aparece, espanta os traficantes e, após o furor sócio-midiático inicial, se recolhe, se corrompe ou ambos. As preocupações iniciais das UPPs, de trazer o Estado inteiro (e não sua parcela repressiva, exclusivamente) esvanecem no ar. A exclusão social se mantém, mas apaziguam-se os ânimos mais acirrados da população e da mídia, sedentas por um frágil estado de paz imediata.


Pedro Mancini