quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

As reflexões do ano novo na modernidade tardia

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O feriado do ano novo, da forma como é encarado atualmente , compõe-se como uma data simbólica típica da modernidade "reflexiva", tão bem analisada por autores como Ulrich Beck, Anthony Giddens e Scott Lash.

Nessa época, para além dos rituais tradicionais que repetimos a cada ano, somos compelidos a analisar nossa própria biografia, a rever o caminho percorrido por nossa vida durante um período circunscrito. Refletindo sobre nossas histórias de vida, seríamos mais capazes de fazer planos para o ano vindouro de forma mais informada, evitando ações e comportamentos que nos trouxeram problemas no passado e buscando, de forma inversa, novas formas de superar os desafios que, cotidianamente, nos são postos.

Trata-se de um momento, enfim, para os indivíduos exercerem uma auto-reflexividade, seguindo um movimento muito mais amplo, tanto de "reflexo" como de "reflexão", que percorre todos os níveis sociais - desde as grandes nações e os órgãos e empresas multinacionais, até os seres humanos das mais diversas classes sociais. A todos é requisitada a missão da auto-reflexão, da revisão de ações, sucessos e fracassos individuais - uma projeção sobre o futuro com base em nossa visão crítica sobre o passado.

Aproveitando esse sentido do ano novo (que, admito, sempre abracei), reflito sobre meus avanços e retrocessos nesse ano de 2009. Como o próprio blog testemunha, vivenciei um grande período de inércia intelectual, em especial entre o primeiro e o começo do segundo semestres. Enquanto escrevi 24 postagens em 2008, mantendo uma média de duas por mês, esse ano atingi a marca patética de 9 postagens (uma queda de produtividade de 62,5%), sendo que a maior parte delas (7, ou 77,7% das postagens de 2009) foram elaboradas em dezembro, ou seja, em seu período terminal.

De todo modo, acredito que após esse coma mental - e apesar dele - voltei com todo o gás nesse final de ano. Além de ter escrito mais de 50 páginas de "papers" e trabalhos finais de disciplinas da pós, o que permitiu um exercício muito positivo de meu conhecimento sociológico e capacidade de escrita e de argumentação, arranjei coragem (com a ajuda de ótimos amigos) para retomar o blog, vindo inclusive a re-elaborar suas dinâmica e estética.

Enfim, procurando não recair no "espírito workaholic" típico do estereótipo médio-classista, não acho que tenha sido um ano ruim pela falta de produtividade "bloguística". Além de ter provado minha produtividade em outros momentos, em especial na minha vida acadêmica, um pouco de amortecimento da mente é saudável, gostoso e - quem sabe? - pode até ser útil para a produtividade em si.

Aliás, a valorização atual dos momentos de descanso como "repositor de energias", mesmo no meio dos horários diários de trabalho, têm sido muito difundidas no ambiente da modernidade reflexiva - algumas multinacionais, inclusive, têm estimulado seus funcionários à tirarem uma soneca logo após o almoço.

Em um mundo que também traz muita insegurança e medo, as celebrações de fim-de-ano e seu convite à reflexão podem difundir, também, um sentimento depressivo e apavorante - espalhando, por exemplo, a sensação do tempo inexorável dominando nossas vidas, sem termos qualquer controle sobre ele. A presente responsabilização dos indivíduos pelos seus próprios destinos, vislumbrada por Beck, traz um grande desespero àqueles que encaram todos os problemas de sua vida como derivados apenas de suas ações e escolhas; é nessa medida que a reflexão proposta pelo ano novo também pode ser geradora a recuperadora de grandes frustrações, da sensação de fracasso individual resultante do revolver de momentos mais tristes do ano e de toda a vida pregressa.

Vê-se, assim, o quanto se torna difícil nos apropriarmos de forma reflexiva de nossas biografias, como requerido pela modernidade reflexiva, com um grau razoável de segurança. Quem consegue essa façanha, se esquivando minimamente dos sentimentos de fragilidade e desespero perante a vida, é obrigado a navegar pelas vicissitudes de uma sociedade contemporânea que não nos fornece lá muita segurança. Têm que encontrar essa confiança individual por si próprio, fabricá-la com os materiais que encontrar em seu caminho. E isso de forma alguma depende apenas do mero esforço pessoal (embora esse seja, mais do que nunca, fundamental), sendo, numa medida muito maior do que a usualmente considerada, fruto do contexto social e de movimentos que fogem de nosso controle mais imediato.

