sexta-feira, 1 de março de 2013

Relacionamentos superficiais

É claro que, como sociólogo, sempre tento transformar questões pessoais em problemáticas sociológicas, exercitando a velha "imaginação" teoricamente inerente à profissão. Mas é especialmente delicado realizar esse exercício quando falamos de certos temas, como relacionamentos. Nesses casos, fica ainda mais difícil saber até que ponto falamos de um problema coletivo, difundido pela sociedade (ou parcelas dela), ou se a questão só pode ser notada em nosso próprio mundo pessoal.  

Pretendo, mesmo assim, navegar pelos mares inóspitos do amor e do relacionamento, sofrendo sérios riscos de naufrágios analíticos. Mas quem se importa?

Começo, como sempre, compartilhando algumas impressões. Ok, não sou a pessoa mais fácil do mundo para lidar - apesar de já ter melhorado muito nos últimos anos, de acordo com minha própria (logo, duvidosa) avaliação. Mas me parece que os "outros" estão, muitas vezes, ainda mais difíceis. Aparentemente, há um medo generalizado de entrega, de compreensão e interação plena com o Outro - independentemente do tipo de relação afetiva que pensamos. Há uma clara dificuldade comunicativa entre os que se dizem abertos para ficar, namorar, ter um caso... se relacionar, enfim. Então, questiono-me: que tipo de relacionamento procuram? Quais são suas possibilidades e limitações? E o que aquilo que "não procuram", que evitam desesperadamente, pode nos dizer a respeito das dinâmicas da sociedade atual?

O interessante é que o pavor que essas pessoas demonstram parece aliado, contraditoriamente, a uma necessidade de se provar o quanto são libertários, "abertos ao novo" e descolados. Mera casca, pelo jeito.

Ok, falo de um perfil específico: uma parcela dos solteiros da casa dos 30. Importante pontuar isso, já que muitos percebem um movimento de progressivo conservadorismo entre os mais jovens (crianças e adolescentes).

Mas voltemos aos trintões: A percepção que tenho é de uma contradição entre o discurso de liberdade e realização sexual  e a dificuldade extrema de um envolvimento efetivo. É como se todos conseguissem falar de sexo abertamente, mas sem praticá-lo senão superficialmente;  como se fossem virtualmente carinhosos, sem estabelecer diálogos profícuos no tete-à-tete; como se adorassem perguntar como você está pelo chat, sem se preocupar genuinamente com a resposta ou com o que lhe acontece na vida física. É muito fácil transmitir a imagem de um ser liberal, bondoso e preocupado com a vida de seus semelhantes no discurso, mas parece ser extremamente difícil e doloroso abrir-se a ponto de, na prática, compartilhar sentimentos e afetos mais densos.

É claro que só percebo esse movimento quando ajo na direção contrária: incomodado com uma dada situação, como o distanciamento "real" de uma parceira presente no discurso, vejo-me conversando com a parede - preso em uma "comunicação" de mão única. Assim, noto que minha recém-adquira (e ainda muito relativa) facilidade de comunicação e de exposição de sensações não é partilhada por meus pares. O carinho das palavras tecladas desaparece na conversa pelo telefone e na constante esquiva ao encontro pelo mundo de asfalto.Na tentativa de dissipar a sedutora névoa dos "carinhosismos" su perficiais e descobrir "o que rola de verdade" com o próximo, deparo-me com um ser passivo, medroso como uma criança de 6 anos que, sendo repreendida por uma "arte", apresenta uma postura meramente defensiva e reativa. Um ser desprotegido, vulnerável, sentimentalmente desnudo - por mais que, usualmente, se apresente como um Golias do autoconhecimento e da segurança emotiva.

Essa dificuldade relacional se expressa, também, em uma postura de agressividade passiva: não há qualquer abertura para o diálogo, qualquer brecha para uma comunicação em duas vias, para a construção de um ponto comum em meio a divergências cotidianas. Existe, tão somante, o confronto de pontos de vista tratados não só como inconciliáveis, mas incomunicáveis! Há  o silêncio do Outro; um silêncio que não  traduz a concordância, mas a dificuldade e covardia comunicativa.  Ao mesmo tempo, há o tratamento  do ponto de vista do interlocutor - aquele que se expõe, cuja perspectiva acaba sendo a única apresentada - como algo a se reagir e revidar, e não compreender e analisar. Não há substratos, não há matéria prima para o aprendizado de um novo ponto de vista ou opinião. E então reflito: se isso ocorre no âmbito dos relacionamentos afetivos, como essas pessoas pensam sobre questões mais amplas, como a política? Será que há possibilidades de construção de algo "novo" no ambiente público, já que essas possibilidades já são limitadas na esfera da intimidade intersubjetiva?

