quinta-feira, 10 de junho de 2010

Tecnologias e Dependências

Hoje, resolvi tratar de um assunto um pouco mais "light": nossa dependência pessoal com relação à tecnologia - e, em especial, a Rede Mundial de Computadores. Digo isso porque, dia desses (há cerca de 20 noites), fui pego de sopetão ao ficar sem computador por todo um fim de semana.

As consequências foram tremendas! E o melhor jeito de explicar esses impactos  é compará-los aos efeitos de uma virose ou uma gripe forte. No dia seguinte àquele em que entreguei meu PC ao técnico e me dei conta que estava sem a mais imprescindível ferramenta de trabalho que possuo, e sem minha forma de comunicação com o mundo, não senti a menor vontade de sair da cama. Não tive forças para iniciar as tarefas mais banais do dia-a-dia. Parecia, na verdade, que o computador fazia parte da minha essência - e se ele estava no conserto, parte de mim também estava danificada, inviabilizando o funcionamento de todo o resto do sistema corporal.

É claro que, passada essa fase depressiva inicial, abracei os efeitos mais positivos de ficar sem essa poderosa ferramenta do século XXI: voltei a contemplar um pouco mais as menores (e mais palpáveis) coisas da vida -  que são necessariamente desprezadas, em alguma medida, quando nos afundamos por demais no universo virtual.

De todo modo, esse acontecimento me fez refletir sobre o caráter de dependência entre indivíduos e macro sistemas nos dias atuais - fenômeno muito bem explorado por Anthony Giddens, sociólogo inglês que já citei em outras oportunidades. Percebendo, na verdade, uma relação de co-dependência entre pessoas individualmente consideradas e os sistemas mais amplos da modernidade - os por ele chamados "sistemas abstratos", dentre os quais a Internet certamente teria um papel central na atualidade- o autor apreende que, ao mesmo tempo em que participamos muito mais das esferas de comunicação social, inserindo-nos globalmente de inúmeros modos, somos igualmente dependentes desses mesmos sistemas.

Talvez seja essa relação de dependência individual com relação ao global (mas do que o oposto) que povoe o imaginário social contemporâneo com inúmeros medos de catástrofes de gigantescas proporções. Gêneros catastróficos de filmes fazem o gosto popular, e incidentes como um simples blecaute causam furor e excitação (como ocorreu no Brasil em 10 de novembro de 2009),  como se a Humanidade sempre houvesse convivido com a energia elétrica e seus benefícios eletrônicos correspondentes, e como se sua falta causasse grande surpresa aos nossos sentidos.

Como Giddens bem percebeu, todos somos afetados por crises de grande alcance, especialmente nos tempos atuais: os efeitos de bancarrotas de bancos e Estados não atingem apenas as grandes instituições, repercutem em nossos bolsos individuais; a falha em algum reator nuclear afetaria a vida de milhares (ou até milhões) de pessoas aparentemente sem qualquer relação com a usina, que vivem em um raio de centenas de quilômetros. De modo similar, uma falha no servidor de uma rede social (como o Orkut ou o Twitter) repercute, de forma dramática, no cotidiano e no "grau de felicidade", por assim dizer, de inúmeros usuários mais envolvidos. É o caos!

Nos enche de pavor, dada essa dependência extrema, a possibilidade - por mais remota que seja  - de que todo o sistema de comunicações falhe, que a Internet inteira fique indisponível, que o fluxo energético se rompa abruptamente, sem explicações. Já pensou se tivéssemos que sobreviver por alguns dias sem Internet, telefone, televisão?? Será que daríamos conta? Em um mundo em que nos sentimos tão antenados, nos sentimos especialmente impotentes e vulneráveis quando "desconectados" de todo esse universo de informações acessível pelas ferramentas tecnológicas.

O que torna essa possibilidade ainda mais dramática, assustadora e misteriosa, é o distanciamento ambíguo que temos com relação a esses sistemas: ao mesmo tempo em que podemos nos engajar politicamente de formas inteiramente novas (via comunicação virtual, por exemplo) e nos informamos sobre questões outrora monopolizadas por especialistas, os sistemas abstratos estão muito além de nosso alcance ou intervenção diretos. Assim, parece impossível prever, preparar-se para ou remediar uma catástrofe nuclear, um apagão ou uma simples queda de servidores. O mesmo ocorre com situações mais cotidianas e prováveis, como um grande congestionamento, resultante de um simples capotamento de uma carreta em uma rodovia qualquer. Podemos até nos informar sobre esses incidentes e protestar junto às autoridades competentes; estamos, contudo, impotentes para impedir sua reincidência, ou mesmo antecipar sua próxima ocorrência.

Nunca fomos tão autônomos, por um lado, e tão dependentes e impotentes, por outro. É... a modernidade tardia e suas contradições não são de simples compreensão. E nada melhor para nos darmos conta disso do que ficar alguns dias sem acesso ao computador.

Pedro Mancini




3 comentários:

Luiz "o Mediano" disse...

Meu caro, a grande sacada do seu texto foi justamente o ponto em que vc diz que o que nos torna mais independentes é justamente o que nos torna dependentes. A verdade é que a dependência, seja ela qual for, é uma necessidade da vida, pois somos tão dependentes de nossas pernas para andar quando um cadeirante de sua cadeira, só se pode trocar uma dependência por outra! Como exemplo prático: independência financeira só vem pela dependência de um trabalho que pague bem, ou de uma determinada fonte de dinheiro; Um yogue que viva sem se alimentar, independente de alimento humano, torna-se dependente de sua meditação para viver, caso contrário morrerá de fome.
A minha constatação máxima é que, quanto mais nós desejamos a libertade, a independência, mais ficamos dependentes do próprio desejo de ser livre, de forma que a própria busca pelo que te prende, se torna a dependência do sentimento de liberdade (não sei se ficou claro).
Como observação pessoal ao texto, acho que não teria problemas de passar um tempo sem computador e internet, mas sem eletricidade... Podemos dizer que só a idade das trevas seria divertida ;)

{Ótimo texto, só falta corrigir 2 erros de português: abastratos e "o autor apreende que"}

Unknown disse...

Olá, meu amigo!

Adorei o comentário, acho que você foi muito feliz. É uma contradição fundamental, mesmo, a relação entre dependência e independência, que vale para diversas esferas da vida...

Sobre os erros de português, não vejo erro na parte "o autor apreende que". Verbo APREENDER, mesmo. Já corrigi o erro de digitação do "abastrato", que realmente passou batido em minha revisão. Valeu pelo toque e pelos elogios, fiel leitor!! ;-)

Luiz "o Mediano" disse...

Aaaaa, eu fiquei mesmo na dúvida do verbo apreender, mas como não é assunto de polícia, achei que estava errado!

Quanto ao fiel leitor, hahaha.
"Estamos aqui pra isso!" (frase de um gordo mordomo em um episódio do Chapolin)