É. A sociedade contemporânea, realmente, é muito contraditória.

Pedro Mancini

domingo, 27 de dezembro de 2009

Complementos à última postagem: O Shopping e a observação sociológica no Natal

4 comentários:
Tenho duas observações complementares sobre a postagem anterior.

A primeira é uma indicação de leitura para um blog que exemplifica, com muita competência, as utilidades de um olhar minimamente distanciado da realidade social. "The Classe Média Way of Life"(http://classemediawayoflife.blogspot.com/) concretiza uma observação em muito similar à sociológica em uma análise satírica de excelente qualidade, uma crítica em forma de humor ácido ao habitus peculiar aos extratos intermediários da sociedade brasileira (também chamados de "classe mérdia").

Isso prova como um olhar de estranhamento sobre a realidade não é útil somente à análise puramente sociológica (no sentido científico do termo), como também a inúmeras formas de crítica sobre a sociedade e suas partes componentes - travestidas, inclusive, de humor. Humor que escapa de uma simples fórmula de reprodução da realidade, que reforça os padrões de desigualdade ao ridicularizar os estratos minoritários e/ ou desfavorecidos; humor militante e progressista, no sentido de que ataca, pela sátira, o status quo, as concepções de uma classe cuja ideologia é predominante no imaginário social - em especial, em meio aos paulistanos.

Mesmo resultando em interpretações extremamente parciais (por serem satíricas), portanto pouquíssimo científicas (não se trata, afinal de contas, de interpretações propriamente sociológicas), e recaindo em estereótipos por vezes repetitivos, ainda vale muito a pena dar boas risadas das observações do blog. Destaco, dada a época do ano, as últimas percepções do autor sobre a impregnação do "espírito natalino" nos componentes da classe média, com a chegada das celebrações natalinas.

Com relação à outra observação, referente aos shopping centers, gostaria apenas de citar uma passagem do autor que me inspirou: Stephen Lyng. Utilizando-se da noção de "desencantamento do mundo" de Max Weber, Lyng acredita que o processo de modernização (simples) fez desaparecer as qualidades encantadoras da experiência humana que gerariam significado e inspiração à vida das pessoas.

Os shopping centers seriam, nessa medida, uma das várias formas contemporâneas de "re-encantar" esse mundo desencantado, por meio de um entorpecimento de "hiper-realidade" - trazida por um ambiente que se pretende superior ao nosso, mágico, com cores e sinais exagerados. Domínio capaz, nessa medida, de se constituir como local de fuga do cotidiano frio em direção a um mundo onírico.

Diz Lyng, sobre os shoppings e outros ambientes "hiper-reais", em que a simulação é predominante:
"Nessas catedrais pós-modernas, pessoas experimentam a implosão do espaço e do tempo, explosões de simulações que distorcem a linha entre o real e o irreal, e um amplo alcance de espetáculos manufaturados que os deixam chocados e inspirados. Assim, a característica encantadora da experiência do consumidor encontra-se em completo contraste com a realidade racionalizada da maior parte dos outros domínios institucionais" (pág. 126, minha tradução).

Pedro Mancini

quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

O Shopping, o Natal e a Observação Sociológica

2 comentários:

O Natal é sempre uma época muito propícia à observação sociológica. Como uma data de teor simbólico muito forte, em q ue as relações sociais adquirem contornos específicos, é um momento em que um distanciamento mínimo dos acontecimentos pode fornecer informações importantes sobre os sentidos mais obscuros das ações humanas contemporâneas.

O pressuposto para essa forma de observação da realidade é a capacidade de vê-la de fora, como um espectador estrangeiro - algo impossível de se conseguir totalmente, como vários sociólogos observaram, mas cujo exercício mínimo ainda assim é imprescindível para tal profissão.

A última vez que estive especialmente inspirado a realizar esse afastamento razoável, observando o interessante e o especial por detrás das situações que outrora pareceriam as mais rotineiras e comuns, foi há cerca de um mês e meio do Natal.

Estava em frente ao Shopping Iguatemi, em São Paulo, às 10h30min, aguardando minha namorada, que trabalhava em um local próximo. Para quem não sabe, esse é um Shopping voltado para classes com maior poder aquisitivo, localizado no Itaim Bibi.

