domingo, 27 de fevereiro de 2011

O sublime momento da partida



Quem me conhece, sabe que não sou nenhum crítico de cinema - muito longe disso. Mas existem alguns filmes sobre os quais não consigo deixar de comentar. Um deles é o japonês "A Partida", de 2008, dirigido por Yojiro Takita.

O grande mérito desse filme está em tratar de um tabu fortíssimo que, me arrisco a dizer, possui grandes chances de ser universal: a morte. Ora, alguns irão pensar, mas ela é muito explorada por outros filmes;  vários personagens, protagonistas e coadjuvantes, costumam morrer nas telinhas, afinal. Acontece que o tratamento que o diretor japonês dá ao término da existência humana é altamente diferenciado: ele é visto de perto, em close up,  pelos olhos das pessoas próximas ao falecido - aquelas que, de fato, sofrerão por sua ausência. Aqui, a morte não aparece banalizada, mas é elevada à uma posição sublime. Um momento extremamente valorizado, cujo caráter mágico é objetivado pela execução de um ritual de exumação, característico da tradicionalidade japonesa. O morto, por lá, parece merecer uma deferência muito maior do que alguns seres vivos de nossa sociedade ocidental.

Isso pode parecer chocante, mas é, ao mesmo tempo, o que fornece ao filme japonês seu caráter profundamente marcante e emocionante. O sentimento passado é o de tristeza  - mas não uma tristeza trágica, pesada, da qual, em geral, fugimos no dia-a-dia mas sentimos, de forma controlada, em um filme melodramático típico. Trata-se de uma tristeza amena, tranquila, até mesmo um pouco "alegre" - por mais paradoxal que pareça. Não deixa de ser uma metáfora da própria idéia de morte passada pelo filme: uma transição pacífica, que não precisa, necessariamente, ser encarada com uma tristeza violenta ou um inconformismo raivoso. A idéia que o filme parece vender é a de uma submissão às leis da vida e da existência, que permite, em última análise, o estabelecimento de uma relação mais saudável com o fato da morte de nossos semelhantes.

Claro que o filme possui, também, os seus defeitos: em geral, parece um tanto forçado e "maquiado"; as representações são um tanto artificiais.  A intenção não é, afinal de contas, trazer os podres físicos da morte aos olhos do espectador: a putrefação da pele e órgãos, a vazão dos fluídos corporais etc.; nesse ponto, reproduz uma parte da evitação da morte presente no senso comum, e seus detalhes materiais não são exibidos.

Mas de uma exposição banal da morte, as telas já estão cheias: filmes de terror e de ação não de cansam de mostrar corpos dilacerados, e isso está longe de significar uma valorizção da morte ou uma superação de sua banalização - ela aparece apenas como a transição do homem a um emaranhado de carne sem vida e sem face. Antes de lidar com nossa relação com esses detalhes físicos repulsivos, "A Partida"  busca dialogar com o tabu psicológico do contato com o corpo, e com a própria forma usual de enxergar o processo da passagem à pós-vida (seja qual for o lugar de chegada). O desespero familiar no momento da despedida do ente falecido é que detém destaque - algo totalmente ignorado, de forma geral, em filmes policiais, de ação e de terror (onde os mortos servem apenas para contabilizar o grau de "sanguinolência" de heróis e vilões).

De todo modo, os pontos passíveis de crítica ficaram longe de minar as intenções do filme: dissecar um assunto visto com tanta repulsa, medo e evitação, como a morte, e torná-la uma das coisas mais belas da vida - contra todos os sentimentos inconscientemente perpetuados pelo senso comum.

Pedro Mancini








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2 comentários:

Anônimo disse...

Aí Pedrão, gostei da inovação
Fiquei com vontade de assistir, com toda a empolgação! Yeah.
(Ih caramba, estou falando igual o Killer Bee, o 8 caudas do Naruto!!!).
Hahahaha depois que eu assistir ao filme, faço alguns comentários mais objetivos. Mas a forma como os japoneses encaram a morte é muito legal (japoneses são foda), eles reverenciam os entes no "velório", ajoelhando-se e abaixando a cabeça, como forma de respeito a dor da pessoa. O irônico é que os japoneses, mais que outras civilizações, encaram a morte com naturalidade e até como forma suprema de humildade e orgulho, a exemplo dos samurais.

Unknown disse...

Boa, Luiz, valeu pelo comentário!
Espero mais depois que você assistir o filme. Aliás, eu o tenho, quer emprestado?