Voltando às explicações para essa suposta falta de interação "real", encontro-me teorizando novamente sobre o grau de insegurança de muitos de nós, que vendem uma imagem totalmente incoerente com aquilo que sustentam nas interações. O risco iminente de desvendamento das emoções e personalidades camufladas por essa estratégia de auto-manipulação resulta em um medo paralisante e uma fuga desesperada. De certo modo, é como se apenas as relações baseadas em trocas superficiais de informação valessem verdadeiramente a pena, e qualquer pressão por significância arrastasse a (tentativa de?) relação  para o bueiro. Será que, nos conturbados dias narcisistas de hoje, não há graça na significância de relações concretas?

Convoco, por fim, os interlocutores de plantão a me ajudarem: seriam as minhas experiências por demais individuais, ou seriam elas minimamente partilhadas? Por mais que não possamos falar de um problema "apenas" individual ou "apenas" coletivo, até que ponto estou dando um peso excessivamente social para uma questão deveras pessoal? Perguntas para as quais meu grau de envolvimento direto não permitem repostas diretas e imediatas.



Pedro Mancini

4 comentários:

yuna disse...

"Por que essa falta de concentração?
Se você me ama, por que não se concentra?" Ana C.
Mais uma da Ana Cristina Cesar, acho que estou viciada em traduzir o mundo a partir de suas palavras... mas não é perfeito?! Tentando fugir de casos individuais e considerando o tempo líquido que vivemos, parece existir um grande medo de se concentrar em algo, de mergulhar, de conhecer alguém de verdade... sinto que para muita gente esse ato de imersão implica em fazer escolhas. E fazer escolhas hoje, num tempo acelerado pela promessa de que podemos tudo infinitamente, significa perda. Não ganho envolvimento, cumplicidade, carinho e parceria... perco todas as outras infinitas coisas, principalmente da vida ilimitada, superficial, moldada e segura no mundo virtual. E isso tudo de tão constante transborda para a vida real. Passamos pelas pessoas e só passamos, com perguntas rasas e respostas vazias... E olha que não estou falando da dificuldade em se estabelecer relações monogâmicas não... me parece que isso passa por todo tipo de relação... talvez ainda mais nas monogâmicas, não sei. rsrs me perdi!! ;)

Unknown disse...

Yuna,

Perfeito seu comentário! Realmente, a perspectiva de fazer escolhas minimamente definitivas - como se relacionar - causa pavor por "ameaçar" uma gama de alternativas fúteis, porém sedutoras. Muitos ainda preferem refugiar-se na insignificância das proto-relações virtuais do que arriscar-se na concretude e intensidade de fora das telas de computador. E isso não se resume, de fato, à oposição simplória "real" X "virtual": transborda para o interior das próprias relações "físicas", hoje muito mais pautadas por atrações parciais e superficiais do que por envolvimentos, conhecimentos e re-conhecimentos minimamente intensos. E isso em qualquer forma de relacionamento - monogâmico ou não.

Pessimista demais?


Mais uma vez, valeu pela participação!!

yuna disse...

Olá Pedro,
Pois é, nessa segunda mal humorada tenho que concordar com você. E pior, escapando para experiências individuais me sinto alternando nos dois papéis, o de quem fala com a parede e o de quem tem medo... e, ando bem cansada e irritada com os dois! rsrs
Nas relações mais amplas como na política, certamente você é a pessoa mais indicada para opinar, mas tenho a impressão de que existem duas possibilidades. Uma de um falso envolvimento superficial e desconexo. E outra de uma força em rede, que mobiliza mais pessoas, sobre o efeito disso na prática, tenho minhas esperanças e minha dúvidas. Que você acha?

Abraço!

Unknown disse...

É, acho que todos alternamos nos dois papéis, Yuna... somos todos contraditórios. Acho que faz parte da natureza humana!

Indo à política, não sei se sou tão otimista quanto as redes. Será que elas também não tratam os assuntos de modo muito superficial? Acho que vale a pena o estudo. Sem dúvida, há progressos no sentido da mobilização em rede, mas acredito que eles são superestimados.


Quando tiver uma opinião mais consolidada sobre o assunto, tentarei postar alguma coisa interessante!

Abraços,