Estranhamente, toda a decoração de Natal do Shopping já estava montada, mas o mesmo ainda não estava totalmente em um "clima de Natal", uma vez que ainda estava abrindo tarde para essa época do ano - abriria apenas às 11h. Mesmo assim, uma pequena multidão já se aglomerava às portas do estabelecimento, posando para fotos com o gigantesco Papai-Noel montado às portas do local e aguardando ansiosamente pela abertura do local.

Até aí, nada de tão surpreendente: as pessoas querem comprar seus presentes de Natal, para socializarem com a família e amigos, compartilhando o chamado "espírito natalino" - materializado nos produtos adquiridos em lojas. Mas não só esse hábito do uso de mercadorias como forma de sociabilidade traz muitas informações caras aos sociólogos, como o próprio evento do "passeio no Shopping" superou em muito essa função; pois, na verdade, embora esse "palácio do consumo" abrisse às 11h nesse dia (um domingo), suas lojas estariam fechadas até as 14h.

Ora, isso mostra como o Shopping Center deixou de ser apenas um local de compra de mercadorias - um meio para um fim de consumo - para se tornar um fim em si mesmo. Local encantado por uma "hiper-realidade" cativante, super-atraente, com suas cores exageradas, suas decorações gigantescas, sua arquitetura exuberante, sua coleção de pequenas ilusões, esse grande palácio pós-moderno se impõe como um ambiente muito mais interessante e vívido do que aqueles próprios à realidade cotidiana. Sem dúvida, estamos falando de uma espécie de "re-encantamento do mundo" em uma sociedade cotidianamente desencantada; contudo, um re-encantamento desprovido de conteúdo unívoco e coerente, repleto de signos arrancados de seus significados, pautado apenas por imagens e pelo seu caráter de "superioridade" em relação à realidade por um simples exagero de forma, cores e informações. Um entorpecente visual.

Toda a decoração do referido Shopping conspira nesse sentido: o Papai-Noel gigantesco e seus cães (?) em frente aos portões, e um grande jardim artificial na parte interna, que simula um ambiente natalino extremamente pós-moderno. Nele, são encontrados cerca de dez Papais-Noéis, cercados de bonecos representando crianças e duendes. O mais interessante, contudo, é que o tema dessa decoração é a floresta tropical africana; por isso, podem ser encontradas diversas estátuas de animais típicos daquela região, todas com engrenagens que as fazem se mover com frequência: macacos, hipopótamos, girafas. Mas... o que diabos isso tem a ver com o Natal e seu imaginário, com velhos albinos com casacos de frio, renas e tudo mais?

Como se não bastasse, há apenas 1 Papai-Noel negro em meio a esses dez brancos, meio isolado em um canto, absolutamente descontextualizado - no maior estilo "alguém reclamou que só tínhamos Papais-Noéis brancos, então tivemos que colocar um negro".

Sem dúvida, trata-se de um avanço em termos da igualdade racial, com importantes repercussões simbólicas para a mente de crianças acostumadas a bonecas "esteticamente perfeitas", loiras e de olhos azuis. Mas é uma solução puramente visual, desprovida de conteúdo e insuficiente, sem dúvida, para o convencimento de que o Shopping aderiu à idéia de uma democracia racial e de um multiculturalismo - afinal, o Papai-Noel negro, além de solitário, continua inserido em todo um sistema simbólico de raízes não apenas brancas, mas nórdicas - sistema simbólico por si já implantado de modo artificial em nossa cultura, importado de suas características européia e americana de forma absolutamente acrítica. (Aliás, lembremos, mesmo o Papai-Noel vermelho e branco é uma sombra "hiper-real" daquele das tradições cristãs, sendo suas próprias cores, hoje, fruto do imperialismo propagandístico das Indústrias Coca-Cola.)

Vários outros pequenos fenômenos ocorridos no interior desse Shopping poderiam se prestar à uma observação crítica. O lugar está simplesmente lotado de sinais sobre a contemporaneidade e suas lógicas de funcionamento, que são um verdadeiro convite ao olhar sociológico e seu constante treinamento.

Pedro Mancini


quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

A lógica natalina e o desperdício de recursos

2 comentários:



Dias atrás, li um comentário interessante no Twitter. Um tal Pedro Nogueira pregava que destruíssemos as luzes de enfeite de Natal espalhadas pelas ruas, em prol da economia de energia elétrica.

