sexta-feira, 18 de junho de 2010

Copa do Mundo, Brasil e o furor comunitário

Hora de Copa do Mundo - hora de histeria coletiva no Brasil.

Na última terça-feira, um clima de furor coletivo impregnava todo o país: era estréia da seleção na Copa. Em São Paulo, momentos antes da partida, o trânsito era terrível - pior que numa sexta-feira, em pleno horário de rush. Surpreendentemente para esses olhos, porém, o humor coletivo estava muito menos ranzinza que de costume.

Afinal, o clima era de festa, mesmo no meio do caótico sistema de transportes paulistano. As chamadas "vuvuzelas" conversavam com buzinas a gás ou com as próprias buzinas dos automóveis, em uma sinfonia desafinada e ensurdecedora - e quase todos estavam felizes com isso. As manifestações típicas das ruas de São Paulo, de impaciência e raiva, foram substituídas por sinais sonoros de cumplicidade.

Trata-se, enfim, de um ritual comunicativo, a demonstração de um laço comunitário unindo os brasileiros (boa parte deles, ao menos - mas nenhuma comunidade é unânime em sua aceitação e inclusão) em torno de uma causa comum - um campeonato mundial de futebol. É claro que - impossível não pensar nisso - é triste percebermos que manifestações dessa espécie só ganham essa força em momentos esportivos, especialmente futebolísticos. Nosso nacionalismo é, indubitavelmente, tacanho. E talvez por essa falta de sentimentos coletivos em quase todos os outros aspectos da vida social, a manifestação deste, durante uma Copa do Mundo, ocorra de forma tão radicalizada, eufórica, barulhenta.


Numa sociedade inserida em um contexto global de racionalização e desencantamento, a magia evocada por esse sentimento coletivo de paixão causa uma alegria impressionante, que parece remover o peso do cotidiano de nossas costas. Nesse sentido,  ficar 2 horas em um trânsito infernal para assistir o jogo a tempo parece um passatempo muito menos estressante do que em outros períodos. Alienação? Em boa parte, sim. Mas seria simplório resumir a questão a isso. Um sentimento de coletividade, muitas vezes, é fonte geradora dos mais bárbaros conflitos; quando dosado de forma correta, desvinculado de intolerâncias, é contudo capaz de operar grandes e positivas mudanças na sociedade. É a chave de qualquer revolução ou reforma de peso. 

É uma pena que os acontecimentos que favorecem essa união subjetiva dos brasileiros sejam tão raros e efêmeros... e, ao mesmo tempo, tragam sempre esse quê de alienação, de fuga de problemas coletivos mais sérios e bem mais dignos (e carentes) desses sentimentos unificadores.

Pedro Mancini


2 comentários:

Luiz "o Mediano" disse...

Pois é, e ainda me perguntam porque não gosto de futebol. É a unica coisa, nessa merda de país que nos unifica, exceto pelo movimento de "diretas já" e em menor escala, o impeachmen (não sei como se escreve) do Collor, nada mais nos unificou ou unifica.
Mas onde está esta coletividade para nos unirmos e enforcarmos (literalmente) os maus políticos? Onde está esta coletividade, nas favelas, para lincharmos os traficantes, já que se diz que 90% é gente honesta?
O grande problema, a meu ver, é que o brasileiro - embora tenha lemas de força como: sou brasileiro e não desisto nunca - é tão covarde que não está disposto a sacrificar sua vida, sua liberdade e sequer seu tempo pelas causas verdadeiramente importantes. A verdade cruel é que o brasileiro, principalmente paulistanos, só ficaram felizes com os jogos da copa porque significa trabalhar apenas meio período, assim como a grande maioria dos brasileiros não sabem, por exemplo, porque é feriado dias 7 de setembro ou 9 de julho, só importa que não caia na quarta, sábado ou domingo.

Nesse aspecto o lema do brasileiro deveria ser: sou brasileiro, sou acomodado e não me mexo nunca, me acorde na segunda feira!

Unknown disse...

Meu caro,

O ponto que discordo fortemente com você é sobre a forma como o sentimento coletivo deve se manifestar. Não fui muito claro com a presente postagem, que dediquei a valorizar o sentimento coletivo de pertença, mas existem inúmeras características típicas desse sentimento que possuem um potencial desumano e cruel.

As maiores violências cometidas pela humanidade ocorreram em decorrência desse sentimento que você aplaude - como o Holocausto e outros genocídios. Acho que temos que superar essa lado negativo da coletividade.

Não acredito, assim, que a coletividade deve estar ACIMA das VIDAS individuais, a ponto de poder anulá-las. Já se foi o tempo (e acho isso bom) em que, como você falou, os indivíduos estamos dispostos a "sacrificar a própria vida ou a liberdade" por um sentimento de pertença comum. Nos locais em que isso ainda existe, para mim não passa de um anacronismo, uma discrepância histórica!

Enfim, acho que o sentimento coletivo deve estar à serviço da vida e dos interessas dos indivíduos, e não ao contrário - ao menos, não nessa situação extrema, visível, por exemplo, nos linchamentos em praça pública.

Mas deixarei para discutir melhor esse assunto em outra postagem...