sábado, 3 de janeiro de 2009

Minhas festas de fim-de-ano

Um comentário:
Comemorações de fim-de-ano (o Natal e o Revéillon propriamente dito) são ótimas ocasiões para se observar e estudar as regras sociais em vigor - regras e habitus que condicionam o comportamento de nossos queridos parentes. São ocasiões ritualísticas, em que a solidariedade de grupos de parentesco e amizade é posta à prova e exercitada.

Em meio a tais cerimônias, várias nuanças podem ser captadas: sinais sociais que, por vezes, reforçam, e às vezes parecem contrariar o conteúdo simbólico "real" dessas próprias celebrações...

Na festa de natal que participei, promovida por minha família, pude observar alguns comportamentos curiosos. Destacarei um em especial: a aparição de um Papai-Noel contratado...

Durante essa tradicionalizada aparição, todos os meus priminhos (que têm entre 5 e 9 anos, creio eu... nunca fui bom em estipular idades de crianças) receberam inúmeros presentes - desde dedais de borracha (que simulam máscaras de luta-livre) até um videogame de última geração (sim, trata-se de uma família burguesa, em essência).

Em meio ao ritual, os parentes mais próximos das crianças, mais afobados que as próprias e armados com câmeras digitais, fizeram um verdadeiro escândalo para filmarem seus filhotes no colo do papai-noel - em uma tentativa desesperada de encaixar a situação em um modelo ideal de natal, com as crianças superfelizes ao receberem as mais incríveis bugigangas do "bom velhinho".

As crianças, porém, ao contrário do que ocorre nessa situação ideal, não pareciam lá tão empolgadas... tanto que foram postas "aos gritos" no colo do papai-noel, pelos pais, e cutucados impacientemente quando, distraídas, deixavam de olhar fixamente para o velhinho contratado e os presentes que ele entregava... ao meu ver, uma situação quase totalitária (por minúscula que seja), em que as ações das crianças eram-lhe impostas como obrigatórias, por forças externas, superiores e inescapáveis: adultos neuróticos!!!!!!!!!!!!

O interessante é que tais rituais, apesar de serem voltados às crianças (à internização de determinados valores cristãos e ocidentais às mesmas), atingem e emocionam muito mais esses adultos (que já tiveram esses valores internalizados, em um longo processo de socialização, inciado décadas atrás...). Já "moldados" pela sociedade, são seus valores, já apropriados e internalizados, que são postos à prova - valores esses ainda não inteiramente absorvidos pelas crianças. As últimas, é claro, como "radares" potentes que são, acabam absorvendo e reproduzindo, meio mecanicamente, tamanha excitação presentes em seus pais, tios e avós.

Em suma, valores que são absolutamente arbitrários aos olhos inocentes da criança, são, pela perspectiva adulta, tidos como "naturais", e por vezes defendidos com uma autonomia variável por esses adultos - transformados, pelo tempo, em agentes reprodutores e difusores desses valores.

A situação discrita nesa postagem exemplifica, assim, o funcionamento de todo processo de socialização, em que valores, a princípio estranhos ao indivíduo, são-lhe impostos à força, com tamanha violência simbólica e insistência, que acabam naturalizando-se, sendo apropriados e, freqüentemente, ativamente defendidos e disseminados.

As crianças, por hora vítimas de um ritual rígido de socialização (cujos custos se anulam totalmente, com as recompansas representadas pelos presentes de Natal, o "lado feliz" (???) dessa situação arbitrária), com muita probabilidade, transformar-se-ão em "impositores morais" à imagem dos próprios pais, algum dia: impondo, com violência similar, os valores da sociedade capitalista, cristã e ocidental às próximas gerações... com uma discreta mão de ferro, mas também com muito amor, carinho e presentes, é claro.


Pedro Mancini