Esse comentário me fez pensar: embora exista uma preocupação generalizada com os riscos ambientais e com as possibilidades de evitá-los, inclusive pela economia de recursos - campanha amplamente difundida pela mídia -, ninguém toca no assunto quando se trata do Natal e de seus gastos, que não devem ser poucos, com iluminações e outros enfeites.

Isso demonstra, claramente, que a lógica racional não é absoluta em nossa sociedade, sendo apenas um dos aspectos de nossa cultura que, em determinados momentos, pode ser sobrepujado por outra lógica simbólica.

Assim, ao contrário da imagem que vende, a sociedade contemporânea não opera, exclusivamente, segundo a lógica racional. A questão de poupar recursos para permitir um desenvolvimento sustentável do planeta é culturalmente criada em meio a uma reflexividade típica da modernidade (para utilizar terminologia de autores como Anthony Giddens e Ulrich Beck), e, portanto, é facilmente distorcida e interpretada de acordo com o contexto e a convivência com outras perspectivas culturais igualmente presentes.

No caso, é óbvio que toda a "magia do Natal" sobrepuja a lógica reflexiva da limitação do desperdício de recursos: Por mais que sejam disseminadas várias recomendações de conduta e de adquisição de produtos com fim de evitar quaisquer gastos desnecessários de recursos terrestres (como a recomendação de uso de lâmpadas fluorescentes que economizam energia ), no Natal toda a sociedade se cala diante da iluminação de inúmeros prédios, casas e árvores - que brilham incessantemente durante toda a madrugada.

Não discutirei, aqui, os possíveis motivos para a lógica do desperdício natalino sobrepujar a lógica
ecológica - acho, para encurtar muito a análise, que esse poder está vinculado, justamente, ao sentimento de "re-encantamento" que o Natal traz, caracterizando-se como um escape mágico ao desencantamento do mundo ordinário do resto do ano.

De todo modo, espero que as previsões científicas de cunho pessimista, que avaliam o futuro próximo do planeta como nebuloso, estejam incorretas. Pois, se o futuro da Humanidade depender do grau de sacrifício que estamos dispostos a fazer para evitar um cataclisma ecológico devastador, estamos realmente condenados.

Pedro Mancini

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Ainda sobre a Leila Lopes (Última)

Um comentário:
Só para finalizar o assunto: Leila Lopes deixou uma carta aos familiares com suas justificativas para o suicídio. Para quem tiver curiosidade mórbida ou interesse "acadêmico" para analisar seu discurso, deixo a opção: http://br.noticias.yahoo.com/s/08122009/48/entretenimento-familia-divulga-carta-deixada-leila.html

domingo, 6 de dezembro de 2009

Esclarescimentos sobre a postagem anterior

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Não sei se todos estiveram à parte dos acontecimentos que me fizeram elaborar a postagem de ontem, mas, por via das dúvidas, descreverei brevemente os fatos.

No dia 03/12, a atriz Leila Lopes, que já participou de várias novelas da Globo e recentemente partiu para o mercado de filmes pornográficos, foi encontrada morta em sua residência (http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u661197.shtml). A polícia suspeita de suicídio.

Tão logo a notícia se espalhou, os piadistas de plantão do Twitter dispararam seu arsenal de piadinhas - algumas delas razoáveis, outras bem infames. Até aí, não vi lá muitos problemas - não quero entrar em um moralismo simplista. Algumas piadas eram, de fato, boas, sem atacar diretamente os valores humanos (por exemplo, piadas que comparavam a morte da atriz com a do locutor Lombardi, do SBT).

Nesse contexto, Rafinha Bastos, do programa semanal da Bandeirantes CQC (http://www.band.com.br/cqc/), um programa bem a gosto da classe média paulistana, lançou a seguinte piada, via Twitter: "Ñ condenem o suicídio. Pense: Se vc fosse a Leila Lopes, o q vc faria?"

A partir daí, o humorista recebeu uma série de críticas pela rede informacional. Como se não bastasse a infelicidade da referida piada - que atacou moralmente a integridade não só de uma atriz, mas de todos seus amigos e familiares, sofrendo por sua recente perda (e que NÃO PRECISAVAM ler esse tipo de comentário), Bastos lança um comentário de "defesa que soa ainda pior: "A todos os q se ofenderam c/ o q eu disse da Leila Lopes: A vida é ótima e suicida tem mais é q se fuder".

