Essa semana foi celebrada a missa de sétimo dia do falecimento de um grande professor (em que fiquei muito triste por estar impossibilitado de comparecer) - Antônio Flávio Pierucci, um dos maiores especialistas em Sociologia da Religião e na obra de Max Weber que o Brasil já produziu. Mas não estou aqui para falar dos feitos acadêmicos do excelente professor e pesquisador Pierucci; e sim de suas qualidades pessoais.
Mas quem sou eu para falar alguma coisa, poderia-se pensar? Conhecia ele mais do que vários de meus colegas de faculdade, que cursaram a graduação tendo a honra de assistir as suas aulas descontraídas, apesar de extremamente enriquecedoras? Não. Não sou ninguém notadamente especial entre o círculo de amizades de Pierucci: apenas MAIS UM aluno que ele conhecia pelo nome e comprimentava pelos corredores da faculdade com boa vontade e transparência raras e invejáveis. Não apenas lembrava meu nome anos após uma participação em seu curso de Sociologia IV, como lembrava das conversas que havíamos tido àquela época. E isso, não tenho dúvidas, ocorreu com inúmeros colegas de curso.
A maior virtude de Flávio Pierucci, para mim, não estava em sua produção acadêmica - que, não me entendam mal, é indiscutivelmente importantíssima, mas que já foi destacada pelos usuais veículos de comunicação, embora ainda superficialmente. Sua maior qualidade encontrava-se por detrás do pesquisador e professor: seu lado humano, desapegado às relações burocrático-informais que permeiam um ambiente como aquele que frequentava até muito recentemente: os corredores da Universidade. Em um local em que somos "apenas mais um aluno", com um número de matrícula que nos posiciona em uma massa de milhares de matrículas, e em que nos encontramos na mais baixa posição hierárquica da rígida estratificação universitária, Pierucci possuía a habilidade inata de romper as barreiras estatutárias e apresentar-se como um ser humano para seus alunos, para além de um "simples" reprodudor de conhecimentos teóricos. Aproximava-se de cada um de nós como um colega pessoal, e não como um ser que vive em um inviolável Monte Olimpo, pairando sobre nossas cabeças. Tinha o dom de fazer cada um entre centenas de alunos se sentir um pouco mais especial, um pouco mais do que um mero número de matrícula em uma comunidade acadêmica altamente burocratizada (burocracia essa habilmente tematizada pelo estudioso em que Pierucci mais se especializou, o velho Max Weber). Não era o único professor a deter esse dom - tive a sorte de me relacionar com uma orientadora com qualidades semelhantes - mas era um dos poucos, e daqueles que o faziam de modo mais hábil e natural.
Pierucci, enfim, era um dos poucos professores que conheci que eram capazes, naturalmente, de encantar um pouco esse desencantado, altamente racionalizado, universo acadêmico. A FFLCH acordou um pouco mais desencantada no mês de junho de 2012.