domingo, 29 de agosto de 2010

O Estresse como explicação para todos os males

O tema do último Globo Repórter, pelo que soube, foi o estresse. Este é, definitivamente, tido como um dos grandes males da sociedade contemporânea, a ponto de ser tema recorrente de programas jornalísticos desse porte: Todos, em algum momento, foram vítimas dele. Permanentemente sobrecarregados, dividimos nossos esforços em inúmeras partes, atendendo múltiplas demandas (amorosas, familiares, profissionais, financeiras, governamentais, etc.). Temos ainda de conviver com as péssimas condições de trânsito, com o medo da violência, entre muitos outros fatores, típicos da vida urbana moderna, que tornam o "viver" suficientemente difícil para que desenvolvamos vários tipos de males - tanto físicos quanto psicológicos.



Não serei, todavia, mais um a supervalorizar a questão do estresse nos dias de hoje, somando forças com a banalização desse mal que, de fato, é muito real e palpável. Demonstrarei, ao contrário, que muitas vezes o problema do "estresse" é superestimado, visto como origem de todos os problemas, para os quais não descobrimos a causa ou a solução concreta. Por ser um fator tão subjetivo e abstrato, difícil de determinar e medir, mas ao mesmo tempo tão disseminado e plausível, o estresse acaba  ofuscando, por exemplo, a precisão dos diagnósticos médicos. 

Explico: minha namorada, queixando-se de alguns sintomas salutares, trafegou por várias especialidades médicas - de dermatologistas à endorinologistas  - em busca de uma solução para suas aflições. Ouviu ,de  quase todos os médicos - após a realização de exames de toda a espécie, que nada detectaram -  que os sintomas apresentados seriam decorrentes desse grande vilão contemporâneo, o estresse.  Essa virou, de fato, uma espécie de resposta-padrão dos especialistas da Medicina: "Se não sabemos o que você tem, é provável que seja apenas estresse. Vá descansar que tudo se resolve..."

Após uma grande peregrinação por esses especialistas - tanto dentro do plano de saúde, quanto fora dele -, minha namorada, desafiando a "sapiência" dos acusadores do estresse, pressionou para que seus médicos pensassem em outras alternativas; Ou seja, para que, DE FATO, AGISSEM COMO MÉDICOS, BUSCANDO CAUSAS REAIS E PALPÁVEIS PARA PROBLEMAS IGUALMENTE CONCRETOS. O resultado: detecção de grandes alterações em exames de sangue mais específicos - que sugerem, fortemente, a presença de um hipotireodismo subclítico, decorrente de uma dada doença auto-imune.

Impossível associar essa demora do diagnóstico, e mesmo da TENTATIVA de diagnósticos mais precisos, aos problemas estruturais do sistema de saúde no Brasil. Arrisco-me a dizer que essa crise não atinge  tão somente o setor público - embora esse seja, de longe, o mais prejudicato, por inúmeras razões. O setor privado também demonstra crescente incompetência, refletida, por exemplo, no tempo curtíssimo do atendimento dos médicos que atendem planos de saúde. A possibilidade "menos ruim" -  e mais cara -  acaba sendo pagar um especialista à parte; apenas assim parece que eles são "motivados" a atender seus pacientes de modo mais atencioso. Mas eu pergunto: quantos no Brasil têm condições de pagar de R$200,00 a R$300,00 para ser atendido com o mínimo de dignidade em um consultório particular, sempre que desconfie de um diagnóstico pouco confiável, fornecido por um médico do setor público ou de um plano de saúde, que não passou mais do que 5min com o paciente? Isso, é claro, desprezando-se o custo elevado de drogas indispensáveis a tantos tratamentos.

O que parece estar em crise, para além da estrutura física dos hospitais e a falta de profissionais para atender a demanda, é a relação entre médico e paciente, além da própria incapacidade de os especialistas lidarem com suas limitações. O desvio da explicação de todos os problemas de saúde de diagnóstico mais delicado para o "fator estresse" acaba, nessa perspectiva, constituindo-se como um modo fácil de camuflar a crise pela qual passa não só o sistema de saúde, mas toda a modernidade, dita tão racional: evita-se a admissão da incompetência médica, da imprecisão de sua falha racionalidade, jogando-se toda a culpa no colo da sociedade contemporânea, em sua forma mais abstrata e imponderável. Quem, afinal de contas, pode ser diretamente apontado como o responsável pelo estresse, senão um fantasma impalpável e onipresente, e cujas forças não podermos precisar - esse grande espectro que é a contemporaneidade?

Pedro Mancini

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