(Aliás, esse tipo de reação parece ser bem próprio dos membros do CQC: Danilo Gentili já foi acusado de fazer uma piada racista e, ao se defender, causou ainda mais mal-estar entre seus seguidores de Twitter).

Enfim, foram esses acontecimentos da presente semana que me motivaram a escrever a última postagem.

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

O Suicídio e o Humor

3 comentários:
Estou abismado com a agressividade demonstrada por alguns humoristas, no Twitter, sobre o suicídio, ao comentarem sobre a morte de Leila Lopes.

Rafinha Bastos, do CQC, para além de qualquer piada de mau gosto, chegou a afirmar que "suicida tem mais é que se foder".Como seu colega de programa Danilo Gentilli, ao expor uma piada acusada de teor racista meses atrás, o comediante consegue piorar uma piada ruim com comentários posteriores, de defesa, que mais "queimam seu filme" do que "livram sua cara".

Ao dizer que os suicidas tem mais é que se foder, Bastos deixa de apenas guardar mais umas piadas de péssimo gosto em seu currículo para tecer um comentário desrespeitoso, agressivo e intolerante. É claro que logo seus defensores surgem das profundezas, buscando distorcer as circunstâncias ao taxarem os críticos de Bastos de intolerância e "corretismo político"!!
(Aqui, eu poderia acrescentar a hipocrisia presente nesse raciocínio "CQCniano": eles acusam os críticos de serem politicamente corretos, mas se acham no direito de tecer comentários moralistas sobre o comportamento de celebridades e políticos nacionais.Quem, afinal, é hipócrita nessa história?)

Rafinha cai, ainda, no senso comum ao abstrair todas as configurações sociais que levam as pessoas a cometerem suicídios, responsabilizando, de forma simplista, o suicida por sua atitude - além de demonstrar grande raiva com relação a essa "solução final", dada por pessoas desesperadas, mostrando um certo moralismo sobre o valor da vida.

De modo similar, os doentes são progressivamente responsabilizados por suas doenças - como uma vítima do câncer, da Aids ou de um ataque cardíaco, com seus estilos de vida e comportamentos passados vistos como únicos fatores causadores das enfermidades. Indo mais longe, garotas como a da Uniban e milhares de mulheres estupradas, vítimas de violência sexual igualmente injustificável, são vistas como grandes causadoras das desgraças que as assolam - como se, indiretamente, respaldassem as ações de seus agressores pelos seus comportamentos "moralmente questionáveis".

Como Durkheim, o pai da Sociologia, já demonstrou, os suicídios, para além das motivações subjetivas dos indivíduos, possuem causas sociais. É preciso entender quais são as características circunstanciais da sociedade contemporânea que tornam atraentes às pessoas se absterem de viver, mergulhando na morte. Declarações de figuras públicas nacionais, como Rafinha Bastos, sobre o assunto, apenas escondem a questão nas profundezas de um quarto escuro, isolado dum debate público sobre a sociedade que nos rodeia.

Pedro Mancini

Esforço de ressucitação

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É incrível como esse ano passou rápido. Quando me dou conta, já faz quase meio ano que escrevi da última vez - sendo só um recadinho, com uma imagem que nem sequer consegui ampliar (e ainda não consigo!).

De fato, só escrevi verdadeiramente no último natal. E, mesmo que me recuse a acreditar, já nos aproximamos de mais uma "edição" desse evento tão importante para a nossa contemporânea sociedade ocidental...

Em suma, acho que o tal do "espírito natalino" me atinge de forma especial, fazendo-me recuperar um pouco as forças para escrever, timidamente, minhas idéias nesse humilde blog... Embora esse espírito costume se dissipar com a virada do ano. Dominado por ele, ao menos já consegui dar uma formatada nesse pulgueiro...

Veremos se consigo, dessa vez, manter esse espírito em meu ser por mais alguns meses, quem sabe por todo o ano de 2010!

Em breve, postarei mais uma experiência particular de natal, que vivenciei dias atrás (na verdade, ainda faltando quase 1 mês para a "noite feliz"). Depois, procurarei atender o pedido de uma fã "anômima" - promessa que fiz há meses, e cujo cumprimento já adiei o suficiente.

