Aqui estou eu para, mais uma vez, escrever sobre um assunto bem abrangente: a importância do sofrimento para o amadurecimento individual. Tive essa ideia após passar, eu mesmo, por um período de perdas consideráveis em minha esfera pessoal. Tenho plena consciência de que terei momentos muito mais difíceis que esse, mas também sei o quanto dores como as que eu passei estavam fazendo falta em minha vida.
É claro que, em geral (com a interessante exceção dos masoquistas), ninguém gosta de sofrer. Vivemos, em grande parte, evitando ao máximo sentir qualquer espécie de dor. Basta que afastemos um pouco o olhar para percebermos, porém, o papel construtivo que o sofrimento pode assumir para a trajetória biográfica daqueles que sofrem.
O que é o sofrimento? Para além da mera dor física ou emocional, é a sensação de que perdemos algo, às vezes de modo irremediável. É a percepção de que perdemos o controle de algo que nos era caro, que tínhamos como certo, garantido, inabalável. É a admissão de nossa impotência e do caráter efêmero da vida, que escapa de nossas mais prepotentes (e inconscientes) ilusões de controle sobre aquilo que, na verdade, é muito mais incontrolável do que poderíamos admitir.
Aquele que foge do sofrimento, e de certa forma é bem sucedido na arte de evitá-lo, está somente seguindo um instinto infantil de autopreservação. Podemos continuar adotando essa atitude por muito tempo, mas a verdade é que a dor é um processo inevitável - embora relativamente adiável - de nossa formação. Como seres humanos, temos o trágico hábito de nos apegar a objetos, ideias e outros seres de modo intenso, de entregarmos nossa alma em busca do acalanto perdido quando nossa progenitora nos expeliu de seu corpo. Iludimo-nos, então, acreditando que tudo aquilo a que nos apegamos é eterno, indestrutível, e que está sob nosso irrestrito controle. Iludimo-nos de que não corremos o risco de perder o que amamos.
É claro que, racionalmente, isso pode parecer absurdo. Sabemos, conscientemente, que tudo possui uma "data de validade", uma chance de se esfarelar perante nossos olhos. Mas quem dera fôssemos seres absolutamente racionais! Percebo, hoje, o quanto essa carapaça de "racionalidade" que nos cerca não passa, em muitos sentidos, disso - uma mera carapaça, obscurecendo nossa natureza altamente irracional. Por mais que nos convençamos de que nossa razão é o farol que orienta nossas ações, somos movidos (e reinados) por muitas outras forças internas, obscuras e fora desse "controle" que tanto visamos.
Mas voltemos ao assunto em pauta. Eis que a vida, consciente de sua crueldade, acaba por revelar o nosso erro, e o sofrimento intenso acaba por nos acometer. Que desgraça! Sangramos, sentimos, temos nossos mundos totalmente abalados - como o bebê que perde, repentinamente, o conforto uterino. Como pensar no lado positivo de toda essa dor??
A mágica reside no fato de que, ao convencer-nos de nossa impotência em preservar aquilo que nos é precioso, o sofrimento nos fornece a chance de encarar a vida de modo mais intenso e maduro. Tendemos a nos tornar mais infelizes, é verdade - afinal, estamos fadados a nos conformar ao fato de que, mais cedo ou mais tarde, perderemos contato com tudo que nos torna felizes - mas essa consciência nos faz cultivar de modo mais significativo o apego a esses bens tão efêmeros. Convencidos de que perderemos as coisas que amamos, lutamos mais para preservá-las e para cultivar nossa relação com elas - antes que seja tarde demais e nos tornemos ainda mais infelizes pela culpa de não termos aproveitado o bastante aquilo que, já sabíamos, acabaria por nos abandonar no final.
Nítidos de nossa impotência, também desconfio que somos mais capazes de enxergar as outros coisas e pessoas por si próprias- e não como uma mera extensão de nossos desejos, de nosso mundo particular. Conscientes de que tudo, no final, é efêmero e escapa de nosso controle, tendemos a admitir que todas as coisas possuem um movimento próprio, autônomo daquilo que gostaríamos que fossem. Somos capazes, então, de adotar uma postura geral mais "humilde", admitindo que o mundo se move independentemente - e muitas vezes contrário - à nossa vontade. Em suma, o sofrimento é capaz de nos abrir os olhos para a natureza múltipla e inconstante da realidade.
É claro que não se trata de um movimento universal inevitável - nem todos tiram lições significativas do sofrimento. Mas acredito se tratar de uma tendência e de uma (dolorosa) oportunidade de crescimento. Não é fácil abrir mão da felicidade trazida pela ilusão do controle sobre a vida - mas somente com esse abandono tornamo-nos indivíduos minimamente maduros, conscientes de nossas limitações e capazes de perceber o "outro" em sua especificidade. Enquanto somos abraçados pelo conforto dessa ilusão uterina, de um mundo sem dores, não passamos de infantes presos a uma relação narcisista. Pré-indivíduos felizes, embora incapazes de admitir nossa incompreensão face as sutilezas da vida.
Pedro Mancini