quarta-feira, 10 de março de 2010

Minhas experiências no Carnval 2010 - Parte II

Sei que o Carnaval já passou há um tempo e que o assunto que irei tratar, a princípio, está meio batido, mas, mesmo assim, vou me arriscar.

Na primeira postagem sobre o Carnaval, me limitei a uma pacata análise sobre meu deslocamento nessa data, além de descrever minhas impressões sobre o Desfile das Escolas de Samba. Hoje, descreverei um pouco das minhas experiências com a própria população que vivenciava o espírito do Carvanal, especificamente nas areias da maltratada Praia Grande.

É, arrisquei-me mesmo a passar todo o feriado nessa região, apesar das inúmeras recomendações ao contrário. E tenho que admitir que, excetuando-se a companhia, me arrependi de tentar "relaxar" nessa praia. E por tudo aquilo que todos sabem: a bagunça maciça, a despreocupação generalizada da população usuária com o espaço público e o espaço do outro (manifesta pelo lixo nas ruas e na areia e pelo som alto vindo dos porta-malas de inúmeros carros, entre muitos outros exemplos), a superlotação, etc., etc., etc...

Como disse no começo, o assunto que trato aqui é meio batido: o desprezo das pessoas pelo espaço dos outros, que se manifesta com força especial durante certos feriados -- e que aparece com força particular em meio ao Carnaval. Tentarei, contudo, dar um contorno um pouco menos óbvio às minhas observações sobre o tema.

Para começar, rechaço a hipótese, muito recorrente, de que esse tipo de desprezo pelo espaço público e pelo bem-estar de outros indivíduos seria exclusivo de uma classe menos abastada, ignorante pela simples falta de educação elementar.

O que muda em cada classe social, talvez, são os momentos em que o desprezo pela vida pública se manifesta. Comportamentos mais hedonistas e desrespeitosos para com o espaço do outro são mais visíveis, talvez, quando oriundos de indivíduos de classes mais pobres: o funkeiro que escuta música alta no ônibus sem se preocupar com os demais passageiros, os funcionários de obras que fazem gracejos explícitos a garotas que transitam pelas ruas, ou a família mal educada que deixa um rastro de lixo após deixar as areias da praia.

Contudo, os "grandes cidadãos" das classes média e alta também costumam manifestar esse desprezo pelo espaço dos outros - mas em momentos mais específicos de descontração, de "fuga" do mundo racionalizado e competitivo a que estão submetidos em suas rotinas pessoais e profissionais. É longe dos ambientes públicos que esses homens mais incluídos no sistema dominante manifestam sua faceta egoísta e hedonista - e, muitas vezes, de forma extremamente agressiva. São bem conhecidos, por exemplo, os casos de crimes cometidos por playboys, influenciados por esse desprezo pelo público e pelo anônimo e por um gostinho pela humilhação alheia. Variam desde o lançamento de ovos e o espancamento de prostitutas e homossexuais, até a combustão de índios e mendigos. Mas também aparecem de modo mais sutil, em indivíduos abastados de todas as idades, por meio de atos como: sonegação de impostos, desrespeito às leis de trânsito mais básicas, e o arremesso de lixos "mais inofensivos" ao chão - como bitucas de cigarro.

Em outras palavras, acredito que o desprezo pelo espaço público, que imputamos  à uma massa amorfa de indivíduos pobres e sem estudo, é na verdade muito mais geral em nossa sociedade - atingindo, em graus  variados, todas as classes e todos os graus de instrução. O que ocorre, apenas, é que as classes mais inseridas em um universo racionalizado e burocratizado camuflam essa inclinação, manifestando-a em segredo, em momentos de descontração, isolados de seus mundinhos ordinários.

Estaria esse descaso com o espaço alheio e com o espaço público "marcado" no ethos cultural do brasileiro? Acredito que sim, ao menos em certa medida. Seja explicitamente ou "lá no fundinho", estamos "cagando e andando" para o próximo. Valorizamos os "nossos", mas desprezamos o anônimo, o excluído, o "outro" de forma geral.

 No carnaval praiano, trago outro exemplo claro: as brincadeiras de arremesso de bexigas d´água, que, acredito, já se caracterizaram como um modo lúdico de socialização entre amigos e vizinhos, e que se transformou em mera agressão ao próximo, ao indivíduo desconhecido: não se arremessam mais essas bexigas com água apenas, mas espalham-se espumas nos estofamentos dos veículos, arremessam-se excrementos, e jogam-se até mesmo cocos inteiros nas latarias dos carros que circulam pelas ruas da Praia Grande.

Infelizmente, acho que a solução para todos esses casos de descaso e de agressão ao público não se limita à mera educação formal, pois, como já argumentei, esse comportamento também se manifesta - embora com maior descrição, em muitos casos - em indivíduos do mais alto nível educacional (vide, apenas como um dos inúmeros exemplos possíveis, o caso da Uniban). Por mais que escondamos essas atitudes embaixo do tapete, pelo uso da roupagem da cidadania e da civilidade, elas teimam em se manifestar em nossos rotinas, e, em especial, em nossos momentos de distração e lazer, quando estamos mais propensos a revelar nosso "verdadeiro eu" - como no Carnaval, em que a manifestação desses fantasmas interiores torna-se especialmente justificável (é o espírito do Carnaval, arriscaria-me a dizer). Está aí um ótimo momento para manifestarmos nosso ódio mais profundo ao Outro e o desprezo pelo espaço de "todos", mascarados pela aura de "alegria" de que esse feriado se reveste. 

Pedro Mancini

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