segunda-feira, 3 de maio de 2010

Alguns vícios da análise política contemporânea


Em mais um ano eleitoral, estou cada dia mais chocado com a tendência à radicalização e a observações eleitorais viciadas.

 
Muitas das tendências de avaliação política atuais, como uma perspectiva intimista e personalista da vida pública, já foram percebidas por sociólogos como Richard Sennett em meados da década de 90; não são, portanto, uma grande novidade. Esses modos de pensar obscurecem visões mais racionais, baseadas na análise de planos de governo e propostas de políticas públicas. São, em suma, vícios que prejudicam a democracia e a civilidade. Analiso, aqui, e de forma apenas exploratória, um desses grandes vícios: uma visão da política que chamarei de "pessoal intimista", preocupada com um destrinchamento da vida privada, e até íntima, dos candidatos em questão.

 
Muitos eleitores pensam em seus candidatos apenas a partir de sua personalidade – ou melhor, de uma imagem idealizada do que SERIA essa personalidade, baseada em conhecimentos de fatos pontuais. Além de potencialmente irracional - por se pautar, muitas vezes, em uma IMPRESSÃO inconsciente sobre o candidato -, reproduzindo, de modo acrítico, preconceitos de classe inculcados em nosso inconsciente, essa forma de interpretação tende a simplificar o debate e obscurecer outros aspectos, que deveriam, esses sim, ser fundamentais nas escolhas políticas. Propostas de governo defendidas pelo partido do candidato ficam, com o domínio dessa perspectiva intimista, relegadas a um segundo plano.

 
Em outras palavras, essa forma de interpretação do quadro eleitoral peca por pressupor, intrinsecamente, que o candidato governará sozinho, contando apenas com seu "caráter", sua "personalidade". Assim, separamos os candidatos entre "honestos" e "íntegros", "bons" ou "mau caráteres", bem ou mal intencionados. Para tanto, focamos em sua "cara", em sua postura, em seus hábitos mais privados. Assim, Lula pode se ver reduzido a um "cachaceiro", a um "analfabeto ignorante", que, por essas características, merece meu repúdio. FHC, por outro lado, será avaliado como um "intelectual" que, "naturalmente", governa de forma racional e inteligente. Sob essa perspectiva, quem liga para as idéias por detrás da personalidade dos candidatos? Quem liga para as plataformas políticas, para os planos de governo, para a ideologia representada pelo partido representado pelo político? E para os resultados dessas políticas? Muito se perde com essa redução patética à personalidade (ou impressão de personalidade) dos candidatos a cargos públicos.

 
Essa personalização pode se manifestar tanto em avaliações positivas, quanto negativas: assim, o governo Lula pode ser bem avaliado porque "Lula é um de nós", ou a Dilma pode ser má avaliada, como possível governante, ao ser taxada de "criminosa" ou "terrorista" por ter lutado contra a Ditadura décadas atrás.

 
Essa, aliás, é outra grande ferramenta da simplificação e deturpação do debate político: a descontextualização. Aliada à avaliação personalista-otimista, a retirada dos fatos de seus contextos originais pode acarretar em resultados especialmente catastróficos. O exemplo mais atual, sem dúvida, é a agressão pela qual a candidata Dilma Roussef tem passado, nos últimos meses: por ser uma mulher de "personalidade forte" e de esquerda, que militou em um grupo mais radical durante a Ditadura Militar, ela tem sido avaliada, por setores mais radicais da classe média, como uma simples terrorista criminosa (perdoem-me pela redundância). Ora, a descontextualização é aqui óbvia: ignora-se a falta de legitimidade de um governo militar que torturava e assassinava seus opositores nos porões de prédios públicos, tratando aqueles que resistiam a essa estrutura como criminosos comuns. Como a própria Dilma já disse, naquele período era heróico enfrentar o regime – fosse mentindo para as autoridades, com fins de proteger colegas militantes, fosse resistindo militarmente. O contexto ERA de radicalização – tanto da direita, quanto da esquerda. Não havia, praticamente, possibilidade de resistir pacificamente: quem o fazia, era perseguido, preso e morto, como o jornalista Vladimir Herzog.

 
É claro que a mesma forma de violência nunca se justificaria nos tempos atuais, com instituições democráticas melhor estabelecidas, que permite a existência de oposições institucionalizadas. Mas transplantar os comportamentos políticos de uma época de exceção para os tempos atuais, condenando militantes da esquerda como se fossem simples criminosos, é simplesmente um jogo baixo e sujo demais – e mais um mecanismo de deturpação política, usado para justificar preconceitos ideológicos e de classe ulteriores. Seria ingênuo demais acreditar que o Brasil teria todos os seus problemas políticos resolvidos, se tais mecanismos (a análise "pessoal intimista" e a descontextualização, entre outros que não tratei no presente texto) deixassem de ter tanto peso na hora da análise e da decisão eleitorais; mas, sem dúvida alguma, seríamos um pouco mais racionais em nossas escolhas.

 
Pedro Mancini

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