domingo, 20 de fevereiro de 2011

Multiplicidade: por Senban Babii

Depois de muito tempo, trago novamente uma tradução de uma postagem sobre a temática de dentidades pessoais em meio à sociedade contemporânea, do ponto de vista de novos ambientes virtuais de sociabilidade. No caso, a autora (da qual já publiquei uma tradução) é usuária da realidade virtual Second Life (a qual estudo em meu mestrado), e desenvolve reflexões muito interessante sobre o caráter de multiplicidade de identidades estabelecidas atualmente - fragmentadas no uso de inúmeres redes sociais e ambientes de interação.

Como não são muitos aqueles que conhecem as nuanças da realidade virtual em que a autora está imersa, pode ser difícil entender alguns termos e comentários. Os "avatares" são as representações visuais adotadas pelos indivíduos usuários, e Sanban Babii é o nome do avatar da autora, e não seu nome físico "real" (Lauren Jones). Tendo isso em vista, já se tornba um pouco mais fácil aos pouco conhecedores entender a postagem a seguir, que, na verdade, tece relexões que escapam, em larga medida às limitadas especificidades do Second Life.
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Multiplicidade

"Ah, se apenas um mundo pudesse conter multiplicidade... Em nossa cultura, infelizmente, a multiplicidade é freqüentemente interpretada como duplicidade e, em uma era de roubo de identidade, checagem de antecedentes criminais e detectores de metal, não querer enganar não parece contar muito". 

Quem sou eu? Isso não depende de minha concha física, mas sim de onde estou, com quem e sob quais circunstâncias. 

Imagine que eu já ao meu local de trabalho amanhã e me identifique como Senban Babii quando atenda o telefone. Isso seria uma mentira? Bem, na verdade não seria. mas poderia ser considerado o eu "errado" para a situação, e seriam baixas as chances de ser reconhecida. As pessoas também poderiam pensar que sou estranha, em algum sentido.

No mundo físico, conceitos tradicionais de self e da percepção dos selves dos outros foram restritos pelo fato de normalmente existir apenas um de nós. Então, qualquer coisa que escape da norma histórica é freqüentemente vista como incomum e usualmente percebida como enganosa, psicologicamente anormal ou como simples jogos infantis de "faz de conta". "Por que você não pode simplesmente ser você mesmo?" é o grito das massas tentando segurar-se em seus modos tradicionais e confortáveis de perceber o mundo. Tentam amarrar-nos a um só "self", e, quando possuímos múltiplos pseudônimos ou auto-expressões, buscam juntá-los em vastos bancos de dados de redes sociais como o Facebook. Na verdade, visam amarrar-nos a um único self para seu próprio benefício, e não o nosso.  

Claro que a multiplicidade não é uma coisa nova. O conceito de um pseudônimo ou um nome de guerra tem séculos de existência, por exemplo. Mas historicamente, como cultura, associamos multiplicidade a pessoas bigâmicas ou vigaristas, indivíduos que se empreendem para enganar; e assim, como cultura, somos obcecados a encontrar quem realmente está por trás de um codinome, ao invés de perceber que o codinome não é necessariamente um modo de disfarçar intenções, mas sim um rótulo para designar o elemento do self descentrado de uma pessoa. Ajudaria a me conhecer melhor se você soubesse que meu nome real é, de fato, diferente?  Causa-lhe incômodo, quando você pensou ter descascado uma camada de identidade, que de fato a próxima camada em si também era uma casca que separa você do núcleo? O truque é parar de pensar em camadas que circundam um self central nuclear, e perceber que a identidade é feita de uma nuvem; amorfa, fluída, simultaneamente digital e progressivamente dispersa.

Em alguma medida, a multiplicidade pode ser uma forma de auto-proteção (mas agora, a multiplicidade incorpora um necessário caráter de duplicidade), conforme ingressamos na era da conexão em redes. Considere a inclusão recente de "nomes de exibição" no Second Life. No passado, éramos capazes de manter um firewall ou talvez uma porta corta-fogo entre avatares alternativos, simplesmente mantendo esses avatares sem conexões entre si para serem rastreados. Agora, a idéia é ser encorajado a possuir um único avatar com nomes múltiplos, adotados de acordo com as circunstâncias ou escolhas.; mas por baixo disso ainda há o mesmo avatar, e então, para alguém com a motivação e as ferramentas adequadas, é possível juntar os pontos que ligam nossos selves descentrados. Claro que nada impede que alguém crie, mesmo assim, avatares alternativos, mas culturalmente começamos a ser guiados a "um avatar-múltiplas expressões", de modo que um avatar se torna um ponto fixo para as pessoas se prenderem. Também é digno de nota considerar como todo elemento de nossas vidas se torna vagorosamente conectado e "lincado" por companhias como o Google que, em teoria, amarram nossos endereços de e-mail para que possamos simplificar o acesso a eles - mas, na realidade,  trabalham para que organizações possam juntar nossos dados a fim de melhor comodificar nossas vidas.

É interessante, aqui, considerar o conceito "transmundial", a idéia de manter uma identidade por múltiplos espaços e plataformas. Em certa medida, eu gosto dessa idéia, e você poderá encontrar Senban Babii em vários lugares diferentes. Mas a verdade é que ela é a mesma pessoa, ou melhor, o mesma expressão de um aspecto de  meu self nesses lugares. Nesses espaços, é correto trazer o aspecto Senban Babii para a dianteira, mas pode não ser apropriado trazê-lo parta o ambiente de trabalho. Então, mesmo que eu ache que o conceito transmundial possua mérito, não creio que ele se mantém, necessariamente, como uma filosofia.

Poderia ser argumentado, ao invés disso, que apesar das múltiplas identidades, permanecemos o mesmo indivíduo por detrás dos olhos. Em algum nível, realmente concordo com isso, mas com algumas ressalvas que eu devo esmiuçar em um blog futuro. Na verdade, continuaremos sendo nós mesmos. Mas talvez a multiplicidade nos permita explorar aspectos isolados de nossos selves. E isso não nos leva novamente para a idéia de avatares sendo objetos com os quais podemos pensar?

Traduzido de: Senban Babii 

 Por: Pedro Mancini

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