sexta-feira, 25 de junho de 2010

Lidando com múltiplos papéis

Em meio à Sociologia, não causa muita discórdia a constatação de que o mundo social, com sua elevada complexificação, fragmenta-se, obrigando os indivíduos a lideram com múltiplos papéis sociais  - por exemplo, de pai, filho, operário, estudante, cidadão, etc. etc. Para cada ambiente de interação, temos que vestir uma determinada máscara - salientando certos aspectos de nossa personalidade, e ocultando outros. 

É claro que lidar com esses múltiplos papéis pode ser maçante para alguns, mas o fato é que, durante a modernidade, os homens - de modo geral, mas não unânime - aprenderam a lidar com essa tarefa de forma razoável. Talvez, os hábitos de "escape" das opressões do cotidiano (bares à noite, conversa com os amigos, a embriaguez e o uso de drogas) podem ser parcialmente explicados e justificados pela existência de papéis excessivos, que nos fazem agir de acordo com normas sociais diversificadas e, por vezes, contraditórias. Aquele que consegue administrar essas inúmeras pressões sociais, dosando-os com momentos de descontração e maior despreocupação com a representação de papéis, poderia alcançar um equilíbrio razoável e manter a sanidade mental.

Hoje, contudo, a situação é mais complicada. Como escrito em um outro blog, traduzido por mim em uma postagem anterior, "o self não está mais apenas interpretando diferentes papéis, em configurações e tempos distintos, algo que uma mulher experimenta quando, por exemplo, ela se maquia como amante, prepara o café da manhã como mãe, e dirige até o trabalho como advogada. A vida prática de janelas é a de um self descentrado, que existe em muitos mundos e interpreta muitos papéis ao mesmo tempo".

Mais do que nunca, sinto que essa constatação é verdadeira: sou mais um, dentro muitos, que se divide em inúmeros papéis, vividos SIMULTANEAMENTE: ao mesmo tempo em que escrevo no blog, navego pelo Second Life, e nas pausas, janto, acesso o Twitter e o Facebook, envio e-mails para o pessoal da faculdade, faço alguns exercícios de francês...

É claro que, com essa "fragmentação do eu", tornamo-nos mais produtivos, de uma perspectiva mais ampla: estamos melhores habilitados a cumprir inúmeras tarefas concomitantemente, enquanto anteriormente trabalhávamos de forma mais consecutiva, executando uma tarefa por vez - o que diminua substancialmente nossa capacidade produtiva. Mas estou mais preocupado com as conseqüências mais negativas desse movimento.

Li recentemente, em uma revista, que "meditar é estar inteiro naquilo que se faz". Se levarmos esse ditado a sério, a fragmentação do Eu impede essa dedicação exclusiva e tranquila a uma atividade específica. Nos dias de hoje, torna-se missão quase impossível manter alguma serenidade e, ao mesmo tempo, uma concentração absoluta em questões determinadas. Ao invés desse ideal da meditação como realização concentrada de uma atividade, em que dedicamos toda nossa mente, temos uma situação real de fragmentação de nossa atenção em múltiplas atividades concomitantes.


Dois principais resultados  poderiam ser extraídos disso: em primeiro lugar, ao nos dividirmos tanto, damos uma atenção meramente superficial à cada uma das atividades - em oposição à dedicação absoluta que seríamos capazes de ministrar, caso realizássemos uma tarefa de cada vez. Por outro lado, somos acometidos por um permanente estado de ansiedade - sobrecarregados por inúmeras demandas, somos impossibilitados de realizar qualquer forma de meditação cotidiana, e acabamos engolfados por um movimento perpétuo de "mil coisas a fazer no mesmo minuto".


Detesto posar de conservador, mas acredito que, nesses casos, é necessário que nos dediquemos, ao menos por uma parcela do dia, a retomar práticas há muito esquecidas ou taxadas de menos produtivas: nos isolarmos de todas as exigências, externas ou internas, que nos obriga a estilhaçar nossa concentração, e nos focarmos, única e exclusivamente, em alguma atividade determinada. Poderemos nos chocar não apenas com o aumento de nossa inspiração e produtividade no que tange a essa atividade - mesmo que decidamos por uma meditação "per se" -, mas com uma sensação de auto domínio e auto conhecimento, com a redução de boa parte da ansiedade que costumamos produzir. 


Pedro Mancini

Um comentário:

Luiz "o Mediano" disse...

As máscaras, como viver sem elas? Dizer obrigado a alguém que queremos matar, ou abrir um sorriso quando queremos quebrar tudo... são exemplos de como as máscaras nos fazem pessoas aceitáveis para a sociedade.
Mas é possível sim, focar-se totalmente em uma determinada atividade e talvez, sermos quem realmente somos, essas atividades são o que chamamos de hobbys. Pequenas coisas a qual nos identificamos e nos dedicamos, como válvula de escape para que assim não esqueçamos de quem somos na verdade.
Várias vezes filosofei sobre isso e percebi que a célebre frase: Ser ou não ser, eis a questão. Não é só um monólogo de teatro, mas um jargão no teatro da vida.