quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Postagem sobre identidade fragmentada em meio ao uso da Internet: Lauren Jones

Econtrei, via o blog do jornalista-usuário do Second Life Wagner James Au, o New World Notes, uma postagem interessante sobre a fragmentação das identidades possibilitada pelo uso do computador. Nela, há uma interessante analogia entre a forma como atualmente as pessoas mais conectadas à rede administram seus papéis sociais pelo computador, por um lado, e o Sistema Operacional Windows (com sua separação "multi-tarefária" via janelas), por outro. Essas metáforas, por sua vez, foram buscadas no livro da autora Sherry Turkle, intitulado "Life On The Screen"("A Vida na Tela").

A tradução é minha, e foi adaptada para aqueles que não estão tão envolvidos com o mundo virtual. Como não sou nenhum especialista em traduções, ela não deve estar essas coisas, mas valeu a tentativa (quem quiser opinar a respeito, sugerir alterações na forma da tradução, sintam-se livres, ok?)...

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Pelos anos em que tenho sido usuária de computador, ouvi com frequência – assim como vocês também devem ter ouvido – que as pessoas se valorizam excessivamente, especialmente desde o advento da Internet. De fato, desde o surgimento da Internet, as pessoas estão, progressivamente, investindo maiores porções de si em suas vidas cibernéticas, imputando-as um peso igual àquele conferido à parte mais convencional de suas vidas. Isso pode ser difícil para algumas pessoas engolirem e, como sempre, correntes da Internet surgiram para ridicularizar toda a ideia. Essas correntes podem ser consideradas derivadas do pensamento “negócio sério” (da sigla “SRS BNSS”, derivada da gíria “Serious Business”, usada para qualificar aqueles que levam as coisas excessivamente a sério), é claro.

Em certa medida, pode-se ver porque, historicamente, as pessoas desenvolveram esse tipo de idéia. Até muito recentemente, a Humanidade era algo como uma entidade "unitarefária". Nós podemos atuar em papéis diferentes em tempos diferentes (por exemplo, sermos parente, professor, criança, vilão, pirata espacial, e assim por diante) mas, na prática, nós interpretamos esses papéis um de cada vez, em série.


Na geração moderna, a Humanidade se transformou em um processador paralelo de multi tarefas. Nós não mais vivemos nossas vidas em séries, mas, ao invés, em paralelo, alternando entre janelas, para que possamos gerir existências paralelas e cumprir tarefas paralelas. Observem a imagem abaixo (eu fabriquei essa imagem simplesmente como ilustração, mas ela não está inteiramente distante da verdade, como irei explicar).

Nessa captura da minha área de trabalho, você pode ver que ao invés de estar simplesmente cuidando de uma tarefa por vez, eu estava, na verdade, cumprindo múltiplas tarefas simultâneas. Não há nada de novo nisso, é claro; pessoas são multifacetárias há muito tempo. Mas observemos a imagem mais de perto. O Second Life estava aberto, onde me envolvia numa discussão maluca no “infocuboAhern. Estava com o Skype online” e conversando pelo fone de ouvido com um familiar. Estava com o Facebook aberto, conferindo as mensagens. Estava editando uma imagem para enviar a um amigo por e-mail. Estava rodando o EVE Online na tela mais a fundo, programa que estou atualmente explorando para contribuir em um blog futuro. Estava com o Publisher 2007 aberto enquanto deixava algum trabalho pronto para a próxima semana. Estava com o sítio da BBC aberto, para checar as notícias do dia. Para além da tela, estava com meu computador portátil rodando enquanto eu (meio que) assistia um DVD ao fundo. Então, exatamente no mesmo instante, eu era uma exploradora cibernética, uma familiar, uma “networker” social, uma funcionária, uma pirata espacial, uma blogueira e uma fã de um dado filme. Cada um desses papéis requer um certo modo de pensar, e estamo-nos tornando marcadamente adeptos da manutenção dessas vidas paralelas. Alguns escritores atribuem esse fato à introdução do Windows como um sistema operacional. Em certo sentido, a idéia de um sistema operacional que processa, paralelamente, múltiplas tarefas é exatamente do que estamos falando. Sherry Turkle tinha isso a dizer em seu livro, “Life On The Screen”.

O desenvolvimento de janelas para interfaces de computador foi uma inovação técnica motivada pelo desejo de fazer as pessoas trabalharem mais eficientemente por meio da circulação por diferentes aplicativos. Mas na prática diária de muitos usuários de computador, as janelas tornaram-se uma poderosa metáfora para se pensar sobre o self como um sistema múltiplo, distribuído. O self não está mais apenas interpretando diferentes papéis, em configurações e tempos distintos, algo que uma mulher experimenta quando, por exemplo, ela se maquia como amante, prepara o café da manhã como mãe, e dirige até o trabalho como advogada. A vida prática de janelas é a de um self descentrado, que existe em muitos mundos e interpreta muitos papéis ao mesmo tempo. No teatro tradicional e em “role-playing games” com interpretações físicas, pode-se adentrar ou sair da personagem; MUDs, em contraste, oferecem identidades paralelas, vidas paralelas. A experiência desse paralelismo encoraja um surpreendente grau de igualdade no tratamento das vidas de dentro e de fora da tela. Experiências na Internet estendem a metáfora das janelas – agora a "Vida Real", em si, como Doug disse, pode ser “apenas mais uma janela”.

É claro que pode e deve existir debate sobre em que medida isso se traduz em um desenvolvimento positivo ou negativo, mas, de todo modo, isso é como as coisas são atualmente, e eu não sinto que irão mudar tão cedo.
Acho igualmente fascinante que mais e mais cibernautas estejam percebendo que suas presenças em espaços múltiplos devem ser estudadas e geridas. Grupos como “Transworlders” são um dos desenvolvimentos interessantes nesse sentido, sobre o qual devemos manter os olhos abertos.
Como uma nota pessoal, também acho fascinante que, conforme o tempo passa, perceba cada vez mais que sou a mesma pessoa, não importa para onde vá. Os vários pedaços de mim, que se espalham por múltiplos espaços, na verdade não são nada mais que meu self descentrado. E ISSO é que é, realmente, o “negócio sério”.

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Observação: As opiniões expostas nessa traduzão não refletem, necessariamente, minha opinião pessoal, e nem podem ser confundidas com interpretações de cunho acadêmico (assim como minhas próprias postagens!). De toda forma, porém, trazem provocações que não podem ser ignoradas por aqueles que pretendem estudar as complexas relações entre a administração de identidades pessoais e a Rede Mundial de Computadores.

Pedro Mancini

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