QUE O ESPÍRITO NATALINO (sic) ME AJUDE NESSA EMPREITADA, TRANSMITINDO-ME A DEVIDA INSPIRAÇÃO!!


Pedro Mancini

terça-feira, 21 de julho de 2009

Comparação

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Tive que postar essa grade pérola que o Twitter me forneceu...
Quem não conhece as obras dos autores, sugiro muitíssimo a leitura de ambas!
(A imagem ficou muito pequena e não tenho conhecimento nem paciência para aumentá-la rapidamente, então envio o link da mesma: http://fatpita.net/?i=1952.)

sábado, 3 de janeiro de 2009

Minhas festas de fim-de-ano

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Comemorações de fim-de-ano (o Natal e o Revéillon propriamente dito) são ótimas ocasiões para se observar e estudar as regras sociais em vigor - regras e habitus que condicionam o comportamento de nossos queridos parentes. São ocasiões ritualísticas, em que a solidariedade de grupos de parentesco e amizade é posta à prova e exercitada.

Em meio a tais cerimônias, várias nuanças podem ser captadas: sinais sociais que, por vezes, reforçam, e às vezes parecem contrariar o conteúdo simbólico "real" dessas próprias celebrações...

Na festa de natal que participei, promovida por minha família, pude observar alguns comportamentos curiosos. Destacarei um em especial: a aparição de um Papai-Noel contratado...

Durante essa tradicionalizada aparição, todos os meus priminhos (que têm entre 5 e 9 anos, creio eu... nunca fui bom em estipular idades de crianças) receberam inúmeros presentes - desde dedais de borracha (que simulam máscaras de luta-livre) até um videogame de última geração (sim, trata-se de uma família burguesa, em essência).

Em meio ao ritual, os parentes mais próximos das crianças, mais afobados que as próprias e armados com câmeras digitais, fizeram um verdadeiro escândalo para filmarem seus filhotes no colo do papai-noel - em uma tentativa desesperada de encaixar a situação em um modelo ideal de natal, com as crianças superfelizes ao receberem as mais incríveis bugigangas do "bom velhinho".

As crianças, porém, ao contrário do que ocorre nessa situação ideal, não pareciam lá tão empolgadas... tanto que foram postas "aos gritos" no colo do papai-noel, pelos pais, e cutucados impacientemente quando, distraídas, deixavam de olhar fixamente para o velhinho contratado e os presentes que ele entregava... ao meu ver, uma situação quase totalitária (por minúscula que seja), em que as ações das crianças eram-lhe impostas como obrigatórias, por forças externas, superiores e inescapáveis: adultos neuróticos!!!!!!!!!!!!

O interessante é que tais rituais, apesar de serem voltados às crianças (à internização de determinados valores cristãos e ocidentais às mesmas), atingem e emocionam muito mais esses adultos (que já tiveram esses valores internalizados, em um longo processo de socialização, inciado décadas atrás...). Já "moldados" pela sociedade, são seus valores, já apropriados e internalizados, que são postos à prova - valores esses ainda não inteiramente absorvidos pelas crianças. As últimas, é claro, como "radares" potentes que são, acabam absorvendo e reproduzindo, meio mecanicamente, tamanha excitação presentes em seus pais, tios e avós.

Em suma, valores que são absolutamente arbitrários aos olhos inocentes da criança, são, pela perspectiva adulta, tidos como "naturais", e por vezes defendidos com uma autonomia variável por esses adultos - transformados, pelo tempo, em agentes reprodutores e difusores desses valores.

A situação discrita nesa postagem exemplifica, assim, o funcionamento de todo processo de socialização, em que valores, a princípio estranhos ao indivíduo, são-lhe impostos à força, com tamanha violência simbólica e insistência, que acabam naturalizando-se, sendo apropriados e, freqüentemente, ativamente defendidos e disseminados.

As crianças, por hora vítimas de um ritual rígido de socialização (cujos custos se anulam totalmente, com as recompansas representadas pelos presentes de Natal, o "lado feliz" (???) dessa situação arbitrária), com muita probabilidade, transformar-se-ão em "impositores morais" à imagem dos próprios pais, algum dia: impondo, com violência similar, os valores da sociedade capitalista, cristã e ocidental às próximas gerações... com uma discreta mão de ferro, mas também com muito amor, carinho e presentes, é claro.


Pedro Mancini